'Hegemonia Proletária ou Servilismo?' (Luis Silva)

Se nos pretendemos, verdadeiramente, a ser um partido revolucionário de vanguarda, devemos retomar o princípio leninista de hegemonia ao pensar nossa estratégia socialista.

'Hegemonia Proletária ou Servilismo?' (Luis Silva)
"A política proletária deve se caracterizar, em primeira instância pela demarcação de campo e diferenciação dentre os PSD e pretensos PC’s, pensando sempre em estabelecer a independência política. E nesse sentido, temos de repensar nossa presença enquanto partido revolucionário, não ficando a reboque dos partidos reformistas nos espaços de militância, não temendo o isolamento político e empenhando trabalho de agitação e propaganda a fim de elevar a consciência política da classe."

Por Luis Silva para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Dado o contexto conjuntural das comprovações legais das intenções golpistas de Bolsonaro e o período de reconstrução do movimento comunista, pretendo propor o debate acerca de como devemos nos posicionar, e nos diferenciar, frente a esses fatos que a realidade nos impõe; mais especificamente, procuro debater qual é a posição comunista frente a ameaça fascista, e como pensar a hegemonia.

Antes de apresentar propriamente minha posição, convém retomar alguns elementos relevantes, que, com efeito, moldaram-na. A questão posta não representa um debate unitário, a questão está imbricada com alguns princípios, táticos e teóricos. O primeiro assinalado será a hegemonia do proletariado, que exige o debate estratégico-tático, e segundamente, assinalo a forma de analisar o fascismo e democracia burguesa. 

Começaremos pela hegemonia do proletariado (mas o leitor verá que o segundo ponto enunciado virá átona ainda neste parágrafo). Esse debate sobre hegemonia, embora se relacione com o tema mor a ser abordado na tribuna, perpassa-o; a hegemonia do proletariado não se resume apenas aos momentos de crise, a luta para a alcançar é permanente no modo de produção capitalista. Nesse sentido, para se conquistar a hegemonia é necessário que se trabalhe, em termos de agitação e propaganda e posicionamento político, para a elevação da consciência política da classe, estabelecendo uma independência política proletária, que, “concretizada”, vai de encontro com a chamada Dualidade de Poderes[1]. Em um contexto de ameaça fascista (algo frequente na ditadura burguesa) não se deve pensar diferente, um comunista que vacile ou repense esses fundamentos leninistas só pode encontrar três razões para tal: (1) o entendimento de que o fascismo é um fenômeno apartado e distinto da ditadura burguesa; (2) a intenção oportunista de revisionar Lênin e arrastar os comunistas para a direita, os pondo a serviço da social-democracia; (3) une as duas primeiras razões em uma única. 

E o terceiro caso foi o de G. Dimitrov, que pressupunha (oportunamente) em sua Frente Popular que fascismo e ditadura burguesa são coisas separadas, para mais facilmente conduzir os comunistas à direita. FMR denuncia[2]:

“Ora, o que Dimitrov ocultou com esta distribuição imparcial de responsabilidades foi o processo de crescimento gradual das forças fascistas no seio da democracia, amamentadas por ela. Ocultou a continuidade e entrelaçamento entre os dois regimes. Misturando a falta de vigilância assacada aos comunistas, com a viragem contrarrevolucionária largos setores democrático-burgueses, transformou numa banal questão de falta de coerência "democrática" o processo profundo luta de classes que levara os democratas a fazer-se fascistas. Traçou na realidade, embora tivesse o cuidado de não o dizer, uma linha de separação absoluta entre democracia burguesa e fascismo, para mais facilmente conduzir os comunistas à opção já programada: alistar os comunistas a serviço do liberalismo.”

A política proletária deve se caracterizar, em primeira instância pela demarcação de campo e diferenciação dentre os PSD e pretensos PC’s, pensando sempre em estabelecer a independência política. E nesse sentido, temos de repensar nossa presença enquanto partido revolucionário, não ficando a reboque dos partidos reformistas nos espaços de militância, não temendo o isolamento político e empenhando trabalho de agitação e propaganda a fim de elevar a consciência política da classe. 

É comum que isto gere questionamentos, alguns dirão: mas isto não implicaria uma autoproclamação egocêntrica e um sectarismo sem sentido? E FMR responde[3]: 

“Aos camaradas que assim raciocinam é preciso mostrar que a nossa política não produziu até hoje nenhuma hegemonia da classe operária, mas, pelo contrário, uma sujeição cada vez maior dos operários à hegemonia reformista e revisionista da pequena burguesia. É preciso reconhecer este saldo negativo, ao fim de sete anos de existência do Partido, e procurar-lhe remédio.”

Se me é permitido, ainda posso complementar que, dadas as premissas que expus, alianças táticas são perfeitamente cabíveis, contanto que não rebaixem o programa comunista e contribuam para a elevação da consciência política da classe. O que é inadmissível é, justamente, o servilismo do proletariado para com a social-democracia, ou melhor dizendo, para com a política burguesa da classe operária. Importante salientar que a esquerda reformista vive de despolitizar a classe trabalhadora, mantendo-a sobre o véu da ideologia, e portanto, luta para que ela não consiga adquirir plena consciência política.

Se nos pretendemos, verdadeiramente, a ser um partido revolucionário de vanguarda, devemos retomar o princípio leninista de hegemonia ao pensar nossa estratégia socialista. É fundamental que nos desvencilhemos do medo mesquinho de isolamento perante a reacionária política reformista, e realmente nos isolar dela e de suas vacilações burguesas, a fim de a arrastar para a esquerda e não mais ser arrastado por ela.

Para finalizar, gostaria de citar uma apreciação do 12° Pleno do CEIC:

"para a social-democracia, a questão do 'mal menor’ põe-se, não como a escolha entre democracia ou fascismo, mas como a escolha entre fascismo ou revolução proletária. A social-democracia escolhe a ditadura fascista como mal menor face à ditadura do proletariado."

Não pretendo me alongar nem esgotar o debate, mas julgo importante que pensemos nossa atuação nos anos que estão por vir, dada a conjuntura de crise na esquerda reformista e presença ainda grande (e crescente) dos setores reacionários da política constitucional. Concatenando também o debate com o ano eleitoral de 2024, numa perspectiva mais imediata.

No mais, agradeço a leitura da tribuna, Camaradas!


Notas:

[1] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/09.htm

[2] ANTI-DIMITROV, FRANCISCO MARTINS RORIGUES, LAVRAPALAVRA, p.29

[3] ANTI-DIMITROV, FRANCISCO MARTINS RORIGUES, LAVRAPALAVRA, p.205