'Necessidade de uma luta antiopressão na prática dentro das nossas fileiras – uma resposta a tribuna “Camaradagem; o vínculo de proximidade político que se forja”' (Pâmela)

Temos que pensar em formas de acolhimento e o que fazer quando essas situações de machismo e racismo acontecerem, porque acontecem, a todo momento, e nos escondermos atrás da palavra camaradagem para dizermos que somos todos iguais.

'Necessidade de uma luta antiopressão na prática dentro das nossas fileiras – uma resposta a tribuna “Camaradagem; o vínculo de proximidade político que se forja”' (Pâmela)
"E quem é oprimido acaba formulando mais sobre suas vivências de opressão do que sobre políticas de planejamento e direção do partido em si. Algo que pessoas que não sofrem essas determinadas opressões, não precisam passar, não formulam sobre, conseguem focar na direção."

Por Pâmela para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Nessa tribuna eu foco nas opressões relacionadas a gênero e raça, porque foram as categorias focadas na tribuna do camarada, mas reitero que nossa luta antiopressão deve abarcar xenofobia, capacitismo, lgbtqfobia, gordofobia e demais pautas antiopressão.

A tribuna do camarada, que inclusive faz parte do meu núcleo de base na UJC, me incomodou desde o primeiro momento que eu li, ele foca em instrumentos teóricos, e parece que esquece da materialidade, da realidade. Acho que em literalmente todos os eventos e reuniões da organização que já fui, sempre foi apontado sobre a invisibilizarão de pessoas com base no gênero e na raça, o quanto temos menos mulheres, não-binários e negros em nossas fileiras, e o quanto os que estão, tem menos voz, recebem mais trabalhos braçais, estão em instâncias organizativas e não deliberativas e de direção, como também comentado na tribuna da camarada Sky e de camarada Bérnie.

Sempre comentamos sobre isso, por isso achei que esse pensamento estava no mínimo absorvido por todos, mas nessa tribuna o camarada Castilhos literalmente fala em diversos momentos do texto em como nossa relação de camaradagem não atravessa questões raciais e de gênero, mas eu acho essa visão no mínimo privilegiada, acho que é muito mais fácil você falar isso quando é um homem cis. Como eu disse acima, o machismo e o racismo literalmente determinam as relações dentro da nossa militância, falar que isso não existe partindo de pressupostos teóricos é literalmente negar a realidade e as opressões existentes dentro da própria organização.

Dito isso, como falei, desde o primeiro que li essa tribuna ela me incomodou, mas o que me motivou a escrever uma resposta a ela foi justamente sofrer mais uma situação de machismo por parte de camaradas. Assim como todo não-binário que é visto como mulher e toda mulher dentro da organização com certeza já viveu. E é sempre a mesma coisa, a situação acontece, a crítica é exposta, isso quando a vítima consegue expor a crítica no momento, e a reação, se as pessoas tiverem um mínimo de noção, é pedir desculpas, dizer que realmente foi problemático e ponto, ninguém comenta mais sobre isso, ninguém fala mais nada sobre isso, é só um apontamento de necessidade de autocrítica vazio e que nunca é construído.

Essa foi mais uma situação em que o abalo psicológico me impediu de estar em uma tarefa política, assim como os casos de racismo e machismo as vezes acabando fazendo a vítima se sentir tão desconfortável que acaba saindo da organização, e quem continua são os homens brancos cis que foram opressores, e vão continuar sendo se não houver realmente uma política formativa e prática sobre essas pautas.

Mas mais do que colocar uma crítica sobre esse ponto, que creio que já seja de conhecimento de todos, queria a partir disso expor a necessidade de uma estrutura para lidar com essas situações, para que quando nossos militantes forem opressores tanto fora quanto dentro do partido, além de um pedido de desculpas, saibam o que fazer em relação a isso, como acolher, o que fazer, o que falar, como lidar com a situação ao invés de só não falar mais sobre ela, porque o que acaba acontecendo é que a vítima tem que ficar pautando incansavelmente o tema para que algo seja feito sobre, além de sofrer a opressão, fica para nós a responsabilidade de lidar e mediar isso, acho que uma estrutura para lidar com isso seria realmente uma forma de lidar com as opressões. E acho que lidar com as opressões também é pautar essas questões dentro do partido. Temos que pensar em formas de acolhimento e o que fazer quando essas situações de machismo e racismo acontecerem, porque acontecem, a todo momento, e nos escondermos atrás da palavra camaradagem para dizermos que somos todos iguais enquanto tem camaradas que literalmente se desligam pelas opressões e falta de apoio dentro do partido, não faz o menor sentido material.

Acho que essa é uma das principais questões também, sempre falamos sobre como as questões de raça e gênero atravessam todos os temas, mas não é isso que vemos nas discussões, isso tem que ser uma política, uma forma de ver as coisas, realmente internalizada, questões de raça e gênero estão em todas as questões e pautas, porque não tem como você dividir uma vivência, são questões que influenciam a vida em todos os aspectos, então temos que ter elas no radar em todas as pautas, não tem como partir da visão de homem branco cis e romantizar as vivências e só lembrar de machismo e racismo em momentos específicos, essas opressões estão presentes em todas as pautas, a todo momento. Achei que isso era algo óbvio, e é cansativo ficar tendo que pautar o óbvio sempre. É cansativo ser a pessoa que é violentada e ter que ser a pessoa que expõe e tenta formular sobre isso. Essa responsabilidade não deveria ser só nossa, mas parece que quem não sofre essas opressões, literalmente não vê elas. E quem é oprimido acaba formulando mais sobre suas vivências de opressão do que sobre políticas de planejamento e direção do partido em si. Algo que pessoas que não sofrem essas determinadas opressões, não precisam passar, não formulam sobre, conseguem focar na direção.

E não busco culpar meus camaradas, muito pelo contrário, escrever isso foi a forma que encontrei de expor a questão para que algo seja feito sobre, eu poderia apenas subir a crítica a esses camaradas em específico, mas com certeza essa questão não foi individual e pontual, por isso senti a necessidade de escrever sobre isso, para que coletivamente pensemos em estruturas que realmente lidem com a opressão, para que nossos militantes saibam o que fazer quando reproduzirem opressões, porque como sempre comentamos também, a maioria que compõem nossas fileiras são homens cis brancos, que mesmo não querendo, acabam sendo machistas e racistas, então temos que no mínimo elaborar como lidar quando essas situações acontecem, em vez de só fingir que nada aconteceu e seguir em frente, porque com certeza a vítima não esquece.

Então ressaltando, acho extremamente necessário que além de formações teóricas sobre esses temas, também sejam formuladas formas de lidar com essas situações, instrumentalizar sobre ações práticas, sobre como deve se agir na prática quando se tem uma atitude opressora, o que se pode fazer, o que se pode falar, como lidar com isso na materialidade além de dizer que errou e que vai fazer uma autocrítica que nunca acontece realmente. Temos que pensar em como realmente agir em relação a isso e não apenas comentar o quanto é ruim que isso exista.

Enfim, como agênero que socialmente é vista como mulher, aponto a necessidade de pautarmos a camaradagem levando em conta justamente o gênero e a raça, e além disso, a sexualidade, a classe social, ancestralidade, as questões psicológicas e demais opressões, porque isso estrutura todas as nossas relações sociais, inclusive a camaradagem, e pautar como se fôssemos todos iguais, é no mínimo um idealismo e um apagamento de toda a vivência de opressão que alguém que não é um homem branco cis vive, mesmo dentro da organização!