No Marrocos, Macron reafirma apoio francês à ocupação colonial do Saara Ocidental

Em Rabat, Marrocos, o Presidente da França reafirmou o compromisso inegociável do seu governo com a ocupação colonial do Saara Ocidental, levada a cabo pelo Marrocos há pelo menos quatro décadas.

No Marrocos, Macron reafirma apoio francês à ocupação colonial do Saara Ocidental
Emmanuel Macron, Presidente da França ao lado do Mohammed VI, Rei do Marrocos. Reprodução/Foto: AMMAR ABD RABBO

Por Redação

Em viagem de três dias ao Marrocos, o presidente da França, Emmanuel Macron, reafirmou, na terça-feira (29), em um longo discurso aos parlamentares do país magrebino, que trabalhará pela soberania marroquina sobre o Saara Ocidental. A região, considerada pelas Nações Unidas um “Território Não Autogovernado” desde 1963, está sob ocupação marroquina há pelo menos quatro décadas, subjugando a população saarauí e lucrando com a extração de recursos naturais.

A visita de Macron marcou a retomada de relações mais próximas ao Marrocos, após a crise diplomática que afastou os dois países envolvendo a acusação de espionagem de figuras políticas francesas através do software Pegasus por autoridades de segurança do Estado marroquino, em 2021.

Além disso, a rígida política francesa de contenção da imigração ilegal no país, levando a diminuição do número de vistos concedidos ao Marrocos para pressionar a aceitação do retorno de seus cidadãos expulsos da França, levou a desentendimentos entre ambas as nações nos últimos anos.

Em seu discurso no parlamento em Rabat, Macron ainda citou diversos acordos econômicos, relacionados a transição energética e transporte ferroviário. A intenção é que em 2025, Mohammed VI se encontre com Macron em Paris, na comemoração do 70º aniversário da Declaração de Celle-Saint-Cloud, que concedeu a independência ao Marrocos.

A reconciliação buscada por Macron se insere num contexto de seguidas derrotas francesas em África nos últimos anos. Com os golpes de Estado no Níger, Mali e Burkina Faso, países marcados pelo histórico colonial, e a expulsão dos militares franceses do Sahel, além da cada vez mais ampla presença do Grupo Wagner e do próprio governo russo nestes países, a França foi excluída de qualquer acordo econômico que vigorava nesta região.

Com as juntas militares no poder no Sahel caminhando para a nacionalização da produção, ainda, a França vem perdendo espaço em uma de suas principais fontes de lucro no continente africano, que é a extração de urânio no Níger.

A abertura marroquina para o recebimento do presidente francês, contudo, não é por acaso. Retomando as hostilidades contra a República Árabe Saarauí Democrática (RASD) e a Frente Polisário (Frente Popular de Liberação de Saguía el Hamra e Río de Oro) em 2020, o Marrocos tem atuado diplomaticamente para angariar apoio internacional na reivindicação de todo território saarauí.

Controlando cerca de 80% do Saara Ocidental, o Marrocos iniciou a ocupação ainda em 1975, período em que a ONU exigia do governo espanhol, antigo colonizador da região, um referendo para que a população saarauí decidisse sobre sua autodeterminação, conforme as inúmeras resoluções da organização, como a Resolução nº 1.514 da Assembleia Geral.

No entanto, em novembro do mesmo ano de 1975, o rei Hassan II do Marrocos conclamou seus súditos a avançarem sobre a fronteira no Saara Ocidental. Com a justificativa de que estariam expulsando os espanhóis, a chamada Marcha Verde teve como objetivo consolidar a presença marroquina no território, ocupando-o efetivamente e violentamente reprimindo os movimentos de libertação saarauís. Na ocasião, 350 mil marroquinos avançaram 10 km adentro do território do Saara Ocidental, carregando bandeiras e exemplares do Quran.

Avanço marroquino sobre o território do Saara Ocidental durante a “Marcha Verde”, em novembro de 1975. Reprodução: GETTY IMAGES

Com a retirada dos espanhóis em fevereiro de 1976, a Frente Polisário fundou a RASD, culminando no início da guerra contra as forças marroquinas, que durou quinze anos. Nesse período, Marrocos construiu um muro de cerca de 2 mil km, delimitando os territórios controlados pela Polisário e os efetivamente ocupados, separando inúmeras famílias e efetivando um regime de subjugação da população saarauí.

Nas décadas seguintes, o Marrocos investiu massivamente na extração da rica reserva de fosfato da região, se tornando o maior exportador mundial do mineral não metálico. Além disso, a pesca, uma das principais atividade econômicas no território, seguiu beneficiando a monarquia do Magreb. Apesar disso, a Espanha manteve seus investimentos na região, sendo ainda hoje uma das principais beneficiadas pela ocupação.

Hoje, o Marrocos busca, para além da propaganda que realiza a completa revisão da história, apagando a secular ocupação saarauí no território, o apoio da União Europeia para reforçar sua posição na disputa. Já em 2020, nesse cenário, o Marrocos normalizou suas relações com Israel, aprofundando nos anos seguintes seus laços militares, contrariando parte considerável dos países de maioria muçulmana, críticos do genocídio em curso nas áreas ocupadas pelos sionistas.

Em agosto de 2024, a Argélia, principal apoiadora da Polisário, já havia retirado seu embaixador de Paris, motivada pelo apoio francês à monarquia marroquina. A declaração recente de Macron, assim, tende a tensionar ainda mais as relações não só entre os dois países, mas entre toda comunidade internacional e principalmente entre a população saarauí que, vítima da cotidiana violência e vigilância do Estado marroquino, tende a perder qualquer esperança pela autodeterminação, aguardada há décadas e que já vitimou inúmeros combatentes.