'Luta armada e unidade de ação' (Gabriel Xavier)
Esta tribuna procura realizar um debate inicial sobre o campo da esquerda brasileira de 1950 a 1968, quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) perde, efetivamente, sua hegemonia política dentro do movimento operário, com o nascimento de novas organizações.
Por Gabriel Xavier para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
A estratégia política da revolução democrática
Em finais da década de 1950 o PCB estava combalido, com seus delegados expurgados do Congresso Nacional em 1948, o partido adota uma linha presente na Declaração de Agosto de 1950, do camarada Luiz Carlos Prestes, onde afirma-se uma “ditadura feudal-burguesa” [1]. Logo mais, no IV Congresso Nacional em 1954, adota um programa qualificado por uma estratégia da “mais ampla frente-única anti-imperialista e antifeudal.” [2]
Durante a segunda década de 1950, começam a existir as primeiras fissuras internas mais intensas. A primeira é o discurso de Nikita Khrushchov no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em fevereiro de 1956. A segunda, é a evidente contradição do atual programa do PCB e seu apoio ao candidato do Partido Social-Democrático (PSD), Juscelino Kubitscheck, que governou o Brasil por cinco anos (1956-60) e que não tinha muito de anti-imperialista. Seu mandato ficou marcado pelo aprofundamento das relações do capitalismo brasileiro com os grandes trustes internacionais, agentes do imperialismo, ou seja, aprofundou a nossa dependência.
No imediato pós-guerra, os países no centro capitalista na Europa, como Alemanha Ocidental, França e Itália, além de economias como a do Japão e Coreia do Sul, orientavam seus esforços para a reconstrução do seu mercado interno. O grande fluxo de capitais exportados dos Estados Unidos, via programas como o Plano Marshall em 1948, financiou os países destruídos pela guerra.
Como base de comparação, de 1947 a 1955, o Investimento Externo Direto (IED) ao Brasil, registrou apenas US$ 562 milhões [3]. Assim, era comum neste período observar uma certa “escassez de dólares”, sendo a moeda com maior conversibilidade, com a economia mais dominante, tendo a maior força para mobilizar capitais e movimentar as cadeias internacionais de reprodução do valor.
Entretanto, o cenário muda de figura ao longo da segunda metade da década de 1950 ao início de 1971, que desemboca no colapso do sistema de Bretton Woods. Nessa quadra histórica, as economias do centro do sistema capitalista, iniciam um processo de redirecionamento e exportações de capitais.
No Brasil, esse processo se intensifica no governo JK, com a importação de bens de capitais e criação de uma indústria alinhada com os trustes internacionais, um exemplo são as fábricas da Volkswagen no Brasil, abertas em 1953, empresa da Alemanha Ocidental. Dito isso, não significa que antes não havia presença do imperialismo no Brasil, aqui cabe apontar apenas como ocorreu o processo de aprofundamento das relações imperialistas no país durante a industrialização por substituição de importações (mais comumente datada de 1930 a 1980), que marca a etapa de importação de bens de capital em meados de 1950.
Durante cinco anos, de 1956 a 1960, o Brasil angariou US$ 741 milhões em IED [4]. Um volume certamente ainda pequeno, embora maior que o observado no período anterior, os grandes trustes internacionais se estendem por todo o Brasil, com nossa economia na condição de capitalismo dependente. Não obstante que eu tenha minhas reservas com Caio Prado Jr, o seguinte apontamento parece certeiro:
“Entreguismo e inflação em escala sem precedentes, foi isso o essencial do governo Kubitschek, sem contar as negociatas e oportunidades de bons negócios à custa do Estado e da nação, como em particular no caso da construção de Brasília. E foi isso que levou, de um lado, ao total enfeudamento da economia brasileira ao capital imperialista, e doutro, à redobrada exploração do trabalho pelo capital (que é a consequência mais direta e imediata da inflação) e à decorrente concentração e acumulação capitalistas em proporções jamais vistas no Brasil.” [5]
Assim, fica evidente o mais profundo caso de oportunismo nas fileiras do PCB, vejam, como conjugar isso com um programa essencialmente “anti-imperialista”? Nesse sentido, em meados do governo JK, o PCB lança a infame Declaração de Março de 1958, onde o partido aponta que “o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo.” [6] Em qual momento o desenvolvimento do capitalismo é benéfico aes operáries? Cito aqui, uma passagem de Lênin, que realiza crítica semelhante às resoluções da conferência dos mencheviques, realizada em paralelo ao III Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), em 1905:
“Por estas razões, as últimas disposições da resolução que reproduzimos também não são satisfatórias. É uma expressão muito infeliz ou, no mínimo, desastrada de que o governo provisório deveria ‘regular’ a luta das classes opostas: os marxistas não deveriam empregar tal fórmula liberal – osvobdienista, que dá margem a pensar que é possível um governo que sirva não de órgão da luta de classes, mas de seu ‘regulador’... O governo deveria ‘não impulsionar para a frente o desenvolvimento revolucionário, mas também lutar contra os fatores que ameacem as bases da estrutura capitalista’. Esse ‘fator’ é exatamente aquele mesmo proletariado em nome do qual fala a resolução! Em vez de indicar precisamente como o proletariado deve, num dado momento, ‘impulsionar para a frente o desenvolvimento revolucionário’ (impulsioná-lo mais além do que pretenderia levá-lo a burguesia constitucionalista), em vez do conselho de preparar-se de determinada maneira para a luta contra a burguesia quando esta se voltar contra as conquistas da revolução, em vez disso, dá-nos uma descrição geral do processo, que nada diz sobre as tarefas concretas da nossa atuação.” [7]
É nessa conjuntura que começam a operar as primeiras fissuras na couraça hegemônica do PCB entre as esquerdas. Durante o início da década de 1960, temos importantes acontecimentos neste campo político. Primeiro, o V Congresso Nacional do PCB, em 1960, onde é reafirmado a revolução “antifeudal e anti-imperialista.” [8]; a criação autônoma, em 1961, da Organização Revolucionária Marxista – Política Operária, mais conhecida como Polop; A cisão ocorrida em 1962, quando surge o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e, por fim, a fundação da Ação Popular (AP), em meados de 1962.
O quinto congresso é analisado criticamente por várias linhas, destas, alguns apontamentos de Caio Prado Jr. parecem elucidar o problema do etapismo, embora essa problemática seja aprofunda posteriormente por outros autores, como Ruy Mauro Marini. A crítica, realizada em 1966, atinge destacados dirigentes, como Mário Alves, membro do Comitê Central do PCB:
“Em outros documentos e análises referentes ao assunto, todavia, como num trabalho de Mário Alves inserto em Estudos Sociais, nº 13, de junho de 1962, faz-se a distinção entre latifúndios ‘atrasados’, que seriam os de características ‘feudais’, e os ‘latifúndios que empregam os processos capitalistas (sobretudo as plantações de café, açúcar, cacau e parte das fazendas de gado)’. Mário Alves, contudo, não define nem exemplifica o que entende por latifúndio ‘atrasado’, de forma que não ficamos sabendo muito bem do que se trata o caso. Mas, baseados na exemplificação do outro grupo, a que poderíamos acrescentar diferentes setores agrícolas que essencialmente não se distinguem dos citados (como as propriedades algodoeiras, arrozeiras, frutícolas, tritícolas etc.), poderíamos concluir que os latifúndios ‘não atrasados’ e, portanto, ‘não feudais’, na acepção de Mário Alves, compreendem a praticamente a totalidade significativa da agropecuária brasileira, e onde se encontra a grande maioria da população trabalhadora rural.” [9]
Apesar de novas agremiações, a Polop, AP e o PcdoB, contam com linhas políticas divergentes. A primeira, diverge da linha do PCB sobre seus ‘restos feudais’, além de demarcar a necessidade de uma alternativa à transição pacífica promovida na Declaração de Março de 1958. Assim, em seu II Congresso Nacional, a Polop afirma:
“As principais perspectivas revolucionárias se colocam, pois, presentemente, para os países capitalistas retardatários. Nestes a necessidade de reformas capitalistas para a expansão do mercado choca-se, por um lado, com a resistência expressa, no próprio seio das classes dominantes, por aqueles setores ligados à exploração colonial e, por outro, com a existência de movimentos revolucionários capazes de acelerar o processo no caminho da passagem ao socialismo. Daí a importância, hoje, da existência e agressividade dos partidos revolucionários para aproveitar a crise colonial do imperialismo, como alternativa à consolidação pacífica do sistema capitalista.” [10]
A AP, criação autônoma ao PCB, já um sintoma da perda da hegemonia aglutinadora deste partido, exercia forte influência no movimento estudantil, compondo várias presidências da União Nacional dos Estudantes (UNE) no período antes do golpe. Tinha uma linha de inspiração cristã e seus quadros eram advindos da Juventude Universitária Católica (JUC) e Juventude Estudantil Católica (JEC).
O PCdoB, por sua vez, inicialmente acusou o V Congresso do PCB, que teve como um dos objetivos ajudar na legalização da organização, de representar uma renúncia aos princípios marxista-leninistas, da transformação de uma organização revolucionária em uma legenda puramente reformista. Entretanto, sem divergências muito grandes com os ‘restos feudais’ preconizados na linha política do PCB.
“Ainda próximo de Prestes, Marighella concordou com inflexões estatutárias para facilitar mais um pedido de legalização. O nome mudou de Partido Comunista do Brasil, com o qual a Justiça embirrara na cassação do registro, para Partido Comunista Brasileiro, preservando a sigla PCB. Em 1962, Maurício Grabois, João Amazonas, Pedro Pomar e outros camaradas históricos acusaram a maioria do CC de renegar os princípios do socialismo. Rearticularam-se com a designação original, agora com a legenda PCdoB, à qual [Diógenes] Arruda viria a se somar.” [11]
Portanto, o PCB chega ao golpe de 1964 já cindido, com um intenso processo de luta interna. Entretanto, aqui cabe entender também as razões pela qual a luta armada não obteve a unidade de ação, dadas as múltiplas organizações de guerrilha que existiam na década de maior atividade da luta armada.
A guerrilha de 1964 a 1974
Logo após o fato consumado do golpe de Estado, em 1º de Abril de 1964, ocorre um forte movimento de reorganização da esquerda, das quatro organizações citadas até agora, a Polop, PCB e PCdoB, AP, todas sofrem enormes cisões.
Da Polop, no seu IV Congresso em 1967, quase metade dos militantes racham, indo parte para o Comando de Libertação Nacional (Colina) e outra parte consolida a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), junto com os remanescentes brizolistas da Guerrilha do Caparaó, egressos do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR).
Logo após enviar sua primeira leva de militantes para a China, com objetivo de formar quadros político-militares, em 29 de Março de 1964, o PCdoB encontra-se pego de surpresa durante o golpe. Em junho de 1966, é realizada sua VI Conferência Nacional, na qual ocorrem duas cisões, a do PCdoB-Ala Vermelha (PCdoB-AV) e do Partido Comunista Revolucionário (PCR).
No PCB, acusado de pacifismo e omissão por praticamente todo o campo de esquerda durante o golpe, sofre, ainda em 1964, a cisão da Dissidência Universitária do Rio de Janeiro, que dá origem ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), em homenagem ao camarada Guevara, capturado neste dia em 1967. Durante o período de 1964-67, uma encarniçada luta interna ocorre no PCB, momento no qual é realizado o VI Congresso Nacional, em 1967, evento histórico para o movimento comunista brasileiro. Antes, contudo, corre um racha menor em 1966, a Dissidência Universitária de São Paulo, que depois se dissolve em outras organizações de luta armada.
No fim do congresso, após os embates travados nas tribunas de debates, que eram amplamente públicas e circuladas para a leitura de todo o povo, o PCB sofre um racha de praticamente metade do partido, o qual dá origem a duas organizações, a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
“Para a Tribuna de Debates do PCB, que circulou em dezessete edições, de Agosto de 1966 a Maio de 1967, Marighella preparou meros dois artigos, ‘Luta interna e dialética’ e ‘Ecletismo e marxismo’. Contestou as ‘Teses’ aprovadas pelo CC com vistas ao VI Congresso do partido. [...] Em dezesseis edições – a número 1 se perdeu –, a esquerda do PCB emplacou 92 textos, e o Comitê Central e seu entorno, setenta, além de 24 em cima do muro.” [12]
Por fim, depois da morte de Marighella em 1969 e deu sucessor Joaquim Câmara Ferreira em 1970, a fragmentada ALN sofre duas cisões, que deram origem, em 1971, no Movimento de Libertação Popular (Molipo) e a Tendência Leninista (TL), com esta última não chegando a constituir-se enquanto uma organização política.
Em matéria de linha estratégica e tática política, o campo de quem aderiu à guerrilha após 1964 era divido em três principais polêmicas. (i) Se reivindicam a estratégia do PCB, o conceito de “restos feudais” e uma revolução democrática ou democrático-burguesa; (ii) Se identificam na forma-partido, em especial a organização de quadros de vanguarda, como necessária para a guerrilha; (iii) Se adotavam uma tática de focos guerrilheiros ou de guerra popular prolongada.
No primeiro caso, as duas agremiações egressas do PCB após seu VI Congresso, ainda entendiam a luta como de uma revolução democrática, divergiam no caminho pacífico para a revolução. Entretanto, discordavam no segundo ponto, é historicamente famoso de como a ALN se constituiu em uma organização que rejeitava a forma-partido. Em contraste, a VPR e o MR-8 consideravam a revolução socialista como a estratégia adequada.
Sobre a rejeição da forma-partido, além de Marighella, VPR e Colina também entravam nesse aspecto. Nesse sentido, após o primeiro baque da ditadura e subsequente desmoronamento da guerrilha, estas organizações se fundem e criam, em 1968, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).
Em relação as formas da guerrilha, os inspirados pelo maoísmo adotavam a guerra popular prolongada como medida correta de luta, encontram-se aí o PCdoB, AP e Ala Vermelha. Enquanto isso, a vanguarda dos foquistas era liderada pela ALN e VPR.
No geral, as forças de combate efetivas da guerrilha, somando todos aqueles estavam na luta armada, não deve ter passado de dois mil, uma força que não era maior que um regimento de infantaria moderno. Entre as maiores, figurava a ALN com duzentos e cinquenta; o PCdoB, VAR e VPR, duzentos cada; o PCBR, MR-8, Ala Vermelha, Molipo na ordem de cem cada; e dezenas de pequenas organizações, que tinham, em seu conjunto, por volta de 320.
“No início de 1969 pode-se estimar que houvesse oitocentos militantes envolvidos com ações armadas no arco que ia da ALN ao PCBR. Richard Helms, o diretor da CIA, informou ao Senado americano em maio de 1971 que ‘o número de pessoas metidas com terrorismo, em qualquer época, nunca passou de mil’. Na conta do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI de São Paulo, seriam 1650.” [13]
Ao final de 1971, praticamente todas as guerrilhas estavam destroçadas pelos órgãos de repressão da ditadura. O fracasso da luta armada é simbolizado com a morte de Carlos Lamarca, em 17 de setembro de 1971, comandante dos restos sobreviventes da VAR-Palmares, que já era uma unificação dos destroços da VPR e Colina. Morre na Operação Pajuçara, um efetivo com mais de duzentos soldados mobilizados para caçá-lo. [14]
Sobrava apenas o PCdoB e a Guerrilha do Araguaia, descoberta no início de 1972. Suas mínimas forças contavam por volta de oitenta guerrilheiros, enquanto o Exército havia mobilizado uma brigada de infantaria com mais de cinco mil soldados. Com a morte de Maurício Grabois em 25 de dezembro de 1973, a luta desarticulou-se no início de 1974.
A unidade de ação
Egressos do antigo PCB em 1968, a ALN e o PCBR não se uniram em razão de divergências na necessidade da guerrilhar ter, obrigatoriamente, um partido de vanguarda. O entendimento de Marighella sobre a luta armada sofre mudanças categóricas desde o início do seu processo de cisão, após a conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas), em agosto de 1967, até as primeiras atividades da ALN no próximo ano. Na despedida do PCB, Marighella “antecipara em Cuba que não queria outro partido comunista: ‘O importante é não organizar cúpulas [...]. Já temos organizações demais.” [15]
Com um cenário político entre as esquerdas radicalmente transformado, se em 1960, o PCB atingia uma hegemonia quase sufocante no que era “ser de esquerda”, ao final da década, em 1968, temos esta organização profundamente cindida, que sofre cinco rachas de 1962 a 1967, um curto período de seis anos.
Nesse sentido, vale considerar os problemas de estratégia revolucionária. Mesmo separado de sua antiga agremiação, Marighella continuava a defender uma revolução democrática, antifeudal e anti-imperialista, semelhante com o PCBR. Essa linha política, profundamente enraizada no PCB, sendo um dos germes do que depois daria a um dos mais descarados rebaixamentos da organização, como exemplificado na campanha pela legalização da legenda do partido, no seu VIII Congresso, em 1987.
Essa concepção de teoria revolucionária afirmava, categoricamente, a necessidade do desenvolvimento autônomo do capitalismo no Brasil. Entretanto, os defensores dessa linha política falham em considerar o processo global de produção de mercadorias, generalizado mundialmente na fase do capital monopolista e imperialista, a era dos grandes carteis e trustes internacionais. O Brasil, ao se abrir para o capital estrangeiro para a instalação de um parque industrial de bens de capital, representa um aprofundamento dessas relações de dependência. Portanto, nossa economia é resultado deste processo de desenvolvimento da dependência, e não por “falta de desenvolvimento das relações de mercado” em nossa economia em razão de “restos feudais”.
Das organizações que realizam esta crítica teórica, a mais proeminente certamente é a Polop, com divergências na linha estratégica do PCB:
“Até 1964, pelo menos, predominou a visão de ser o Brasil um país de economia capitalista ‘emperrada’ ou limitada pela sobrevivência de ‘restos feudais’ (ou ainda semifeudais), à qual se sobrepunha a dominação imperialista. O nível do desenvolvimento das forças produtivas não seria ainda plenamente capitalista. O caráter da revolução advinha exatamente da necessidade de superar esses obstáculos, em bases democráticas e nacionais.” [16]
Dentre as organizações que aceitavam a forma-partido e eram maoístas, estava o PCdoB, que pode ser considerado, já após o golpe de 1964, como fruto da cisão do movimento comunista internacional. Com o patrocínio da China, acusavam o kruschevismo presente no PCB, discurso comum durante o cisma sino-soviético, deflagrado em 1961. Contudo, isso não foi suficiente para garantir a unidade, na sua VI Conferência, em 1966, o PCdoB sofre duas cisões, a do PCR e Ala Vermelha. O racha do PCR tem o seu documento fundante a Carta de 12 Pontos, escrita por Manoel Lisboa:
“Sobre o segundo tipo de aliança, ou mais precisamente a frente única com a burguesia nacional, autenticamente nacional, submetida também ao imperialismo ianque, a condição básica para sua efetivação é a formação das forças armadas populares através do próprio desenvolvimento da guerra popular.” [17]
Aqui percebe-se as divergências presentes em questão de linha estratégica, uma vez que o PCdoB recusava aliança com a burguesia nacional e via como essencial o trabalho no campo por meio da guerra popular prolongada, aderindo formalmente ao maoísmo na conferência. Aqui, a divergência com a Ala Vermelha ocorre em razão de que os militantes desta defenderam a guerrilha urbana e o foquismo.
No geral, praticamente todas as organizações de guerrilha faziam uma crítica uníssona ao PCB no sentido de sua omissão durante o golpe de 1964. Sendo a maior força entre as esquerdas, a hegemônica, teria responsabilidade na tarefa de resistência ao movimento golpista, o qual o “Partidão” assistiu inerte e pacificamente, tendo sua primeira reunião do Comitê Central apenas em Maio de 1965. O que é de surpreender, sendo que o PCB nesta época era uma organização de muitos militantes profissionais, sustentada no trabalho de milhares de comunistas, presente em praticamente todo o país.
Propostas ao XVII Congresso Nacional do PCB
O exposto acima não é exaustivo, sendo merecedor de um estudo mais aprofundado, principalmente das razões da guerrilha não ter atingido nenhum caráter massivo. Acredito que é essencial a um congresso que reivindica criticamente todo o legado do movimento comunista nacional e internacional, com consta no Artigo 1º da proposta de Estatuto, realizar um balanço sóbrio em relação as experiências guerrilheiras no Brasil, não apenas após 1964, mas também da Coluna Prestes, de 1924 a 1927.
Uma resolução que não realize a negação da luta armada em princípio ou que afirme a necessidade da “transição pacífica” ao socialismo. Que entenda a luta armada como uma insurreição legítima do oprimido contra o opressor. Portanto, deve ser registrado em nossas resoluções este balanço, não há aqui nenhuma proposta explícita de resolução, mas uma introdução a este debate para todes es camaradas!
Referências:
[1] Luiz Carlos Prestes, Nossa Política: Prestes Aponta Aos Brasileiros o Caminho da Libertação, 1950 (link)
[2] Comitê Central do PCB, Programa do Partido Comunista do Brasil, 1954 (link)
[3] Fábio Giambiagi, Economia Brasileira Contemporânea, (1945-2010). (Elsevier, 2011, p. 250)
[4] Fábio Giambiagi, Economia Brasileira Contemporânea, (1945-2010). (Elsevier Editora, 2011, p. 250)
[5] Caio Prado Jr., A Revolução Brasileira. (Companhia das Letras, 2014, p. 26)
[6] Comitê Central do PCB, Declaração Sobre a Política do PCB, 1958. (link)
[7] Vladimir I. Lênin, Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática (Editora Boitempo, 2022, p. 57-8)
[8] PCB, Resolução Política do V Congresso, 1960. (link)
[9] Caio Prado Jr, A Revolução Brasileira (Companhia das Letras, 2014, p. 61)
[10] Polop: Uma trajetória de luta pela organização independente da classe operária no Brasil (Centro de Estudos Victor Meyer, 2009, p. 39)
[11] Mário Magalhães, Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2011, p. 259)
[12] Mário Magalhães, Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2011, p. 334-35)
[13] Élio Gaspari, A Ditadura Envergonhada (Intrínseca, 2014, p. 354)
[14] Élio Gaspari, A Ditadura Escancarada (Intrínseca, 2014, p. 361)
[15] Mário Magalhães, Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2011, p. 361)
[16] Polop: Uma trajetória de luta pela organização independente da classe operária no Brasil (Centro de Estudos Victor Meyer, 2009, p. 281)
[17] Manoel Lisboa, Carta de 12 pontos aos Comunistas Revolucionários, 1966 (link)