Luta pelo fim da escala 6x1 chega ao Congresso Nacional
O ano que se aproxima será decisivo. Entre os embates no Congresso e a pressão das ruas, os trabalhadores têm diante de si um momento histórico para reconfigurar as bases das relações trabalhistas no Brasil.
Por Redação
Na última quarta-feira (4), o plenário da Câmara dos Deputados foi palco de um debate histórico. Convocada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e com organização da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, a audiência pública reuniu parlamentares, sindicalistas e militantes para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca abolir a escala de trabalho 6x1 e promover a redução da jornada semanal no Brasil. Entre os presentes, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) teve papel ativo com a sua militância.
Gabriel Landi, militante do PCBR, não escondeu a importância do momento. Para ele, o debate representou um marco, ainda que limitado por tensões e embates. “A presença de sindicatos combativos, como o do setor alimentício, trouxe um exemplo vivo de resistência e conquistas. Recentemente, trabalhadores da PepsiCo em Sorocaba e Itaquera conseguiram, após uma greve, assegurar pelo menos um sábado de descanso por mês. Isso foi citado como avanço, mas o desafio é nacionalizar essa conquista”, afirmou.
No entanto, o clima no Congresso não foi de harmonia. Parlamentares da direita, alinhados aos interesses patronais, adotaram uma postura de confronto, promovendo ataques anticomunistas e levantando falácias econômicas para deslegitimar a proposta. A ausência de respostas teóricas bem estruturadas por parte da esquerda foi apontada como um ponto fraco pelo militante. “Precisamos rebater com dados concretos a ideia de que reduzir a jornada gerará inflação ou desemprego. Sem isso, deixamos espaço para que as mentiras sejam propagadas”, pontuou Landi.
A audiência revelou tanto o potencial quanto as limitações do debate parlamentar em avançar pautas que enfrentem os interesses do capital. Ainda assim, figuras como os deputados Glauber Braga (PSOL-RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) brilharam ao defender os trabalhadores e reiterar que a economia deve servir ao povo, e não o contrário.
A luta pelo fim da escala 6x1 é, na verdade, uma continuidade da histórica batalha pela redução da jornada de trabalho. Desde o século XIX, a organização dos trabalhadores ao redor do mundo tem como uma de suas principais bandeiras a conquista de mais tempo livre e condições dignas de trabalho e salário. No Brasil, a escala 6x1, que permite apenas um dia de descanso após seis dias consecutivos de trabalho, é uma prova viva da superexploração da força de trabalho.
O PCBR, em seu XVII Congresso, decidiu tornar essa pauta central. A proposta de um descanso semanal de três dias a cada quatro trabalhados não apenas responde ao cansaço crônico e à alienação causados pelo excesso de trabalho, mas também aponta para uma reorganização radical da sociedade. A redução da jornada para 30 horas semanais e a escala 4x3 são instrumentos táticos para a emancipação. É uma luta que não se limita à economia, mas que questiona quem deve ser o protagonista das decisões que moldam nossas vidas: o trabalhador ou o capital?
O desafio de reduzir a jornada, porém, não é novo. No início do século XX, a luta pela jornada de oito horas diárias enfrentou as mesmas narrativas catastrofistas que hoje são mobilizadas contra o fim da escala 6x1. Chamavam os operários de vagabundos e diziam que a economia iria entrar em colapso. Hoje, essas mentiras são recicladas, mas a essência da resistência é a mesma: quem luta por mais tempo livre, luta pela vida.
Um dos catalisadores mais recentes dessa discussão foi o surgimento do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT). Nascido no TikTok no final de 2023, o VAT popularizou a crítica à escala 6x1 com linguagem acessível e forte apelo emocional. O VAT cumpriu um papel importante na agitação inicial, mas perdeu a oportunidade de se tornar um movimento mais amplo e democrático. O movimento optou por centralizar decisões em um pequeno núcleo, tratando-se como uma marca “apartidária”, o que limitou sua capacidade de ser uma ferramenta coletiva de luta. Ainda assim, não é de se menosprezar sua importância em colocar o tema na agenda pública.
Paralelamente ao VAT, o PCBR se engajou em mobilizações em diversos estados, organizando greves, atos e assembleias. Essa atuação foi essencial para unir trabalhadores de diferentes categorias. A luta não pode depender apenas das redes sociais ou do parlamento. É na base, nos locais de trabalho e nas ruas, que construiremos a força necessária para vencer. A Proposta de Emenda à Constituição apresentada por Erika Hilton não é a única em tramitação sobre o tema, mas tem catalisado grande parte das discussões.
A tramitação da PEC, porém, segue o caminho árduo de todas as emendas constitucionais. Após reunir as assinaturas necessárias, a proposta foi encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde será avaliada quanto à sua admissibilidade. Em seguida, passará por comissões especiais, que poderão alterar seu texto, e será submetida a votação no plenário da Câmara e do Senado. A resistência da burguesia será imensa. Deputados de direita já tentam desviar o debate, propondo que isso seja tratado apenas em negociações coletivas, o que, na prática, deixa os trabalhadores à mercê dos interesses empresariais. O Ministro do Trabalho do Governo Lula-Alckmin, Luiz Marinho, fez a mesma “proposta”, mas recebeu tantas críticas que mudou de posição e passou a apoiar (mais demagogia que realidade) o fim da escala 6x1.
No último dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República, sete capitais brasileiras e diversos outros municípios foram palco de manifestações massivas pelo fim da escala 6x1. Os atos reuniram milhares de trabalhadores, expressando um clamor coletivo por mudanças. Esses protestos marcaram não apenas um momento de pressão popular, mas um ponto de inflexão no debate nacional sobre o direito ao descanso e à redução da jornada de trabalho.
O simbolismo de ocupar as ruas em pleno feriado nacional não pode ser subestimado. A mensagem é clara: não há verdadeira liberdade ou soberania enquanto o trabalhador estiver acorrentado a jornadas exaustivas e a uma lógica que prioriza o lucro em detrimento da vida humana. As mobilizações recentes trouxeram uma energia renovada à luta e indicam a possibilidade de consolidar uma nova etapa do movimento, mais ampla e articulada.
O PCBR acredita que a mobilização popular precisa ser fortalecida de forma contínua, especialmente no início de 2025, quando o Congresso retomará a tramitação da PEC. Um ato nacional está sendo vislumbrado para janeiro. O objetivo será pressionar parlamentares diretamente e atrair atenção midiática para a causa, reforçando que o debate sobre o fim da escala 6x1 não é apenas uma questão econômica, mas um tema de direitos básicos.
Além dos protestos de rua, é preciso mirar os locais de trabalho como espaços estratégicos de resistência. Greves pontuais, como as realizadas no setor alimentício, são exemplos do que pode ser replicado em outras categorias. É preciso mostrar que o descontentamento não está apenas nas redes ou nas passeatas. Ele pulsa nas fábricas, no comércio, nos escritórios e nas linhas de produção. Quando os trabalhadores se organizam e param a máquina, o sistema sente o impacto. Esse é o poder da classe trabalhadora.
Pode ser um bom momento para a formação de uma Frente Única que reúna sindicatos, movimentos populares e partidos de esquerda, com o objetivo de unificar as pautas e coordenar ações em escala nacional. Essa frente teria um papel central na convocação de greves gerais e na organização de campanhas, conscientizando a população sobre os benefícios da redução da jornada de trabalho e desmontando as narrativas contrárias que partem de setores empresariais.
Outro ponto importante para o próximo período é a luta pelo fortalecimento do movimento no campo cultural e simbólico. É essencial construir uma narrativa que reafirme o valor do descanso, do lazer e do tempo livre como componentes fundamentais de uma vida digna. Não é apenas sobre trabalho e economia, mas de um modelo de sociedade. Deve-se pensar um Brasil onde as pessoas tenham tempo para estudar, estar com suas famílias, cuidar de sua saúde e, sobretudo, viver. Isso exige mudar a cultura que glorifica a exaustão como sinônimo de sucesso.
A agenda para 2025 pode incluir ainda um esforço para ampliar o diálogo com categorias ainda pouco organizadas, como os trabalhadores informais e os setores mais precarizados da economia. A integração dessas vozes é vista como crucial para o fortalecimento do movimento, uma vez que essas camadas são as mais atingidas por condições extenuantes de trabalho e frequentemente alijadas do debate público.
O horizonte para a luta contra a escala 6x1 não se limita à aprovação da PEC. Essa vitória é só um passo em direção a transformações ainda maiores. A luta pela escala 4x3 com jornada de trabalho de 30 horas semanais é parte de algo maior: a construção de uma sociedade que valorize a vida acima do lucro; isto é, a luta pelo socialismo-comunismo contra os interesses da burguesia. Esse é o verdadeiro desafio, e ele começa aqui e agora, com cada trabalhador que decide se levantar e dizer basta.
O ano que se aproxima será decisivo. Entre os embates no Congresso e a pressão das ruas, os trabalhadores têm diante de si um momento histórico para reconfigurar as bases das relações trabalhistas no Brasil. O direito ao descanso e a uma vida além do trabalho despontam não apenas como demandas legítimas, mas como uma reivindicação que ecoa o desejo profundo de dignidade e luta contra a exploração capitalista.