Mar de soja, queimadas e manifestações populares em Santarém

A cidade de Santarém, no Pará, enfrenta uma crise ambiental grave, com queimadas intensas, resultado do desmatamento causado pela expansão do agronegócio, especialmente da soja.

Mar de soja, queimadas e manifestações populares em Santarém
Remanescente, sítio onde o agricultor José Aldenor da Silva Pedroso vive com a família e produz alimentos está encurralado. Reprodução/Foto: Vitor Shimomura/Brasil de Fato.

Por Redação

Santarém, uma das principais cidades do oeste do Pará, vive uma crise ambiental sem precedentes. No dia 25 de novembro, a prefeitura decretou situação de emergência ambiental devido ao avanço das queimadas, que tornaram o Pará líder em focos de incêndio no Brasil, com 23% das ocorrências registradas. A fumaça, densa e persistente, cobriu o céu da cidade por um longo mês, comprometendo a qualidade do ar e deixando Santarém entre as piores cidades do mundo. Por trás dessa calamidade está a expansão desenfreada do agronegócio, que destrói a Amazônia e ameaça a vida das populações tradicionais. A resposta veio nas ruas, com marchas que exigiam o fim da destruição.

Nos últimos anos, Santarém viu o aumento vertiginoso do desmatamento impulsionado pela monocultura da soja. As florestas nativas foram substituídas por um “mar de soja”, com a grilagem de terras e a apropriação ilegal de territórios se tornando práticas recorrentes. O Estado, submisso ao capital agrário, permite a continuidade desse processo ao desmontar órgãos de fiscalização ambiental e regularizar terras griladas. Enquanto multinacionais como a Cargill lucram com a exportação de soja, as comunidades tradicionais pagam o preço: perda de território, contaminação dos rios e do solo e doenças causadas pela poluição.

Com a poluição do ar atingindo níveis alarmantes, a população lotou os postos de saúde, com um total de 6.272 atendimentos relacionados a sintomas respiratórios. Crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas são as principais vítimas desta calamidade. No relato do professor Maike Kumaruara, a situação é clara:

Essa queimada não é do pequeno produtor, essa queimada é do agronegócio, genocida, assassino. Da especulação imobiliária. Da falta de verba, para proteger o nosso povo. [...] A queimada, a fumaça é um projeto consciente, gente, nós temos que entender isso. Não é por acaso. É um projeto consciente. O cara que faz uma queimada dessa, que joga essa poluição toda, ele sabe que isso está fazendo mal para o nosso pulmão”.

Entre os dias 2 e 4 de dezembro, indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares e movimentos sociais tomaram as ruas em uma série de marchas. Com cartazes e gritos de “Santarém quer respirar”, denunciaram o papel central do agronegócio na destruição da Amazônia e cobraram políticas públicas efetivas. As manifestações destacaram o abandono do poder público e a ausência de visibilidade nacional para uma situação que se agrava há meses. Exigem também que seja fortalecido o investimento nos órgãos de fiscalização ambiental além de denunciar o principal fator por trás dos incêndios: o agronegócio.

Enquanto isso, o setor ruralista aponta que a fumaça estaria vindo das áreas de assentamento, discurso esse rebatido pelos próprios manifestantes da marcha, sendo assim, os principais responsáveis seriam empresas estrangeiras como a Cargill.

A Federação dos Trabalhadores, Agricultores e Agricultoras Familiares do Baixo Amazonas, juntamente com os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra, emitiu uma nota de repúdio contra a tentativa de culpar a agricultura familiar pelas queimadas. Eles ressaltam que a agricultura familiar adota práticas sustentáveis, como o aceiro e a diversificação da produção agroextrativista. Enquanto isso, grileiros e fazendeiros são beneficiados com anistias após desmatarem terras públicas por meio de processos de regularização fundiária.

A narrativa que responsabiliza a agricultura familiar desvia a atenção da verdadeira devastação promovida pelo agronegócio, o maior responsável pelas mudanças climáticas no Brasil.

Esse setor mantém o país preso a uma economia primário-exportadora, ao mesmo tempo que 21,6 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar. As políticas públicas que favorecem o agronegócio priorizam o lucro, resultando em impactos ambientais irreversíveis e ameaçando as comunidades tradicionais.

Lideranças indígenas tomam a frente das manifestações, como o povo Munduruku do Planalto de Santareno, no oeste do Pará. O povo Munduruku tem um longo histórico de luta contra a invasão de suas terras, vivendo no meio de fazendas de pecuária e monocultivo de soja e milho enquanto estão aguardando a identificação e delimitação das terras que reivindicam desde 2008, tendo nesse processo seus direitos territoriais violados para dar lugar à expansão da soja.

Segundo a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap/PA), a área do plantio de soja no Pará. Em 2015, a área plantada era de 337.056 hectares, com uma produção de 1.022.677 toneladas de grãos. Em 2020, essa área aumentou para 643.267 hectares, resultando em uma produção de 1.990.794 toneladas. Ou seja, houve um crescimento de 90% na área plantada ao longo de cinco anos.

A região é a terceira mais importante área de produção agrícola do estado, com 235 famílias produtoras que possuem propriedades em média de 300 hectares ao lado de quatro aldeias divididas entre 607 indígenas. Gilson Rego, agente da Comissão Nacional de Terras (CPT) em Santarém afirma que proprietários de fazendas dentro ou próximas, têm o hábito de querer acompanhar reuniões indígenas dentro das aldeias, já ocorrendo relatos de intimidações e ameaças.

Além do desmatamento, há testemunhos de pulverização aérea de agrotóxicos nos monocultivos vizinhos contaminando as nascentes e cultivos tradicionais, consequentemente os próprios moradores passam a sofrer de dores de cabeça e náuseas por conta da contaminação.

Enquanto o Pará se prepara para sediar a COP 30 em 2025, a realidade de Santarém denuncia a hipocrisia ambiental do governo. O Estado é sufocado por fumaça tóxica, seca extrema, falta de água potável e desmatamento galopante, enquanto a única resposta concreta do governo Lula-Alckmin é o Decreto 12.189, que endurece as sanções contra queimadas, mas carece de aplicabilidade real.

As manifestações em Santarém são uma revolta contra o avanço do capital imperialista sobre a Amazônia. A lógica do lucro a qualquer custo, defendida pelo agronegócio, destrói a floresta, expulsa os povos originários de seus territórios e compromete as futuras gerações. Nossa defesa é construir um projeto popular que enfrente as estruturas de dominação e promova a soberania territorial e alimentar, rompendo com o sistema capitalista.

O que está em jogo em Santarém não é apenas uma luta regional. Trata-se de um confronto entre duas visões de mundo: de um lado, o modelo agroexportador que serve ao imperialismo e destrói os territórios que pertencemos; do outro, a resistência das comunidades tradicionais e dos movimentos populares, que defendem a Amazônia como um território de vida e dignidade.