Marco Temporal restringe direitos indígenas e favorece capitalistas
A maior parte da área em conflito, 95,5%, está localizada em territórios indígenas cujas demarcações não foram efetivas, o que evidencia a importância política da tese do Marco Temporal para os capitalistas.
Por Gabriel Colombo
A votação sobre a tese do Marco Temporal será retomada nesta quarta-feira, 30 de agosto, no Supremo Tribunal Federal (STF). É mais um capítulo da ofensiva dos capitalistas, ou do chamado agronegócio, para expropriar os Territórios Indígenas (TI) sob o manto da legalidade burguesa. A tese tem impacto direto na demarcação das terras indígenas, com consequências para a biodiversidade e o clima, de modo a afetar o conjunto da classe trabalhadora.
O Marco Temporal prevê que os povos indígenas têm direito somente às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição Federal (CF), em 5 de outubro de 1988. É a interpretação do artigo 231 da CF forjada pelos interesses políticos e econômicos da burguesia para garantir o livre acesso à terra pelo capital. A tese desconsidera a violenta história de expropriações sofrida pelos povos indígenas, marcada por ameaças, perseguições e assassinatos que forçaram a saída dos territórios tradicionalmente ocupados.
As lutas indígenas nos anos 1980 foram imprescindíveis para conquistar o direito constitucional ao território e fomentar o processo de reivindicação e retomada de terras pelos povos originários. Hoje, existem 764 áreas identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) como TI’s, das quais 281 (36,8%) ainda não foram demarcadas.
A CF prevê que as terras indígenas são bens da União, portanto, propriedade pública, cujo direito de posse é concedido aos povos indígenas, com proibição da venda e comercialização das terras. Portanto, os TI’s apresentam-se como um entrave para a expansão das terras exploráveis pelo capital. Legalmente, onde há terra indígena demarcada, o agronegócio, as mineradoras, os grileiros, os especuladores imobiliários e fundiários não podem atuar. Por isso, esses setores, poderosos economicamente, empenham esforços políticos para restringir o direito à terra conquistado pelos povos indígenas, como a aprovação do Marco Temporal no Câmara dos Deputados, em maio deste ano, por 283 votos a 155.
É evidente que a legislação democrático-burguesa não é suficiente para impor freios ao desenvolvimento capitalista dependente brasileiro, cuja dinâmica depende da ampliação constante das terras disponíveis a baixo custo (ao mesmo tempo que abandona as áreas já degradadas) para a produção de comodities de exportação, de modo a garantir a parte do botim da burguesia brasileira na cadeia imperialista.
Hoje, existem 1.692 sobreposições, ou melhor, invasões de fazendas em Territórios Indígenas no país, correspondente a 1,18 milhão de hectares, segundo relatório do Observatório De Olho nos Ruralistas. O relatório demonstra que as invasões não são produto de grileiros locais ou fazendeiros atrasados, mas estão relacionados com grandes empresas dos mais diversos setores do agronegócio (soja e grãos, madeireiras, pecuária, açúcar e etanol, fruticultura e mineração), além de bancos, fundos de investimento e capital estrangeiro oriundo de 14 países. Empresas como Bunge, Amaggi, Bom Futuro, Lactalis, Cosan, Ducoco e Nichio estão relacionadas às invasões, assim como, os bancos Itaú e Bradesco.
A maior parte da área em conflito, 95,5%, está localizada em territórios indígenas cujas demarcações não foram efetivas, o que evidencia a importância política da tese do Marco Temporal para os capitalistas. Para os povos indígenas, o desenvolvimento de tais setores ligados ao agronegócio significa o aumento da violência, o estado do Mato Grosso do Sul, palco do genocídio do Povo Guarani Kaiowá é ao mesmo tempo o que concentra o maior número de invasões, somando 630.
A demarcação dos territórios é fundamental para os povos indígenas garantirem o direito a terra em que vivem e trabalham, onde reproduzem sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Não é uma garantia plena de paz e melhores condições de vida contra a violência, exploração e opressão capitalista, mas assegura melhores condições para lutar.
A aprovação do Marco Temporal tem impacto não somente para os povos indígenas, pois a expansão das fazendas do agronegócio é acompanhada de desmatamento e uso intensivo de insumos químicos que promovem a degradação da natureza, reduzindo a biodiversidade, a qualidade das águas, do solo e do clima. Tudo em nome do aumento do lucro de uma minoria que detém o poder econômico e almeja se apropriar de toda terra e suas riquezas para a exploração imediata e sem freios, sem responsabilidade com as atuais e futuras gerações.
Enquanto comunistas, compreendemos que é fundamental, como medidas imediatas, derrotar a tese do Marco Temporal e defender a demarcação imediata dos Territórios Indígenas, considerando sua ancestralidade e direito originário às terras que tradicionalmente ocupam. Como saída política da classe trabalhadora para a questão agrária e indígena, defendemos a nacionalização de todas as terras. Por um lado, para assegurar os direitos dos povos indígenas, também quilombolas e camponeses, aos seus territórios. Por outro, para garantir que a produção agropecuária e florestal seja suficiente para atender aos interesses e demandas da classe trabalhadora, em relação harmônica com a natureza. É a propriedade privada da terra e a dinâmica de acumulação capitalista que promovem a degradação ambiental, a fome, a violência no campo e comprometem a vida das futuras gerações.
Terra para quem vive e trabalha, não para o capital
Viva os povos indígenas, abaixo o marco temporal!