'Guerra entre nós, paz aos senhores!' (Gustavo Rocco)

A crítica real é aquela que promove alguma mudança - tanto por ir à raíz de um problema, quanto ao propor novas soluções -, ao menos, novos erros. Para isso é necessário que haja o processo de autocrítica. Precisamos de coerência.

'Guerra entre nós, paz aos senhores!' (Gustavo Rocco)
"De que vale eu criticar algo se eu faço o mesmo, ou algo parecido? De que vale eu criticar se eu propor para que continuemos fazendo a mesma coisa, esperando resultados diferentes?"

Por Gustavo Rocco para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, gostaria de trazer um debate que acredito que seja de extrema importância em um processo de construção-reconstrução de um partido comunista. Confesso que me perdi (positivamente) com tantas tribunas e assuntos variados (o que considero ótimo, mas, um pouco desorganizado… talvez uma subdivisão das tribunas… quem sabe fóruns de debate no Discord.). Alguns podem falar: “nossa, ele está querendo ser a Soberana”, geralmente de forma jocosa. Para esses, jogo o questionamento: E por que não?

Esse é apenas um exemplo da reflexão que venho propor. Porém, outros casos eu já percebia e me incomodava mesmo antes de decidir me organizar no PCB…

a) Se organizar pra que?

A conscientização não surge como um insight, mas sim, um processo. Um processo tão longo e contínuo, quanto a intensidade da luz solar cega ao sairmos da Caverna de Platão”.

Mas foi durante a pandemia que, para mim, ficou mais intenso. Consumia muitos canais de esquerda radical, como: Rita von Hunty, Chavoso da USP, Gaiofato, Ian Neves, João Carvalho, Sabrina Fernandes e Dimitra Vulcana. Mas, confesso que não foram somente esses. Confesso que perpassei por outros que “nem de esquerda eram” como Henry Bugalho, Karnal e Gabriela Prioli, mas, não sabia; como disse, um processo longo e contínuo.

Em outros momentos da vida, me vi de frente com estudos que (hoje percebo que também “me trouxeram pro comunismo”), porém, foram os “propagandistas e agitadores de Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo  e tantos outros” que me fizeram perceber que, para ser comunista, não bastaria toda uma bagagem teórica, se não houvesse a prática. Mais ainda, se não houvesse a organização coletiva dessa prática. Afinal, ações individuais só funcionam no mundo mágico dos liberais (os mesmos que ousam dizer que nosso horizonte é utópico).

Foi quando, há pouco mais de 1 ano, me juntei ao PCB. Aqui, uma provocação: não foi por nenhuma ação direta desse partido, de seus coletivos ou militantes, talvez, muito pelo contrário. Basta olhar para “minhas referências” que perceberemos que somente o Gaiofato era do PCB ou seja, precisei de outros partidos e organizações para me colocar na teta e na práxis comunista.  Mas sobre isso, retornarei nos próximos títulos.

Mesmo com anos de existência do LGBT comunista, vi certa desorganização e amadorismo (que hoje, pós-racha sei que era estrutural naquele partido), mas, não tinha comparativos diretos. Nunca dantes havia me organizado em qualquer outra organização de bairro, tampouco coletivo partidário. Por essa (e outras razões que não cabem nesta tribuna), demorei algum tempo para expor minhas críticas. Mas uma coisa me incomodava muito: eu continuava me vendo e agindo individualmente. Ora não era respondido nas comissões e GT ́s que participava - portanto, não avançava na atividade, afinal, não tem trabalho individual em um coletivo (ou tem?) - ora, me indicavam para fazer estudos individualmente.

Pane no sistema, alguém me desconfigurou: Enquanto estou fora da organização, me indicam para me organizar coletivamente. Dentro da organização, me indicam para fazer ações individuais. Sim, aquelas mesmas ações individuais tão queridas pelos neoliberais.

E é aqui, que chego na indagação inicial: Se organizar pra que?

b) Desvio pequeno burguês: Narciso, Eco e os mitos egóicos - a beleza mata

Se no primeiro tópico proponho uma (ou mais) reflexão acerca da organização no âmbito interno (seja de uma célula, comissão, partido….) agora vamos “para fora”. Um fora, que, particularmente, considero muito dentro. Em outras palavras, refletirmos sobre nosso “campo revolucionário” (Socialistas, Anarquistas e Comunistas). Para isso, uma reflexão sobre Narciso e Eco.

Narciso acha belo tudo o que é espelho. Um cubo refratário de auto-afirmação. Uma fina camada superficial e estética que esconde um profundo vazio. Um simemismo. Para Eco, também castigada por sua beleza, restou uma fala acrítica, que se perde na mímese de seu locutor (ou seria ditador? aquele que dita). Um amor impossível; duas faces de uma mesma moeda. Uma troca liberal do individualismo. Uma pregação para convertidos. Jamais um processo contínuo de conscientização: autocrítica e crítica.

Não estou defendendo que sejamos acríticos, muito pelo contrário. Sou um dos que defende que devemos fazer críticas sim, mas não de qualquer forma, tampouco, de uma única forma para qualquer momento, situação, pessoa.

A crítica real é aquela que promove alguma mudança - tanto por ir à raíz de um problema, quanto ao propor novas soluções -, ao menos, novos erros. Para isso é necessário que haja o processo de autocrítica. Precisamos de coerência.

De que vale eu criticar algo se eu faço o mesmo, ou algo parecido? De que vale eu criticar se eu propor para que continuemos fazendo a mesma coisa, esperando resultados diferentes?

Para além disso, devem ser pensadas a linguagem e a estética da crítica em relação dialética com os espaços em que são feitas as críticas, portanto, considerando os espectadores e também os outros debatedores. Nesse sentido, defendo que a autocrítica de nosso campo, feita em público, é fratricida - compreendendo então a autofagia sendo mais sobre forma do que, necessariamente, sobre conteúdo -, crucificamos nossos irmãos por quais razões?

A bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade nos foi tomada nos primeiros segundos do Pós-Revolução Francesa. Tempo depois, ressignificou-se como um hino, a “Internacional”. Em nossas fileiras, o momento catártico faz cair lágrimas de saudosismo e esperança. Não duvido que seja “esperança do verbo esperançar” (talvez para os críticos de Paulo Freire), mas, de que vale tudo isso se não conseguimos enxergar os camaradas, através do espelho?

Aqui, reitero a indagação: Se organizar pra que?

C) Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!

Sigo então para a última camada desta reflexão: o proletariado não organizado. Na linguagem do marketing, nosso público-alvo. Ele não pode ser jamais tratado nem como uma massa amorfa, tampouco como “diferentes de nós”. Podem não ser camaradas (ainda), mas de todo, são nossos irmãos. Nossos familiares, amigos e principalmente os desconhecidos.

De volta a crítica sem autocrítica: como queremos organizar uma população - que em sua maioria ainda está imersa na ideologia dominante - se não estamos dispostos a nos aliarmos a camaradas já conscientes? Por isso reafirmo: conscientização é um processo contínuo. 11

Do modo que a estrutura capitalista-liberal foi construída e o é, diariamente, não eram para existir indivíduos conscientes (ou em processo de conscientização). Mas são exatamente de suas contradições que nós nascemos. Nós somos a contradição. Nós somos a contra-hegemonia. Se somos capazes de chamar individuos como Rosa Luxemburgo, Marx e Lenin de camaradas, como não seriamos capazes de vermos nossos contemporâneos como irmãos?

Jamais nos esqueçamos do chamado do liberalismo na frase da Dama de Ferro: “Não existe essa coisa de sociedade. Existem indivíduos, homens e mulheres, e existem as famílias”.

Por isso, é nosso dever como um coletivo consciente e de luta, construir espaços de sociabilidade.Precisamos nos desnudar de nossas armaduras, aliviar o peso e contar com um abraço. É necessário se abrir, vai doer, e nós, como coletivo, temos que construir espaços humanizados onde esse luto se faça verbo, ao passo que o ombro amigo também serve de acalento.

Convivi com muitos revolucionários e alguns deles ainda estão vivos. E todos mostram um verdadeiro amor pelas pessoas. Nossa luta revolucionária na verdade é contra o sistema e suas instituições. As pessoas são frutos temporários de toda a lógica perversa do sistema. Tanto é que para elas esse é o único jeito de viver.

É fundamental manter a calma e a serenidade. Mesmo quando a luta nos exigir rigor e força, temos de manter, ao lado da têmpera e da luta aguerrida, o famoso principio de Guevara: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!”.

Não temos tempo para sermos raivosos - esses são os reacionários -, temos que direcionar nosso ódio. Que o nosso ódio à exploração, seja diametralmente proporcional ao nosso amor pela comunhão.

“DO POVO, PARA O POVO E PELO POVO”. Rumo à soberania popular.


REFERÊNCIAS: