Marca da brutalidade imperialista no Caribe, invasão de Granada completa 41 anos
Granada foi condenada a ser um país restrito à política de austeridade financiada pelo FMI e o Banco Mundial, na qual a produção de noz-moscada lega um papel de dependência na economia internacional.
Por Redação
No mês de outubro, marcam-se 41 anos da invasão de Granada. Em 25 de outubro de 1983, os batalhões do Exército dos Estados Unidos desembarcaram na ilha às 5 horas da manhã, dando início a Operação Fúria Urgente. Com a justificativa de que 600 estudantes estadunidenses corriam perigo, devido ao golpe de Estado em andamento e às manifestações que tomaram as ruas do país, tropas tomaram rapidamente locais estratégicos, subjugando a resistência do Exército Popular Revolucionário. Durante três meses, a ocupação ianque no país caribenho esmagou a Revolução Granadina, levando o conservador Herbert Blaize ao poder.
Dias antes da invasão, Granada enfrentava uma grave crise política no interior do Movimento New Jewel, responsável pela tomada do poder em 1979. À época, a ala liderada pelo vice-primeiro-ministro Bernard Coard, rompe com Maurice Bishop, revolucionário que assumiu o posto de primeiro-ministro e possuía sólido apoio da maioria da população granadina, sendo reconhecido como hábil comunicador e dirigente político.
No dia 13 de outubro daquele ano, membros do Exército Popular ligados a Coard forçam Bishop à prisão domiciliar, dando início ao golpe de Estado. Todavia, tomando as ruas da ilha, a classe trabalhadora granadina rejeitou com veemência as ofensivas contra o primeiro-ministro. Solto em 19 de outubro, buscando reverter a situação, Bishop e sete aliados foram executados, levando a criação de um Conselho Militar Revolucionário, liderado por Hudson Austin, general do Exército Popular.
Com apenas 6 dias no poder, Hudson Austin e o Conselho foram depostos pela intervenção estadunidense, que conjuntamente à tropas regionais jamaicanas rapidamente desmantelaram as estruturas de comunicação e poder do movimento revolucionário, que contava com apoio de civis e soldados cubanos. Batalhões do regimento de Rangers, SEALs e Marines chegaram à ilha numa grande operação que buscava servir de exemplo aos demais países do continente americano.
De considerável inspiração marxista, o New Jewel, acrônimo de Joint Endeavor for Welfare, Education, and Liberation (‘Novo Esforço Conjunto para o Bem-estar, Educação e Libertação’) acumulava contradições internas, ocasionadas em grande parte pela disputa pessoal em face da popularidade de Bishop e seu papel nas relações diplomáticas da ilha, que se aproximava do governo cubano e da União Soviética, bem como da linha política adotada. Bernard Coar, em reunião do Comitê Central do New Jewel, acusava Bishop e seu governo de pequeno-burguês e de se desviar do caminho revolucionário pela lentidão das mudanças na ilha.
A trajetória de Maurice Bishop e dos revolucionários da direção do New Jewel é marcada pela resistência à violenta repressão engendrada pelo governo do primeiro-ministro Eric Gairy, responsável por liderar a formal independência política do país, negociada com o governo colonial britânico.
No poder, Gairy promoveu, desde o início de sua carreira nos cargos públicos, uma política econômica voltada à completa dependência da antiga metrópole, perseguindo sindicatos e lideranças políticas que se opunham à severa exploração praticada pelas empresas estrangeiros no país. Nesse contexto, Gairy financiou e coordenou as atividades da Mongoose Gang, polícia secreta que foi responsável pelo assassinato de militantes do New Jewel e outros movimentos populares, apagando com gasolina o fogo da luta de classes.
Em 1979, guerrilheiros do New Jewel, aproveitando uma viagem internacional de Gairy e contando com amplo apoio popular e do Exército, toma o poder sem grande resistência, ocupando rádios, aeroportos e prédios das instituições políticas do país, fundando o Governo Revolucionário Popular de Granada.
Bishop e o New Jewel foram responsáveis por mudanças extremas na vida da população granadina, contestando frontalmente a tutela estadunidense sobre o Caribe, num contexto marcado pela Revolução Cubana e pela Revolução Sandinista na Nicarágua.
Dando centralidade ao processo de descolonização, o governo revolucionário de Granada atuou ativamente na alfabetização da população. Jacqueline Creft, Ministra da Educação, Cultura e Políticas para Mulheres, promoveu nos quatro anos, antes de ser executada junto à Maurice Bishop, uma intensa política de resgate histórico e cultural das raízes africanas da população, buscando alterar profundamente a estrutura do sistema educacional da ilha.
O governo revolucionário também foi responsável por instituir um sistema público de saúde, bem como promoveu a igualdade salarial entre homens e mulheres. Além disso, promoveu constantes investimentos para o desenvolvimento da agricultura, marcada pelo cultivo da noz-moscada e cana de açúcar, sendo a principal atividade econômica da ilha. Ainda, Bishop constantemente elencava a necessidade da industrialização focada nas necessidades do país, que carregava o legado colonial de exploração e parco desenvolvimento.
Uma das problemáticas enfrentadas, neste sentido, era a grande crise econômica instaurada no sistema capitalista mundial, prejudicando as exportações de produtos primários e os investimentos no país, que havia adotado uma economia mista, abrindo possibilidades ao capital privado. Com o passar dos anos, o governo revolucionário foi obrigado a lidar com diversos percalços para estabilizar o cenário político, favorecendo a intervenção do serviço secreto estadunidense.
Com isso, a oposição da Revolução Granadina ao imperialismo e sua política de intervenção no Caribe, que apenas alguns anos antes havia se manifestado nas exportações clandestinas de armamentos para os grupos de oposição à Michael Manley na Jamaica, somada a popularidade de Bishop entre os movimentos revolucionários nos EUA foram centrais na edificação dos planos de invasão projetados pelo governo de Ronald Reagan.
Em viagens para Nova Iorque e outras cidades norte-americanas, Bishop atraiu grande público na explanação dos feitos da revolução. Angela Davis, revolucionária marxista considerada uma ameaça pelo governo dos EUA à época, visitou Granada e documentou em diversas oportunidades as medidas populares em voga na ilha. Na mesma toada, Bishop e o New Jewel foram profundamente influenciados pelo movimento Black Power e por figuras como Malcolm X e Huey Newton, promovendo uma política antirracista em Granada que atacava frontalmente as medidas neoliberais impopulares do governo Reagan, que atingiu severamente a população negra marginalizada.
A invasão da ilha em 1983 foi a resposta definitiva da potência imperialista que havia saído de uma derrota humilhante na Guerra do Vietnã. Em busca da reafirmação da dominação regional, o Departamento de Estado norte-americano usou Granada como exemplo para o Caribe, que contava na década de 1980 com um movimento revolucionário em constante ebulição.
A derrota da Revolução Granadina representou a última faísca de contestação real da dependência econômica estabelecida no Caribe, sendo Cuba o último pilar do socialismo, golpeado nas décadas seguintes pelo duro fim da União Soviética e a ascensão do neoliberalismo em escala mundial.
Granada foi condenada, assim, pela constante vigilância, a ser um país que deve se contentar com a política de austeridade financiada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, na qual a produção de noz-moscada impõe um papel acentuado de dependência na economia global, mantendo a ilha longe dos horizontes da soberania e de um projeto de independência de classe.