'Misoginia e machismo no seio da nossa organização' (Célula da Zona Sul – SP)

A autocrítica, ainda que impulsionada por uma reação forte das instâncias partidárias, é condição primeira para que o partido não incorra nos mesmos equívocos já cometidos antes da cisão e se emancipe de si mesmo.

'Misoginia e machismo no seio da nossa organização' (Célula da Zona Sul – SP)

Por Célula da Zona Sul – SP para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A presente tribuna tem por objetivo discutir a misoginia e o machismo no seio da nossa organização.

Muitos dos problemas que ocorriam em nossa antiga organização, infelizmente, parecem persistir no PCB-RR. Problemas esses que levaram e levam à “quebra” e ao desligamento de quadros femininos importantes, tanto nas instâncias de direção quanto na base do partido.

Nosso intuito aqui é o de provocar uma reflexão que leve a uma mudança radical de nossa cultura política, para que repensemos como lidamos com dois tópicos fundamentais na estrutura partidária: a) paridade; e b) violência de gênero. Se estamos verdadeiramente empenhados em mudar o perfil atual da militância e recrutar mais mulheres, LGBTQIA+ e pessoas racializadas, devemos ser intolerantes com o tipo de conduta que afetou e continua afetando nossas camaradas. Esse tipo de violência é inaceitável em um partido que pretende ser vanguarda da revolução no Brasil. 

É preciso que divergências políticas sejam debatidas abertamente, com camaradagem e de maneira estritamente política. É inadmissível que isso ocorra através de um prisma moral e pessoal, por meio de fofocas e comentários em mesas de bar. Circunstâncias assim apenas reforçam o fato de que ainda não superamos os desvios da estrutura partidária, sob o comando do antigo Comitê Central. Em exame empírico, observamos com o decorrer do tempo um considerável desbalanceamento no número de desligamentos de membros da militância que pertencem a minorias. Essa conduta por parte de alguns camaradas não só não promove um ambiente propício à permanência dessas camaradas, como também contribui para o aumento dos motivos que levam a sua “quebra”. É dever das instâncias superiores um exame mais profundo sobre as causas desses desligamentos e como superá-las, a fim de tornar o partido um ambiente de acolhimento para essas camaradas e não um fator extra de adoecimento.

Não se almeja aqui a responsabilização individual diante dessas inúmeras ocorrências. Ao contrário, o objetivo é demonstrar o quanto essas “quebras” são estruturais e estão inseridas em uma dinâmica patriarcal que dialoga e se alimenta do modo de produção e da divisão social do trabalho. Não por acaso, Heleieth Saffioti assim explana: “A questão se situa na tolerância e até no incentivo da sociedade para que os homens exerçam sua força-potência-dominação contra as mulheres, em detrimento de uma virilidade doce e sensível, portanto, mais adequada ao desfrute do prazer” (Gênero, patriarcado e violência, pág. 79) e afirma Ângela Davis que: “o patriarcalismo foi denunciado como um dos fundamentos da estrutura autoritária da sociedade burguesa”. 

A autocrítica, ainda que impulsionada por uma reação forte das instâncias partidárias, é condição primeira para que o partido não incorra nos mesmos equívocos já cometidos antes da cisão e se emancipe de si mesmo. Caso não tenhamos essa cautela, correremos o risco de estarmos meramente mudando o nome do partido, porém sem abandonarmos velhas práticas. Trata-se de mudar a roupagem sem se desgarrar da carne pestilenta.