Mineração ameaça a vida da população amazônica

As sub-bacias dos rios Tapajós e Xingu, no Pará, e Mucajaí e Uraricoera, em Roraima, estão entre as áreas mais afetadas pela contaminação por mercúrio. Essas regiões, que abrigam comunidades indígenas ameaçadas pelo garimpo ilegal, apresentam riscos de contaminação acima dos níveis seguros.

Mineração ameaça a vida da população amazônica
Reprodução/Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real.

Por Redação

Estudos recentes revelam que quatro bacias da Amazônia estão severamente contaminadas por mercúrio, utilizado na extração de ouro.  Além do garimpo ilegal, a região enfrenta a exploração de metais como ferro e bauxita por grandes mineradoras estrangeiras, o que representa uma grave ameaça à saúde humana e agrava os impactos socioambientais.

As sub-bacias dos rios Tapajós e Xingu, no Pará, e Mucajaí e Uraricoera, em Roraima, estão entre as áreas mais afetadas pela contaminação por mercúrio. Essas regiões, que abrigam comunidades indígenas ameaçadas pelo garimpo ilegal, apresentam riscos de contaminação acima dos níveis seguros.

A partir de uma modelagem que projeta a distribuição e bioacumulação de mercúrio, estudiosos apontam que estas bacias estão severamente afetadas. A análise, publicada na revista científica Toxics em agosto deste ano, revela que mais da metade (51,77%) das 3.791 sub-bacias da região Tapajós não cumprem limites máximos de mercúrio estabelecidos  na legislação ambiental brasileira.

Além da contaminação por mercúrio em si, a extração de outros metais, como ferro e bauxita, também traz danos significativos à saúde humana evidenciados em outros estudos. Esses recursos são amplamente explorados na região e estão ligados à atividade de mineradoras estrangeiras, que frequentemente operam de forma predatória, agravando os impactos socioambientais.

A Amazônia, com sua vasta biodiversidade e rica cultura, enfrenta uma ameaça crescente: a mineração predatória. Seja legal ou ilegal, essa atividade está por trás de uma grave degradação ambiental, além de agravar desigualdades sociais. O impacto da mineração vai além da destruição da floresta, afetando também o cenário político, econômico e humano, com consequências profundas e duradouras.

Um dos efeitos mais devastadores da mineração e do garimpo é a seca de rios, como ocorreu com o Rio Marupá. Além disso, muitos empresários e políticos locais envolvidos no garimpo têm conexões com o tráfico, o que contribui para o aumento da violência na região. Assim, esses fatores também intensificam a instabilidade social e a insegurança.

A seguir, analisamos como a mineração impacta a Amazônia em diversas frentes, apresentando exemplos específicos e dados que ilustram a gravidade desse problema:

Como a mineração destrói a Amazônia

Entre 2000 e 2015, a mineração foi responsável por 10% de todo o desmatamento da Amazônia, com uma grande concentração de atividades no Pará, conforme uma pesquisa do CEFET. O maior número de desmatamento ocorre principalmente  em áreas ricas em minerais, como a Serra dos Carajás, no Pará.

Além de remover a vegetação, a mineração destrói habitats essenciais para inúmeras espécies da fauna e flora da região. A Amazônia abriga cerca de 10% das espécies conhecidas do planeta, e o desmatamento causado pela extração de bauxita, ferro e ouro tem comprometido ecossistemas vitais. A perda dessas espécies não só reduz a biodiversidade global, mas também afeta os ciclos ecológicos locais, prejudicando a resiliência da floresta frente às mudanças climáticas.

A descoberta da maior reserva de minério de ferro do mundo, na Serra dos Carajás, em 1967, deu início à exploração mineral no Pará, que se intensificou ao longo das décadas seguintes. Na década de 1970, a mineração, especialmente de ferro na Serra dos Carajás e de ouro em Serra Pelada, acelerou o crescimento do estado. A exploração de ferro na Serra dos Carajás, operada pela Vale desde a década de 1980, tornou-se um dos maiores exemplos do impacto da mineração na Amazônia. Em 2021, de acordo com a Vale S.A. (2022), a produção de minério de ferro na região atingiu 112 milhões de toneladas, refletindo a magnitude dessa atividade.

A mineração está diretamente ligada à contaminação dos rios e solos. O caso de Barcarena, no Pará, é emblemático. A empresa Hydro Alunorte, que opera na região, foi acusada em 2018 de despejar resíduos tóxicos nos rios Murucupi e Pará, contaminando a água com metais pesados e outros poluentes. A população local, majoritariamente composta por ribeirinhos e comunidades tradicionais, viu seus meios de subsistência – como a pesca – serem gravemente afetados. Testes de laboratório confirmaram níveis alarmantes de contaminação por alumínio e chumbo, elementos ligados à mineração de bauxita.

Outro exemplo é o uso de mercúrio na mineração de ouro, particularmente em áreas como a bacia do rio Tapajós. O mercúrio é utilizado para separar o ouro do minério bruto, mas grande parte desse metal acaba sendo liberada nos rios, onde contamina os peixes e, por consequência, as populações que dependem da pesca para sua alimentação.

As comunidades indígenas Munduruku, que habitam a região, sofrem com os efeitos dessa contaminação, que provoca graves problemas de saúde, incluindo doenças neurológicas. Segundo estudos recentes, cerca de 90% das amostras de cabelo coletadas em áreas de garimpo mostraram níveis elevados de mercúrio.

Estudos apontam uma contaminação alarmante por mercúrio nos peixes de alguns rios amazônicos, especialmente no Acre, onde a cidade de Rio Branco é o epicentro de ingestão de peixes contaminados.

Peixes de todos os estados amazônicos analisados apresentaram níveis de mercúrio superiores ao recomendado pela OMS (≥ 0,5 µg/g), e em Rio Branco, a ingestão chega a ser de 6,9 a 31,5 vezes maior do que o limite recomendado pela EPA norte-americana.

Mulheres em idade fértil e crianças são os mais afetados, consumindo até nove e trinta e uma vezes, respectivamente, acima do nível seguro. No Acre, a prevalência de contaminação atingiu 35,9%, com impactos diretos na saúde pública e no meio ambiente devido ao mercúrio, frequentemente usado na mineração.

A mineração ilegal e industrial na Amazônia também está associada a graves violações dos direitos humanos, particularmente contra os povos indígenas e comunidades ribeirinhas. Em Roraima, as terras dos Yanomami têm sido constantemente invadidas por garimpeiros ilegais, resultando em conflitos violentos.

A presença de garimpeiros nessas áreas é devastadora: além de causar desmatamento e contaminação, eles trazem doenças e violência para essas comunidades vulneráveis. Em 2022, a crise humanitária Yanomami se agravou, levando o governo federal a declarar estado de emergência na região devido à desnutrição e à contaminação por mercúrio.

As ameaças não se limitam aos povos indígenas. Em Barcarena, as lideranças comunitárias que denunciaram as contaminações da Hydro Alunorte sofreram perseguições e intimidações. Essas ameaças fazem parte de um padrão de repressão contra aqueles que resistem às atividades mineradoras. A violência e a criminalização das lideranças locais são frequentemente utilizadas como estratégias para silenciar os opositores e garantir a continuidade dos projetos de mineração.

A degradação do solo é outra consequência direta da mineração na Amazônia. Grandes áreas de floresta são destruídas para abrir caminho para as minas, o que expõe o solo à erosão. A mineração de bauxita em Juruti, também no Pará, é um exemplo claro. A remoção da cobertura florestal para a extração do minério deixa o solo vulnerável à erosão, o que resulta na perda de nutrientes e na degradação de vastas áreas, tornando-as inadequadas para a regeneração natural.

Além disso, o acúmulo de rejeitos – sobras da mineração – pode levar à formação de desertos artificiais. Em áreas como Barcarena, onde a Alunorte despeja resíduos industriais, o solo torna-se incapaz de suportar qualquer forma de vida, agravando o processo de desertificação e destruindo ecossistemas inteiros.

Quem lucra com isso?

Embora a mineração seja frequentemente justificada pelo seu potencial de desenvolvimento econômico, os benefícios gerados raramente chegam às comunidades locais. As empresas de mineração, como a Vale e a Hydro, lucram bilhões de reais anualmente com a extração de recursos naturais da Amazônia, mas as cidades que abrigam essas operações, como Barcarena, continuam a enfrentar altos níveis de pobreza, desemprego e precariedade nos serviços públicos. Apesar da riqueza mineral, Barcarena está entre os municípios com piores indicadores de desenvolvimento humano (IDH) no Pará .

Além disso, a extração de recursos naturais contribui para a concentração de renda e o agravamento das desigualdades sociais. Enquanto os lucros são canalizados para grandes corporações e seus acionistas, as populações locais ficam com os impactos negativos: contaminação, violência e destruição ambiental.

A mineração destrói as bases econômicas das comunidades tradicionais, destruindo as condições que sustentam práticas de subsistência, como a pesca, a agricultura familiar e a coleta de frutas.

O que fazer

A mineração representa um dos maiores desafios para a preservação da floresta e a proteção dos direitos das populações locais. Casos como os de Carajás, Barcarena, Juruti e das terras Yanomami ilustram a extensão dos danos causados por essa atividade. O desmatamento, a contaminação dos rios, a degradação do solo e a violência contra as comunidades são apenas algumas das consequências desse modelo predatório.

Para além da urgente necessidade de reestatizar empresas como a Vale e até mesmo estatizar as corporações estrangeiras que exploram recursos na região, deve-se também questionar a base do sistema econômico capitalista.

Sob esse modelo, o lucro sempre estará acima da vida, e tragédias ambientais, como a de Barcarena, se tornarão comuns. O capitalismo já demonstrou que até mesmo a mineração estratégica está sujeita à degradação socioambiental. Portanto, a luta pelo socialismo é necessária.

No capitalismo, os danos ao meio ambiente e às comunidades locais são muitas vezes tratados como "custos inevitáveis", e a exploração de recursos naturais, por mais destrutiva que seja, continua em ritmo acelerado.

É fundamental que sejam adotadas medidas rigorosas para combater a mineração ilegal, regular as atividades industriais conforme a necessidade do povo e garantir que os direitos das populações locais sejam respeitados. Mas isso não será realizado pelo estado burguês atual, mas sim pela mobilização do povo na construção do poder popular. Sem essas ações, a exploração da Amazônia continuará, ameaçando o futuro da classe trabalhadora.