'Nos façamos presentes nos territórios' (Fernanda R)

Devemos nos organizar nos diversos locais e contextos em que a classe trabalhadora está e que faça sentido com a nossa estratégia e táticas, compreendendo que estamos sob uma sociedade capitalista não apenas quando batemos o ponto, mas em todos os momentos da nossa vida.

'Nos façamos presentes nos territórios' (Fernanda R)

Por Fernanda R para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo essa tribuna refletindo sobre outra tribuna de um camarada intitulada “Acerca dos Núcleos Genéricos”[1], mas também no debate para o XVII Congresso extraordinário sobre a existência dos núcleos e células de bairro. Apesar de saber sobre a caracterização dos núcleos e células de bairro como genéricos em certos debates, irei apontar as minhas discordâncias e perspectivas.

Devemos nos organizar nos diversos locais e contextos em que a classe trabalhadora está e que faça sentido com a nossa estratégia e táticas, compreendendo que estamos sob uma sociedade capitalista não apenas quando batemos o ponto, mas em todos os momentos da nossa vida. 

O caráter do núcleo ou célula de bairro não é genérico “por natureza” somos nós, enquanto partido, os responsáveis por estabelecer em quais lutas iremos atuar, os locais onde iremos nos inserir e os trabalhos a tocar. Se não nos planejamos ou planejamos de maneira equivocada ou nem conseguimos atuar em algo como almejamos, não é a luta no bairro que não é estratégica ou genérica por si só, mas nós que falhamos em nos organizar e podemos e devemos reconhecer as nossas debilidades nisso.

Destaco um trecho da tribuna que mencionai acima: “Seguindo a delimitação de território, surge um outro problema. Um território, seja bairro ou município, é policlassista. Dentro dele existem elementos das mais diversas classes, desde proletários a extratos médios, pequeno-burgueses e a depender do bairro eventuais burgueses. Essa composição tão ampla pode ser um obstáculo para a definição dos trabalhos políticos da instância em questão”.

Poderia dizer a mesma coisa sobre as universidades públicas mais renomadas do país, e mesmo assim não é um lugar que devemos nos ausentar.

Usar a delimitação por território não traz necessariamente um problema, o problema está na nossa análise e nas decisões de quais territórios ocupar e o que fazer, enquanto isso a burguesia sabe muito bem como utilizar do território das formas mais brutais possíveis contra os trabalhadores. Quando necessário precisamos assumir que fomos incapazes de algo que nos propomos ou que não conseguimos fazer, por mais que em cada canto do país tenhamos experiências diferentes que foram positivas, mas dificilmente compartilhadas já que estivemos sendo vários partidos em um, desconectados uns dos outros.

E o que acontece também camaradas é que geralmente partimos do que não é a priori uma luta no território, e sim apenas um aglomerado de camaradas que residem no mesmo local, muitas vezes na verdade distantes uns dos outros geograficamente e chamando isso de núcleo ou célula de bairro. Criar um nome e uma estrutura burocrática apenas como célula “[nome do lugar]” não é fazer luta no território. Assim como dar um nome mais específico não é especialização. Não temos uma célula “plebiscito contra as privatizações da sabesp, metro e cptm” ou “núcleo de CA de geografia da unifesp campus zona leste” e não haveria necessidade para isso. Planejar e concretizar quais as tarefas do núcleo ou célula faz parte dos planejamentos e práticas dos organismos de base, e suas direções, que nós mesmos criamos e mantemos dentro dos contextos que nos inserimos ou que pretendemos, como nos sindicatos e universidades. Condicionar a criação e dissolução dos organismos de base de acordo com uma tarefa em específico fará com que essa criação e dissolução de organismos aconteça com uma frequência que ao meu ver tende mais a desestabilizar a organização interna do que trazer saldos positivos.

E para além do que eu comentei, me preocupa algo que pode ser uma visão “paulistana-centrada” do partido e de como ele deve ser. Será que a luta por terra, território, moradia, cultura que acontecem nos bairros é mesmo não prioritária e não estratégica em todo o país? Digo que não, essas lutas são de fato estratégicas e fundamentais desde a concepção do que chamamos de Brasil. 

Não vamos mesmo estar nos bairros, periferias, favelas, interiores e zonas rurais? Quando os eventos climáticos decorrentes da crise climática atingirem cada vez mais as populações nos bairros com as piores infraestruturas, iremos dizer que não era prioridade? Aliás já está ocorrendo. E a construção e preservação histórica e memória do nosso próprio povo é uma questão menor, e que não tem potencial organizativo a partir das relações sociais daqueles indivíduos com seus próprios territórios?

Muito ainda daria para tirar desses assuntos dos quais na verdade eu sinceramente não domino, e felizmente temos o conhecimento e contribuições acumuladas inclusive de outras tribunas no EDC que deveríamos fazer o esforço de ouvir.

Quero finalizar dizendo que ao negligenciar as lutas e os trabalhadores nos seus locais de vida e moradia os outros partidos e movimentos sociais continuarão lá, com suas propagandas conservadoras e reacionárias, propagando a ideologia liberal ou ideias rebaixadas e possivelmente sendo bem aceitos, já que pelo menos eles se fazem presentes.


[1] https://emdefesadocomunismo.com.br/acerca-dos-nucleos-genericos/