'Muckers, Índios e Colonos: Pensar a questão racial no Sul dominado pelo minifúndio' (Contribuição anônima)

Para pensar a questão social e racial no sul, é necessário entender todos os problemas sem se acovardar, olhar as contradições do latifúndio, mas também da pequena propriedade, e disputar a memória da imigração alemã pelo olhar dos selvagens, o mucker, em oposição ao colono.

'Muckers, Índios e Colonos: Pensar a questão racial no Sul dominado pelo minifúndio' (Contribuição anônima)
"Os muckers, empobrecidos e revoltosos, se envolveram em inúmeras disputas com a comunidade alemã local, levando por fim ao extermínio deste grupo numa campanha do Exército Brasileiro."

Contribuição anônima para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O Brasil nasce de um projeto de exploração e dominação, começando com o descobrimento, a expansão portuguesa empurra os índios para dentro do território, os índios do grupo tupi são logo assimilados. Mas alguns grupos resistem ao processo de assimilação, ou o contrário ocorre: o português é assimilado pelo índio, à exemplo dos caiçaras.

O sul era um território limite da Coroa Portuguesa, a cidade ou assentamento português mais próximo do que hoje é o Rio Grande do Sul se chama Laguna, a exploração do que hoje é o Rio Grande do Sul, e do que mais tarde seriam as colônias alemãs do Vale do Paranhana e da Região do Rio dos Sinos, nasce primeiro do desbravamento feito por lagunenses e por paulistas do que na época se chamava de "Campos de Viamão", estes lagunenses e paulistas provavelmente traziam escravos consigo para trabalhar nas fazendas.

O projeto colonial desmascara o mito de um Brasil "moreno" e harmônico, onde os diferentes povos viviam em paz até a chegada do "alemão" ou do "imigrante", o embranquecimento e a imigração fez parte de um longo processo que não se inicia no sul, e que não está restrito ao eixo norte-sul, mas também se faz presente no eixo leste-oeste (madeireiros, garimpeiros, seringueiros), os mais diversos grupos das mais diversas cores e raças unidos na exploração e na destruição das comunidades nativas, esta é a verdadeira "democracia racial", a única que se pode falar com certeza que existiu no Brasil. Os alemães que chegavam no sul não eram ricos, vindos em massa da Alemanha destroçada por Napoleão, camponeses, pequenos agricultores, seduzidos por promessas de terras numa região inóspita (ou assim se dizia), a ideia de formar comunidades de pequenos proprietários no Sul irritou profundamente o latifúndio, mas divergiam apenas no projeto civilizatório - ao passo que o latifúndio queria prosperar o sul com o trabalho escravo, os imigrantes protestantes tinham o projeto de civilizar a região através da ética do trabalho duro, sem uso de mão de obra escrava (proibida nas colônias), mas ainda assim este projeto antagonizava os imigrantes "civilizados" à outro grupo: os índios.

A política de criar uma região controlada por pequenos proprietários prosperou no sul, embora não tenha prosperado no país inteiro, prosperou para os imigrantes europeus, mas não para o "bugre" como era chamado o índio no sul, nem para o negro alforriado, estes não receberam terras, se mantendo em quilombos ou comunidades nas beiras das estradas ou matas. Na região do que hoje é o Vale do Paranhana/Rio Dos Sinos foi criada uma sociedade "moderna" no sentido burguês da palavra – uma sociedade de pequenos proprietários, com a proibição do trabalho escravo nas colônias, e uma região "civilizada"; onde o índio vivia no "mato", o alemão construia cidades, o mito do imigrante trabalhador, protestante, antagonizado pelo selvagem constantemente a espreita prosperou na região, e nos currículos das escolas onde se ensina a história da imigração e dos municipios.

A pequena propriedade, longe de exterminar as injustiças e o racismo trazidos pelo latifúndio e pelo sistema feudal, logo se mostrou tão ou mais brutal, antagonizando agora o imigrante civilizado do índio selvagem, as relações entre os colonos e os índios eram hostis, com trocas de hostilidades constantes, citando RIZZARDO Fabiane Maria e DOS SANTOS Rodrigo Luis apud Arno Kern:

"com isso, ambas as etnias viviam uma situação bastante tensa, pois, enquanto o colono tentava se estabelecer nas terras em que lhe cabiam por determinação imperial, o Kaingang via a penetração efetiva nas terras onde havia nascido. Enquanto os primeiros sofriam com a presença do índio, este, por sua vez, só tinha como última alternativa a retirada” (KERN, 1991, p. 336).

Citando novamente RIZZARDO Fabiane Maria e DOS SANTOS Rodrigo Luis apud PATRO:

"ali na ponte a cidade teve inicio. Os imigrantes, cada um no seu lote de terra, derrubaram mata, construíram suas choupanas e finalmente plantaram suas roças. Mas aí vieram além dos animais selvagens também os índios para colher o que não plantaram, incendiar e matar. O senhor Gaelzer entrou no mato à procura de seu cavalo e nunca mais voltou. Três anos mais tarde também sua mulher foi morta na roça. Na vizinhança, no Rosenthal, os selvagens assaltaram cinco casas, roubaram e mataram todos, menos uma menina, que tirou o nenê do berço e se escondeu no mato" (PATRO, s/d, p. 7- 8)

As relações tensas demonstram que as contradições do Latifúndio presentes no país inteiro, longe de serem solucionadas pelo minifúndio, apenas se agravaram de formas diferentes, e isto não ocorre devido ao "alemão" ser racista, feio ou bobo, mas devido ao desenvolvimento da pequeno propriedade no sul.

Pensar a história do Brasil implica pensar uma história popular do País a partir do ponto de vista das classes mais pobres, a primeira vista são dois grupos presentes majoritariamente entre os mais explorados: o negro, e o índio.

Mas aqui cabe outra pergunta: por acaso o pequeno burguês, o pequeno agricultor é irremediável? Não pode ser ele redimido pelo contato e simpatia pelos mais explorados? Longe de pregar por uma simpatia filantrópica, esta simpatia deve se erguer de uma empatia, sentir junto com o explorado e colonizado, se ver no selvagem.

Por acaso, todos estes camponeses pobres que vieram para o sul prosperaram? É possível pensar um alemão que não seja colono?

A resposta é sim:

Existe uma dualidade no imaginário do colono, de certa forma é repassado um conflito entre o colono e a natureza selvagem, entre o alemão e o índio, onde no fim o alemão civilizado prospera sobre a natureza, dominando-a e moldando-a na forma de cidades, igrejas, escolas e capelas.

Mas e se o alemão perde? E se o pequeno burguês se "indianiza'? E se no fim a natureza triunfa? Um grupo de alemães que ocupavam o Morro Ferrabrás, na colônia do Padre Eterno, no que hoje é Sapiranga, devido aos problemas constantes e dificuldades acabaram caindo em "decadência", sem assistência médica ou auxilio da elite colona local, estes "negros brancos" como eram chamados, logo se voltaram ao misticismo e curandeirismo, a falta de "cientificidade" e a decadência trazida pela pobreza logo levou os muckers a serem categorizados de "não alemães", e seus líderes Hansjorg Maurer e Jacobina Mentz logo passaram a ser ostracizados, citando GEVEHR Daniel Luciano e DILLY Gabriela apud DICKIE,1996,p.317

"A desqualificação tinha duas matrizes que reiteraram a retórica de Koseritz: por um lado, a racionalista/ evolucionista, pela qual mucker é sinônimo de “natureza não civilizada”, “selvageria”, “falta de esclarecimento” e “embuste religioso”; por outro, a matriz étnica, através da qual efetuou a exclusão pública dos mucker, ao equiparar as atividades de Maurer às de um “índio velho” e às da feitiçaria africana, chamando-o de “negro branco”. Maurer era, portanto, um não alemão" (DICKIE, 1996, p. 317).

Os muckers, empobrecidos e revoltosos, se envolveram em inúmeras disputas com a comunidade alemã local, levando por fim ao extermínio deste grupo numa campanha do Exército Brasileiro.

Para pensar a questão social e racial no sul, é necessário entender todos os problemas sem se acovardar, olhar as contradições do latifúndio, mas também da pequena propriedade, e disputar a memória da imigração alemã pelo olhar dos selvagens, o mucker, em oposição ao colono.

Referências:

GEVEHR Daniel Luciano e DILLY Gabriela Os estranhamentos entre aqueles que estavam e aqueles que chegam: representações sobre o espaço e as relações entre indígenas e imigrantes alemães no rio Grande do Sul, Brasil História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. De 2016.

RAMOS Andrea Regina e SMANIOTTO Elaine Quilombos e quilombolas: a trajetória de resistência e luta na comunidade remanescente do Paredão Baixo em Taquara/RS Universo Acadêmico, Taquara, v. 7, n. 1, jan./dez. 2014.

RIZZARDO Fabiane Maria e DOS SANTOS Rodrigo Luis “Deixados a beira do caminho”: a abordagem da história indígena local na região do Vale do Rio dos Sinos. Revista Latino-Americana de História Vol. 2, no. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial.

DE SOUSA OLIVEIRA, Ryan. Colonização Alemã e Poder: A cidadania Brasileira em construção e discussão.