Materiais para o desenvolvimento do programa do POSDR: Observações adicionais sobre o projeto de programa da comissão

Em primeiro lugar é imperativo traçar uma linha de demarcação entre nós e todos os demais, destacar o proletariado única e exclusivamente, e somente então declarar que o proletariado emancipará a todos, que convocará todos, convidará a todos.

Materiais para o desenvolvimento do programa do POSDR: Observações adicionais sobre o projeto de programa da comissão
Lênin em Smolny (1930), por Isaak Brodski.

Por Vladímir Ilitch Uliánov Lênin

Escrito em Abril de 1902; transcrito a partir da coletânea Estratégia e tática da hegemonia proletária, Lavrapalavra, 2023, p. 91-92.


Adição à questão da luta de classes

Compartilho totalmente da opinião de V. Zasulitch de que em nosso país é possível atrair uma proporção muito maior de pequenos produtores para as fileiras da social-democracia e muito mais rapidamente (que no Ocidente), de que para atingir isso devemos fazer tudo ao nosso alcance, e de que esse “desejo” deve ser expresso no programa “contra” os Martínovs e Cia. Estou em completo acordo com isso. Saúdo o acréscimo que foi feito ao final do §10 – enfatizo isso para evitar qualquer mal-entendido.

Contudo, não há necessidade de chegar ao outro extremo, como faz V. Zasulitch! Um “desejo” não deve ser confundido com a realidade, com aquela realidade imanentemente necessária, à qual nossa prinzipienerklärung [declaração de princípios] é exclusivamente dedicada. Seria desejável atrair todos os pequenos produtores – naturalmente. Mas sabemos que eles constituem uma classe especial, mesmo que ligada ao proletariado por milhares de laços e graus de transição, mas mesmo assim uma classe especial.

Em primeiro lugar é imperativo traçar uma linha de demarcação entre nós e todos os demais, destacar o proletariado única e exclusivamente, e somente então declarar que o proletariado emancipará a todos, que convocará todos, convidará a todos.

Eu concordo com esse “então”, mas exijo que esse “em primeiro lugar” venha antes!

Aqui na Rússia, o sofrimento monstruoso do “povo trabalhador e explorado” não levantou nenhum movimento popular até que um “punhado” de operários fabris começou uma luta, uma luta de classes. E apenas esse “punhado” garante a condução, continuação e ampliação dessa luta. É na Rússia, onde tanto os críticos (Bulgákov) acusam os social-democratas de “fobia do campesinato” quanto os Socialistas-Revolucionários [1] gritam sobre a necessidade de substituir o conceito de luta de classes pelo conceito da “luta de todo o povo trabalhador e explorado” (Vestnik Russkoi Revolutsit, nº 2 [2]) – é na Rússia que devemos, primeiro, traçar uma linha de demarcação entre nós e todo esse lixo, por meio da mais clara definição da luta de classes exclusiva do proletariado – e apenas então declarar que chamamos a todos, que devemos intentar tudo, pegar tudo, expandir para incluir a todos. Mas a comissão “expande”, esquecendo de demarcar!! E eu sou acusado de ser tacanho porque exijo que essa expansão seja precedida por uma “demarcação”? Mas isso é uma fraude, senhores!!

A luta que inevitavelmente nos aguarda amanhã contra as forças combinadas dos críticos + dos senhores de esquerda da Russkiie Vedomosti e da Russkoie Bogatstvo [3] + dos Socialistas-Revolucionários, exigirá de nós que dissociar a luta de classe do proletariado da “luta” (será uma luta?) “do povo trabalhador e explorado”. A fraseologia sobre esses trabalhadores é um trunfo nas mãos de todos os unsicheren kantonisten [aliados não confiáveis], e a comissão faz o jogo deles e nos priva de uma arma para a luta contra a indiferença a fim de enfatizar a metade! Mas não esqueçam a outra metade também!


Notas

[1] Partido Socialista-Revolucionário: Partido pequeno-burguês que surgiu na Rússia no fim de 1901, como resultado da fusão de vários grupos e círculos populistas. Os SR (ou “esserristas”) obscureciam as diferenças de classe entre o proletariado e o campesinato e as contradições dentro do campesinato, rejeitando o papel dirigente do proletariado na revolução. O programa agrário dos SR previa a abolição da propriedade privada da terra, e também o desenvolvimento de todo o tipo de cooperativas. Os bolcheviques desmascaravam as tentativas dos SR de se fazerem passar por socialistas, travavam uma luta tenaz pela influência sobre o campesinato e mostravam o prejuízo que sua tática do terror individual trazia ao movimento operário.

[2] Vestnik Russkot Revolutsii. Sotsialno-Polititcheskoie Obozreniie (“Mensageiro da revolução. Revista sociopolítica”): revista clandestina publicada no estrangeiro (Paris-Genebra) entre 1901-05; quatro números foram publicados. Tornou-se o órgão teórico do Partido Socialista-Revolucionário.

[3] Russkoie Bogatsvo (“Riqueza russa”): revista mensal publicada em São Petersburgo de 1876 a 1918. No começo dos anos 1890, passou para as mãos do narodnik, liderados por N. K. Mikhailovski. Como tal, em 1893, começou uma campanha contra os social-democratas russos (vide, Lênin, Quem são os “amigos do povo” e como lutam contra os social-democratas). Agrupados em torno dela estavam publicistas que posteriormente se tornaram membros proeminentes dos grupos do Partido Socialista-Revolucionário, dos “Socialistas Populares” e dos Trudoviques na Duma de Estado. A partir de 1906, tornou-se o órgão do partido semi-Kadet dos “Socialistas Populares”. A revista mudou de título várias vezes: Sovremenniie Zapiski (“Notas contemporâneas”), Sovremennost (“Tempos modernos”), Russktie Zapiski (“Notas russas”); a partir de abril de 1917 se tornou novamente Russkoie Bogatsvo.