'“Já é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa”: sobre a denominação do partido proletário no Brasil' (Jeadi Frazão)

Defendendo que nossa denominação seja Partido Comunista – Reconstrução Revolucionária (PC-RR), que além de ser cientificamente exata, demarca-nos em relação ao PCB após a cisão.

'“Já é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa”: sobre a denominação do partido proletário no Brasil' (Jeadi Frazão)
"Precisamos mostrar, na prática, que somos uma alternativa para o conjunto do povo trabalhador do país. Para isso, acredito que precisamos de uma denominação cientificamente exata e que sirva para esclarecer o proletariado e as massas trabalhadoras sobre o caráter da cisão e o desenvolvimento real do partido neste momento histórico."

Por Jeadi Frazão para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Introdução

Camaradas, fazem alguns meses desde que me dispus a escrever uma Tribuna abordando a relação problemática do PCB (e de seus militantes e ex-militantes) com a história e a memória do partido. Por razões diversas, algumas militantes, outras profissionais, outras pessoais, não consegui escrever algo que me contentasse, visto que o tema é espinhoso e, acredito eu, não podemos ser levianos diante da história centenária do movimento comunista brasileiro (que não começa com o PCB e não se encerrará nele). 

Apesar disso, devo afirmar que tenho acordo com os argumentos dos camaradas Tavinho e Guilherme na Tribuna “Para que servem os 101 anos de história?” e com alguns questionamentos do camarada Gus R. na Tribuna “Pelo acesso a nossa história: pela ampliação do nosso passado”. Neste segundo caso, acredito que alguns pontos merecem ser aprofundados e pretendo abordá-los na discussão que apresentarei sobre a história e a memória do partido. Por ora, recomendo a leitura dessas contribuições ao nosso XVII Congresso Extraordinário.

Aqui, pretendo abordar a questão do nome do partido. Nos últimos tempos, esse debate têm surgido em diversas Tribunas, algumas acompanhadas por sugestões de mudanças estéticas, de identidade visual, símbolos, etc. Posso dizer honestamente que, até o momento, não sei como me posicionar no que se refere à estética, identidade visual e símbolos. Não tenho o acúmulo teórico para contribuir com esse debate e, mais que isso, considero-o secundário, pois até onde sei, o velho PCB não rachou pois haviam alguns militantes insatisfeitos com a sigla e a estética. 

A crise que levou à cisão não foi sobretudo simbólica e estética, mas política e organizativa. Não há problema em debatermos estética, mas não invertamos a ordem das coisas. Como marxistas, precisamos aprender a distinguir o essencial do acessório, como indica Nelson Werneck Sodré.

A cisão aconteceu pois um grupo fracionista, academicista e antileninista queria manter-se nos cargos e estruturas de direção, sufocando o debate entre os comunistas, aplicando um centralismo burocrático e sustentando posições centristas na política internacional e nacional, dentre outros inúmeros problemas e desvios na vida interna. Outros, organizando-se em torno da iniciativa nomeada PCB-RR, agitaram pelas bases a necessidade do XVII Congresso Extraordinário, almejando construir e consolidar um partido proletário revolucionário no Brasil. Esse ponto é o essencial. Todo o resto é acessório e, portanto, secundário, inclusive a estética e o nome do partido. 

Também venho discutindo essa questão com alguns camaradas de todo o país e as posições são diversas. Há quem defenda que devemos disputar o nome Partido Comunista Brasileiro e a sigla PCB, nos âmbitos político e jurídico. Há quem argumente que já somos outra coisa e que devemos largar uma disputa que pode não levar a lugar algum, mas sem sugerir exatamente o que somos e mencionando vagamente que esse é um debate para as etapas congressuais. 

Nas Tribunas, também foi sugerido o abandono do nome PCB, mantendo o “Partido Comunista”, como em Partido Comunista dos Trabalhadores do Brasil (PCTB), numa alusão à dissidência dos camaradas espanhóis, o PCTE. Mais grave que isso, existem aqueles que, no entusiasmo de abandonar a tradição pecebista, sugerem uma alteração total no nome do partido, jogando fora o bebê com a água do banho e largando de vez o “Partido Comunista”, como nos seguintes casos: O Poder Popular; Partido da Revolução Brasileira; Palmares e Partido da Reconstrução Revolucionária. 

Antes, quando éramos PCB, estávamos pouco dedicados à construção do Poder Popular, à Revolução Brasileira, à memória de Palmares e à Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista. Mas... talvez se mudarmos o nosso nome... quem sabe? Pergunto-lhes: quando foi que nos permitimos ser tão formalistas?

Apesar do tom provocativo, meu objetivo não é analisar ou criticar minuciosamente cada uma dessas posições. Agradeço aos camaradas que compartilharam suas contribuições publicamente e àqueles que se dispuseram, em conversas privadas, a debater o assunto comigo. Mesmo considerando este debate secundário, apresentarei a seguir algumas reflexões e uma sugestão, a meu ver cientificamente exata e pertinente para o atual momento histórico, de denominação do partido proletário revolucionário que pretendemos construir no Brasil. 

A denominação do partido proletário de acordo com Marx, Engels e Lênin

Desde 1848, com a publicação do Manifesto Comunista, Marx e Engels defendem para o partido proletário a denominação de Partido Comunista. Contudo, para quem estuda a história do movimento operário e do movimento comunista internacional, é sabido que, entre 1875 e 1917, os marxistas (a ala revolucionária do movimento operário) se reconheciam sob a denominação de “social-democratas”, sendo assim nomeados os partidos operários europeus, tal como o Partido Social-Democrata da Alemanha e o Partido Operário Social-Democrata Russo. 

Os marxistas passaram a ser identificados como social-democratas no ano de 1875, em virtude do Congresso de Gotha, quando aconteceu a unificação entre os partidários de Marx e Engels e os partidários de Ferdinand Lassalle (Gabriel Landi Fazzio, Como fazer? A luta pela organização revolucionária do proletariado em O centralismo democrático de Lênin). 

Desde o início, a denominação social-democrata gerou polêmica no âmbito do movimento operário. Ainda em 1875, na famosa Crítica ao Programa de Gotha, Marx manifesta-se contra a denominação, considerando-a cientificamente inexata. Mais tarde, em 1894, Engels corrobora com a posição já enunciada anteriormente por Marx, defendendo o emprego da denominação Partido Comunista. 

Vejamos como a questão se apresentará no âmbito da social-democracia russa. No ano de 1898, foi realizado em Minsk o Congresso de fundação do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), numa tentativa de unificação dos grupos social-democratas isolados que surgiam na Rússia czarista. Após a realização do Congresso, todos os delegados foram presos, o que impôs empecilhos para a continuidade desta tentativa inicial de unificação. No ano seguinte, escreveria Lênin sobre a questão:

“O movimento operário russo está passando hoje por um período de transição. O começo esplêndido alcançado pelas organizações social-democratas de operários nas áreas ocidentais, São Petersburgo, Moscou, Kiev e outras cidades, foi consumado na fundação do Partido Operário Social-Democrata Russo (primavera de 1898). A social-democracia russa parece ter exaurido suas forças, pelo momento, ao dar esse tremendo passo à frente, e voltou a seu antigo funcionamento isolado de organizações locais. O Partido não parou de existir, somente recuou em si mesmo de forma a acumular forças e unificar todos os social-democratas russos em uma base única. Efetivar essa unificação, para desenvolver uma forma adequada a ela e eliminar de uma vez por todas o isolamento local – essa é a tarefa imediata e mais urgente dos social-democratas russos” (Lênin, Nossa tarefa imediata, 1899)

Neste momento, Lênin argumentava que o Partido não havia deixado de existir, mas “recuado em si mesmo”. De fato, o Partido existia, mas somente no pensamento e na ação de Lênin (ver a seção “A Vida de Lênin” em O Pensamento de Lênin de Henri Lefebvre). Era necessária uma luta encarniçada contra os métodos artesanais de organização, contra o economicismo, o oportunismo, a confusão ideológica na social-democracia e o “funcionamento isolado de organizações locais”. Esta luta, Lênin conduzirá através do Iskra:

 “A primeira edição do Iskra saiu em 11 de dezembro de 1900. Começava então a fazer sentir-se uma grave crise econômica, abalando profundamente a Rússia. Greves, manifestações e movimentos de camponeses multiplicavam-se. O Iskra e os artigos de Lênin começaram a desempenhar um papel importante. Em maio de 1901, no n° 4 do Iskra apareceu o artigo Por onde Começar?, esboço do livro de Lênin Que Fazer?. Lênin retomava, desenvolvia e aprofundava as teses que já tinha apresentado sobre a necessidade de um partido político marxista capaz de dirigir eficazmente os movimentos das massas populares e da classe operária” (Henri Lefevbre, O pensamento de Lênin).

As divergências continuam a se acentuar e uma cisão na social-democracia russa torna-se inevitável. Organiza-se em 1903 o II Congresso do POSDR em Bruxelas e, após a intervenção da polícia, em Londres. Nesse momento, a luta interna é travada em torno de questões organizativas. Os oportunistas, influenciados por Martov, defendiam que se alguém aceitasse o programa e pagasse uma cotização poderia ser considerado membro do partido. Os “iskristas”, dirigidos por Lênin, defendiam que para ser membro era necessário militar em uma organização de partido ou dirigida pelo partido. 

Essa é a questão que separa os iskristas (bolcheviques) dos oportunistas (mencheviques). Lênin e os iskristas conseguem a maioria na direção partidária, com o apoio de Plekhánov que, posteriormente, debanda para o lado dos oportunistas que, na prática, passam a dominar o Iskra, fazendo com que Lênin renunciasse à posição de membro do conselho editorial do Órgão Central. Nesse momento, não só o Órgão Central, mas também o Comitê Central estava dominado pelos mencheviques, apoiados pela II Internacional. 

A crise perdura e chega até o ano de 1905, quando eclode a Revolução na Rússia. Faziam alguns anos desde que o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) enfrentava um duro processo de luta interna e de demarcação das divergências profundas entre os bolcheviques e mencheviques que, sabotando a unidade de ação, abraçavam a defesa da burguesia liberal e, mais tarde, diante da guerra, a defesa da burguesia imperialista russa.

Dois anos após este “ensaio geral” da Revolução, como chamara Lênin o movimento de 1905, é realizado o V Congresso do POSDR, que é quando os bolcheviques ganham a maioria partidária novamente. Nesse momento, “o refluxo do movimento revolucionário na Rússia favorece o processo de gradual evasão menchevique do POSDR. Quando o VI Congresso do POSDR (b) viesse à luz do dia, em 1917, a cisão já seria um fato consumado” (Gabriel Landi Fazzio, Como fazer? A luta pela organização revolucionária do proletariado). 

Durante esse processo gradual de evasão menchevique, a social-democracia internacional se deteriorava e posicionava-se de vez na retaguarda de suas burguesias nacionais. Em 1914, a luta entre as duas tendências fundamentais do movimento operário, o socialismo revolucionário e o socialismo oportunista, torna-se cada vez mais nítida, sobretudo no que se refere à questão da atitude dos partidos social-democratas em relação a guerra imperialista. 

Em meio à I Guerra Mundial, enquanto os bolcheviques defendiam o internacionalismo proletário e a transformação da guerra imperialista em guerra civil revolucionária, os mencheviques e as alas oportunistas dos partidos operários defendiam suas pátrias, suas burguesias nacionais. “A maior parte dos partidos social-democratas europeus oficiais estão defendendo o social-chauvinismo e o oportunismo mais asquerosos e vis”, dissera Lênin em um brilhante artigo de 1916.

Esses partidos, no fim das contas, defendiam a guerra imperialista, não importando a beleza de suas frases. Eram socialistas nas palavras e nacional-chauvinistas na prática. No mesmo ano, em O oportunismo e a falência da II Internacional, Lênin argumenta:

“O oportunismo mais do que amadureceu, passou definitivamente para o campo da burguesia, transformando-se em social-chauvinismo: ele rompeu espiritual e politicamente com a social-democracia. Romperá com ela também organizativamente. Os operários reclamam já uma imprensa "sem censura" e reuniões "não autorizadas", isto é, organizações clandestinas para apoiar o movimento revolucionário das massas. Só uma tal "guerra à guerra" é uma causa social-democrata e não uma frase. E a despeito de todas as dificuldades, das derrotas temporárias, dos erros, dos enganos, das, essa causa levará a humanidade à revolução proletária vitoriosa.” (grifos meus)

Eis como Lênin compreendia, em 1916, a questão da ala oportunista/social-chauvinista do movimento operário à nível internacional: ao defender a guerra e as burguesias nacionais, teriam rompido politicamente e romperiam organizativamente com a social-democracia. No ano seguinte, em 1917, aconteceriam as Revoluções de Fevereiro e de Outubro. Esta última, vitoriosa, põe fim à guerra e estabelece o poder dos sovietes de operários, soldados e camponeses.

Em todo esse período entre 1875 e 1917, o problema da denominação do partido proletário segue “congelado”. Como busquei sintetizar acima, haviam questões mais importantes, fundamentais, essenciais para a garantia da existência e da vitória do proletariado em sua luta contra a burguesia e a reação, dentro e fora da Rússia. 

A questão ressurgirá nos seguintes escritos de Lênin: Teses de Abril (publicadas em abril de 1917); As Tarefas do Proletariado na nossa Revolução: projeto de plataforma do partido proletário (escritas em abril, publicadas em setembro); O Estado e a revolução (publicado em agosto de 1917). 

Não vou me deter de maneira aprofundada nas múltiplas contribuições de cada uma dessas importantes obras. Vejamos como Lênin, em cada uma delas, aborda a problemática da denominação do partido. De antemão, é preciso destacar que Lênin têm uma posição precisa sobre a questão, considerando-a sempre como secundária em relação à outros problemas concretos no rumo da construção da organização revolucionária e da vitória da revolução proletária.

Nas Teses de Abril, Lênin aborda de maneira simples, porém sem perder a complexidade teórica e estratégica, a situação russa após a Revolução de Fevereiro de 1917, dando atenção à guerra, ao insuficiente grau de consciência e organização do proletariado, à necessária mudança no trabalho do partido entre as massas, a posição em relação ao Governo Provisório, a defesa da República dos Sovietes, construída de baixo para cima, o caráter do Estado que surgia, o confisco e nacionalização das terras, a fusão imediata de todos os bancos em um banco nacional único, o controle da produção e da distribuição dos produtos por parte dos sovietes. Por fim, elenca as tarefas do partido (em colchetes, na citação a seguir, notas de Lênin):

“a) Congresso imediato do partido;

b) modificação do programa do partido, principalmente:

1. sobre o imperialismo e a guerra imperialista,

2. sobre a posição perante o Estado e a nossa reivindicação de um ‘Estado-Comuna’ [Isto é, de um Estado cujo protótipo foi dado pela Comuna de Paris]

3. emenda do programa mínimo, já antiquado;

c) mudança de denominação do partido [Em lugar de ‘social-democrata’, cujos chefes oficiais traíram o socialismo no mundo inteiro, passando para o lado da burguesia (os ‘defensistas’ e os vacilantes ‘kautskianos’), devemos denominar-nos Partido Comunista].”

Acompanhemos o pensamento de Lênin. Primeiro, analisa-se a situação econômica, social e política da Rússia. Depois, o nível de consciência e organização do proletariado. Por fim, as tarefas do partido revolucionário. No que se refere ao Congresso, aborda-se em primeiro plano a questão do imperialismo e da guerra imperialista, a reivindicação de um “Estado-comuna”, uma modificação no programa e, por último, a mudança de denominação do partido, que visa responder à uma cisão política e organizativa com a social-democracia (oportunista e social-chauvinista) à nível internacional. Também por isso que Lênin, nas mesmas teses, defende a criação da Internacional Comunista ou III Internacional:

“As teses propõem também mudar o nome do partido; para melhor romper com a social-democracia, oportunista e parlamentar, Lênin julgava que o partido devia buscar seu nome em objetivo final: o comunismo. Por isso a designação: “Partido Comunista”. No mesmo sentido, levando até o fim estas ideias, as teses propunham a fundação de uma III Internacional: a Internacional Comunista” (Henri Lefebvre, O pensamento de Lênin, grifos meus). 

Em As Tarefas do Proletariado na nossa Revolução: projeto de plataforma do partido proletário, Lênin aprofunda todas aquelas questões que haviam sido apenas esboçadas nas Teses de Abril. No título da última seção, questiona: como deve ser o nome do nosso partido para ser cientificamente exato e contribuir politicamente para esclarecer a consciência do proletariado?

Para responder, retoma Marx e Engels, sem deixar de ater-se à situação atual do movimento operário na Rússia e no mundo. São quatro os argumentos de Lênin, eis o primeiro:

“Passo à questão final, ao nome do nosso partido. Devemos chamar-nos Partido Comunista, como se chamavam Marx e Engels. 

Devemos repetir que somos marxistas e que nos baseamos no Manifesto Comunista, deturpado e traído pela social-democracia em dois pontos principais: 

1. Os operários não têm pátria: a ‘defesa da pátria’ na guerra imperialista é uma traição ao socialismo; 

2. A teoria marxista do Estado foi deturpada pela II Internacional.

[...]

Do capitalismo a humanidade só pode passar diretamente ao socialismo, isto é, à propriedade social dos meios de produção e à distribuição dos produtos segundo o trabalho de cada um. O nosso partido vê mais longe: o socialismo deverá inevitavelmente transformar-se de modo gradual em comunismo, em cuja bandeira figura este lema: ‘De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”.

O segundo argumento é simples: a segunda parte da denominação do partido também é cientificamente inexata, visto que “A democracia é uma das formas do Estado. Entretanto, nós, marxistas, somos inimigos de qualquer Estado”. Em seguida repete que os dirigentes da II Internacional adulteraram o marxismo e desenvolve: 

“O marxismo distingue-se do anarquismo por reconhecer a necessidade do Estado para a passagem ao socialismo, mas (e isto é o que o distingue de Kautsky e cia) não de um Estado como a república democrática burguesa parlamentar corrente, mas de um Estado como a Comuna de Paris de 1871, como os Sovietes de deputados operários de 1905 e 1917”.

O terceiro argumento é um desdobramento do segundo. Lênin diz que a revolução criou, de forma embrionária, esse novo Estado, que tornou-se “uma questão prática das massas, e não apenas uma teoria dos chefes”, ideia que desenvolverá em O Estado e a revolução. Quanto ao quarto argumento, Lênin destaca que é preciso levar em conta a situação do socialismo em todo o mundo:

“Ela não é a que existia de 1871 a 1914, quando Marx e Engels conscientemente se resignaram ao termo inexato e oportunista: ‘social-democracia’. Porque então, depois de derrotada a Comuna de Paris, a história tinha colocado na ordem do dia um trabalho lento de organização e educação. Não havia outro. Os anarquistas não só estavam (e estão) totalmente errados teoricamente mas também económica e politicamente. Os anarquistas apreciavam erradamente o momento, não compreendendo a situação internacional: o operário da Inglaterra corrompido pelos lucros imperialistas, a Comuna de Paris esmagada, o movimento nacional-burguês que acabava de triunfar (1871) na Alemanha, a Rússia semifeudal dormindo um sono secular...

[...] 

Marx e Engels tiveram em conta corretamente o momento, compreenderem a situação internacional, compreenderam as tarefas da aproximação lenta do começo da revolução social”.

Desenvolvendo esse pensamento, continua: 

“Compreendamos também nós as tarefas e peculiaridades da nova época. [...] A necessidade objetiva do capitalismo, que ao crescer se converteu em imperialismo, gerou a guerra imperialista. A guerra levou toda a humanidade à beira do abismo, da destruição de toda a cultura, do embrutecimento e da destruição de novos milhões de homens, de inúmeros milhões. Não outra saída senão a revolução do proletariado. E em tal momento, em que esta revolução começa, em que dá os seus primeiros passos, tímidos, inseguros, inconscientes, demasiado confiados na burguesia; em tal momento, a maioria (isto é verdade, isto é um fato) dos chefes ‘sociais-democratas’, dos parlamentares ‘sociais-democratas’, dos jornais ‘sociais-democratas’ – es são precisamente tais órgãos que influenciam as massas -, a maioria deles traiu o socialismo, atraiçoou o socialismo e passou para o lado da ‘sua’ burguesia nacional. As massas estão confundidas, desorientadas e enganadas por estes chefes. E nós iremos encorajar este engano, iremos facilitá-lo, agarrando-nos a este velho e caduco nome, tão podre já como está podre a II Internacional! Não importa que ‘muitos’ operários interpretem honestamente a social-democracia. Já é tempo de aprenderem a distinguir o subjetivo do objetivo. Subjetivamente, estes operários sociais-democratas são chefes fidelíssimos das massas proletárias. [...] As massas habituaram-se, os operários ‘apaixonaram-se’ pelo seu partido social-democrata. Eis o único argumento, mas este é um argumento que põe de lado tanto a ciência marxista como as tarefas de amanhã na revolução, como a situação objetiva do socialismo mundial, como a bancarrota ignominiosa da II Internacional, como o prejuízo que causam ao trabalho prático os bandos de ‘também sociais-democratas’ que rodeiam os proletários. Este é um argumento de rotina, de entorpecimento, de inércia. Mas nós queremos reconstruir o mundo. Queremos pôr fim à guerra imperialista mundial, na qual estão envolvidos centenas de milhões de homens, à qual estão ligados os interesses de centenas e centenas de milhares de milhões de capital e à qual não se poderá pôr fim com uma paz verdadeiramente democrática sem a revolução proletária, a mais grandiosa na história da humanidade. E temos medo de nós mesmos. Agarramo-nos à camisa suja a que estamos ‘habituados’ e à qual já tomamos ‘apego’... Já é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa”.

Peço perdão aos camaradas por mais uma longa citação adiante, que servirá apenas para demonstrar, por fim, como Lênin aborda a questão da denominação do partido em O Estado e a revolução, ao tratar do problema da democracia:

“Engels pronunciou-se sobre esse ponto ao tratar da denominação cientificamente errônea de ‘social-democrata’.

No prefácio de uma coletânea de seus artigos de 1870-1880, que versam, principalmente, sobre temas ‘internacionais’ (Internationales aus dem Volksstaat), prefácio datado de 3 de janeiro de 1894, isto é, um ano e meio antes da sua morte, Engels explica que, em todos esses artigos, emprega a palavra “comunista” e não ‘social-democrata’, sendo esta última denominação a dos proudhonianos na França, e dos lassalianos na Alemanha.

‘Para Marx como para mim’, continua Engels, ‘havia, portanto, absoluta impossibilidade de empregar, para exprimir o nosso ponto de vista próprio, uma expressão tão elástica. Atualmente, o caso é outro, e essa designação de ‘social-democrata’ poderia, em rigor, passar [mag passieren], se bem que continue imprópria (unpassend) para um partido cujo programa econômico não é apenas socialista, mas comunista, para um partido cuja finalidade política é a supressão de toda espécie de Estado, e por conseguinte, de toda democracia. Os partidos políticos verdadeiros [grifado por Engels] nunca têm uma denominação que lhes convenha completamente; o partido se desenvolve e a denominação fica’”.

O dialético Engels, no fim de sua vida, mantém-se fiel à dialética. Marx e eu, diz ele, tínhamos um nome excelente, cientificamente exato, para o nosso partido, mas então não havia um verdadeiro partido, isto é, um partido que unisse as massas proletárias. Agora, no fim do século XIX, possuímos um partido verdadeiro, mas a sua denominação é cientificamente inexata. Não importa; poderá “passar”, contanto que o partido se desenvolva e contanto que a inexatidão científica do seu nome não lhe seja dissimulada e não o impeça de caminhar na boa direção.

Talvez um espirituoso qualquer se pusesse a consolar também a nós, bolcheviques, à maneira de Engels: temos um verdadeiro partido, ele se desenvolve admiravelmente; ‘passa’, também, essa palavra tão absurda e feia que é ‘bolchevique’, que não exprime absolutamente nada, a não ser a circunstância puramente casual de que no Congresso de Bruxelas-Londres de 1903 tivemos a maioria... Talvez agora, quando as perseguições de julho-agosto contra nosso partido pelos republicanos e a democracia pequeno-burguesa ‘revolucionária’ tornaram a palavra ‘bolchevique’ tão honrosa entre todo o povo, quando elas marcaram, além disso, um histórico e imenso passo adiante dado por nosso partido em seu desenvolvimento real, talvez eu mesmo hesitasse em minha proposta de abril de mudar a denominação de nosso partido. Talvez propusesse a meus camaradas um ‘compromisso’: chamarmo-nos Partido Comunista, mas conservar entre parênteses a palavra bolchevique...

No entanto, a questão da denominação do partido é incomparavelmente menos importante que a da atitude do proletariado revolucionário em relação ao Estado.”

Como torna-se evidente a esta altura, para Lênin (seguindo Marx e Engels) a denominação do partido proletário é um tema secundário em relação às tarefas dos marxistas na construção da organização revolucionária, às tarefas do proletariado na revolução socialista e a atitude diante de questões fundamentais como a do Estado e da guerra imperialista. O desenvolvimento real do POSDR(b) e a necessidade de demarcação dos bolcheviques em relação ao oportunismo da II Internacional e da maioria dos partidos sociais-democratas europeus, principalmente após a Revolução de Outubro de 1917, tornava necessária a mudança de denominação, de modo que fosse ao mesmo tempo cientificamente exata e capaz de esclarecer o proletariado acerca da cisão. Nesse momento, como argumentou Lênin e como foi definido pelo VII Congresso de 1918, esse nome era: Partido Comunista Russo (bolchevique).

A denominação do partido proletário revolucionário no Brasil

Camaradas, o PCB têm 101 anos de história, nasceu como Partido Comunista do Brasil e, juridicamente, como Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC), por ter sido fundado sob a influência direta da Revolução de Outubro e da III Internacional, embora nesse momento se soubesse pouco sobre o marxismo-leninismo, os bolcheviques e a Revolução Russa em terras brasileiras.

Ao longo da história, nossa denominação mudou para Partido Comunista Brasileiro (PCB). Passamos uma cisão em 1962, de onde nasceu o PCdoB, que reivindica o verdadeiro herdeiro do PC-SBIC, fundado em 22. Em 1992, em um cenário de dissolução da URSS, do campo socialista e das democracias populares, passamos por uma tentativa de liquidação que resultou na criação do PPS, atual Cidadania. Em meios trotskistas, há quem argumente que o “verdadeiro” PCB foi extinto nesse momento, muito embora o Movimento Nacional em Defesa do PCB tenha garantido, politicamente e juridicamente, a existência do PCB como herdeiro do partido fundado em 1922.

Atualmente, após a cisão, as direções e bases do velho PCB reivindicam este partido como o “verdadeiro PCB”, que seria, por ser verdadeiro, revolucionário. As questões políticas e organizativas que levaram à cisão não são avaliadas à luz do marxismo-leninismo e, portanto, de uma “análise concreta da realidade concreta”. A atual direção descumpre as resoluções do XVI Congresso e encaminha o partido rumo ao pântano centrista, ao oportunismo na política internacional e nacional, ao centralismo burocrático, seletivo e que só serve para conter a insatisfação dos “de baixo”, mantendo os “de cima” em sua posição confortável na direção de um partido que lhes garante certos privilégios, na academia, com as editoras burguesas, nos seus sindicatos... 

Infelizmente, não pudemos, em um Congresso Unitário, sanar as divergências e expulsar os burocratas e oportunistas das fileiras do PCB. A cisão, contudo, é um fato incontornável e não podemos passar os próximos anos numa querela absurda sobre quem são os verdadeiros revolucionários, sobre quem é o verdadeiro PCB. Os partidos verdadeiros se desenvolvem, a denominação fica...

Embora secundária, a questão assume certa importância em nosso XVII Congresso Extraordinário, na medida em que a nossa cisão se dá em um momento de contrarrevolução mundial, de ofensiva da burguesia e da reação, com o aumento do militarismo e das guerras imperialistas, e com a intensificação da exploração e expropriação do proletariado, da juventude e dos povos trabalhadores. Sabemos que, no rumo em que se encontra, o PCB não se tornará, tão cedo, um partido revolucionário, constituindo-se como vanguarda do proletariado brasileiro. Precisamos mostrar, na prática, que somos uma alternativa para o conjunto do povo trabalhador do país. Para isso, acredito que precisamos de uma denominação cientificamente exata e que sirva para esclarecer o proletariado e as massas trabalhadoras sobre o caráter da cisão e o desenvolvimento real do partido neste momento histórico.

Nesse sentido, abandonar a denominação de “Partido Comunista” (PC) é, sem dúvidas, um absurdo completo, que nos faria regredir imensamente. O desenvolvimento do movimento operário e do movimento comunista internacional solucionou essa questão mais de cem anos atrás. Somos comunistas, marxista-leninistas, lutamos pela consolidação da hegemonia proletária, pela Revolução Brasileira e pelo socialismo-comunismo, não podemos ter outra denominação que não seja a de Partido Comunista.

Contudo, não somos o velho PCB, que ficou sob a direção de burocratas e oportunistas encastelados nas universidades, descompromissados com a luta dos trabalhadores e com a Revolução Brasileira. Não queremos comparação com esse partido que, através do atual Comitê Central, promoveu o maior expurgo da própria história para não lidar com as divergências internas, assediou e quebrou propositalmente militantes em todo o país, que posicionou-se em defesa da burguesia russa na guerra contra a Ucrânia e mantém a confortável posição de “independência” em relação ao governo Lula, formula elástica que, na verdade, não significa nada. Com este partido, que trai a própria base pondo-se acima das decisões congressuais, que trai os princípios do marxismo-leninismo e os partidos irmãos que compõem o campo revolucionário do movimento comunista internacional, não queremos ser confundidos.

Estou certo de que a tarefa de escrever a história da cisão ocorrida em 2023 não será fácil, pois foi complexo, contraditório e tortuoso o processo real. Assistimos, passo à passo, de junho em diante, à degeneração pública do PCB, que em uma sucessão de episódios lamentáveis, manchou a história do movimento comunista brasileiro, basta lembrarmos das decisões tomadas as escondidas pelo Secretário Geral e Secretário de Relações Internacionais, o apoio da maioria dos intelectuais e acadêmicos do CC às expulsões sumárias, o desrespeito, as calúnias e mentiras envolvendo camaradas que haviam sido expulsos sem direito à defesa, as posições ambíguas e oportunistas do CC nos documentos internos, o sufocamento do debate nos coletivos e na UJC, principal responsável por garantir a renovação de quadros no partido, as posições públicas revisionistas de inúmeros militantes e dirigentes, o espírito de seita, o chauvinismo partidário acrítico... 

Antes de tudo, pensar em todas essas questões de maneira séria, exige a retomada de uma análise científica sobre toda a história do movimento comunista brasileiro, lastreada na crítica e na autocrítica e, portanto, no marxismo-leninismo. Devemos aprender, de verdade, com essa história, fomentar na militância o exercício da memória e a conexão entre o passado, o presente e o futuro das lutas do povo trabalhador em luta pela libertação de toda forma de exploração e opressão, socializar esse acúmulo com toda a militância, a classe, as massas, através da literatura partidária e todos os meios possíveis de comunicação. Essa tarefa, o PCB, depois de 1992 e principalmente depois de 2023, demonstrou ser incapaz de cumprir. Herdamo-la, tal como herdamos a tradição pecebista, os desvios e todos os outros desafios, que, na prática, superaremos.

Quanto à denominação. Em dezembro, conversando com o camarada Jones Manoel, antes de uma atividade realizada aqui na Universidade Federal de Sergipe (UFS), questionei o que ele pensava sobre a questão do nome do partido, diante do que havia aparecido nas Tribunas. Ele respondeu que podíamos nos chamar: Partido Comunista – Reconstrução Revolucionária (PC-RR), justamente para demarcar a cisão. Em outro momento, perguntei se poderia escrever uma tribuna desenvolvendo a ideia e citando que ele havia sugerido durante uma conversa. Após a autorização do camarada, comecei a pensar como escrever essa tribuna e passei a estudar a questão da denominação do partido em Lênin. 

Depois dessas reflexões e leituras, convenci-me de que a denominação sugerida por Jones para o nosso partido, além de ser cientificamente exata, demarca-nos em relação ao PCB após a cisão, destacando que estamos em processo de Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil, formulação que se encontra em alguns trechos do Caderno de Teses. 

Em nosso Estatuto, contudo, é apresentado no artigo 1° a denominação do partido como Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária (PCB-RR), tal como segue: 

Art. 1º O Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária (PCB-RR) reivindica criticamente todo o legado do movimento comunista nacional e internacional e entende a si mesmo como um partido marxista-leninista, instrumento da luta pela hegemonia do proletariado no rumo da revolução socialista.”

Portanto, defendendo que nossa denominação seja Partido Comunista – Reconstrução Revolucionária (PC-RR), proponho a seguinte alteração: 

Art. 1° O Partido Comunista – Reconstrução Revolucionária (PC-RR) reivindica criticamente todo o legado do movimento comunista brasileiro e internacional e entende a si mesmo como um partido marxista-leninista, instrumento da luta pela hegemonia do proletariado no rumo da revolução socialista no Brasil.”

Saudações, camaradas.