Greve nas Instituições Federais de Ensino: Um primeiro respiro contra a conciliação de classes
A greve, iniciada após a negativa do Governo Federal à proposta de reposição salarial dos professores e técnicos-administrativos, resultou em ganhos parciais, mas insuficientes para cobrir as perdas acumuladas ao longo dos anos.
Nota política do PCBR e da UJC
O fim da greve dos servidores das instituições federais de ensino, iniciada em março, marca um importante capítulo na conjuntura brasileira e nas lutas pela educação pública de qualidade. A greve, iniciada após a negativa do Governo Federal à proposta de reposição salarial dos professores e técnicos-administrativos, resultou em ganhos parciais, mas insuficientes para cobrir as perdas acumuladas ao longo dos anos. Este balanço político busca refletir sobre os desdobramentos da greve, suas conquistas e as limitações impostas pela atual política econômica, notadamente o “Arcabouço Fiscal”, o Novo Teto de Gastos.
Início e escalonamento da Greve
A greve foi deflagrada após o Governo Federal recusar a proposta dos sindicatos de reposição salarial em três parcelas de 10,34% para os anos 2024, 2025 e 2026 na 7ª reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP). Em contraproposta, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) ofereceu 0% de reajuste para 2024 e 4,5% para os anos de 2025 e 2026. Com essa proposta, os trabalhadores receberiam apenas 9,2% de reajuste salarial até 2026, acumulando perdas de mais de 25%.
A adesão ao movimento foi ampla, com mais de 50 universidades federais entrando em greve. As reivindicações incluíam a recuperação das perdas salariais e a reestruturação dos planos de carreira, bem como a recomposição dos orçamentos das universidades e institutos federais e a revogação de portarias e instruções normativas autoritárias oriundas do Governo Bolsonaro.
Primeiras Reações e Postura do Governo
Mesmo com a greve, a reação do governo foi manter a proposta de reajuste zero para 2024, negando a reivindicação de técnicos-administrativos e professores. Em 29 de maio, a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes), federação sindical que representa a minoria das entidades docentes e, historicamente atua como linha auxiliar dos governos petistas no movimento sindical docente, aceitou a proposta do governo, com reajuste zero para 2024. Isso foi suficiente para o governo considerar as negociações encerradas, mesmo que a entidade sequer tivesse representatividade formal por meio de Carta Sindical.
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) até buscou judicializar a questão, uma vez que o Proifes não teria legitimidade legal para firmar tal acordo, mas o governo federal foi ágil em dar a Carta, através do Ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
Conquistas e Limitações
Foi só em maio, depois de muita mobilização, que houve o primeiro anúncio de recomposição orçamentária nas Universidades Federais, de R$347 milhões. Em junho, o governo Lula, em reunião com reitores, anunciou um pacote de investimentos para as instituições federais de ensino, incluindo R$279 milhões. Somados, os valores chegam a R$626 milhões, mas representam apenas cerca de 25% do montante necessário, calculado em R$2,5 bilhões pela ANDIFES, para recuperar o padrão de investimento pré-golpe contra Dilma. A “recomposição” anunciada pelo governo está muito distante dos R$8,5 bilhões necessários para manter o funcionamento estrutural das universidades, além de financiar políticas de permanência e assistência estudantil.
Nesse último “pacote de investimentos”, estava o anúncio de R$5,5 bilhões, através do Novo PAC, para obras nas universidades. Evidente que esses recursos vão possibilitar a conclusão de obras paradas e a realização de reformas nas universidades federais, muitas sob riscos estruturais. Por outro lado, não há garantia que esses recursos chegarão. Limitados pelo Novo Teto de Gastos, os recursos do Novo PAC representam uma alocação de verbas - e não uma ampliação dos valores investidos nos serviços públicos - que podem ser realocados em outras áreas. Na impossibilidade de cumprir com as metas fiscais estabelecidas pelo Ministério da Economia, cortes de gastos podem ser adotados. Não à toa, o governo tem inclusive debatido a proposta de flexibilização dos pisos mínimos exigidos pela Constituição para a alocação de recursos públicos na educação e na saúde.
Ao longo das semanas, os trabalhadores em greve enfrentaram a recusa do governo em negociar e até as tentativas do próprio Lula de deslegitimar os grevistas perante a sociedade. As entidades sindicais, diante desse cenário, recuaram em direção à proposta insuficiente apresentada, mesmo que suas bases não se sentissem contempladas e ainda houvesse disposição de luta. Técnicos-administrativos e professores receberão, no ano que vem, reajuste de 9%, e um acréscimo de 5% e 3,5% em 2026, para cada categoria, respectivamente. Os avanços foram parciais, mas significativos.
O antigrevismo do Governo Lula e o Sindicalismo de Estado
Durante a greve, o governo Lula adotou diversas medidas antigreve, como a negociação privilegiada com a Proifes e declarações agressivas ao movimento grevista e, em especial, às suas lideranças.
No auge do movimento paredista, em resposta à suspensão judicial da assinatura do termo de acordo entre a Proifes e o MGI, o Ministério do Trabalho concede à entidade a carta sindical, que legitima a participação da entidade nas mesas de negociação e legaliza a assinatura de acordos com o governo apesar da sua pífia representatividade na base dos sindicatos docentes. Este gesto significou um ataque à unidade da luta dos docentes infligido pelo governo do “primeiro operário a chegar à Presidência da República”.
Não é de se estranhar que o governo federal tenha agido desta forma, dado que a Proifes, seguindo a sina que cumpre fielmente desde o ciclo de greves de 2012 e 2015, pautou o peleguismo nos espaços de debate e deliberação acerca da greve. Além de serem ágeis em acatar a proposta rebaixada do governo, buscando silenciar as demais entidades (inclusive os sindicatos da própria base), sempre evitaram pautar e criticar a política econômica de Lula, se limitando à questão salarial e da recomposição de carreira. Também se posicionaram contra as ferramentas históricas da classe trabalhadora de luta e mobilização, como a greve e as assembleias, reivindicando “novas formas” de luta. Trata-se de uma reencenação contemporânea do Sindicalismo de Estado, cujo preceito fundamental é a conciliação de classes a despeito dos interesses da categoria.
O modelo de organização sindical federativo, o qual a Proifes se orgulha de adotar como um antagonismo ao suposto “centralismo vertical e autoritário” do ANDES-SN, contudo, não foi suficiente para evitar que a diretoria ignorasse flagrantemente as Assembleias dos sindicatos de base que a compõem para manter a fidelidade com os interesses do arrocho salarial e do projeto privatista neoliberal da educação pública superior brasileira. A horizontalidade que a Proifes preconiza, portanto, nada mais é do que uma palavra de ordem vazia que não se reflete na prática e que, por conseguinte, só serve para sustentar com mentiras o rompimento da unidade da luta sindical.
Para além das posições em discurso, os sindicatos alinhados com a Proifes boicotaram ativamente as mobilizações dos docentes grevistas visando enfraquecer a adesão à greve e torná-la materialmente inviável de ter seguimento, burocratizando assembleias gerais, impondo consultas públicas por formulários virtuais, negando recursos para a realização de atividades de greve, realizando atividades de teor anti-grevista em paralelo às atividades lideradas pelos Comandos de Greve.
Ao mesmo tempo que funciona como meio de sustentação política da atuação dos governos petistas no ensino federal, o discurso ideológico da Proifes é reflexo da sociabilidade neoliberal caracteristicamente atomizada e individualista e a sua prática visa o rompimento da unidade e da combatividade do movimento sindical docente. Esta perspectiva é totalmente incompatível com o fortalecimento e a radicalização da ação dos sindicatos, pois visa reiterar os preceitos da ordem capitalista e os interesses da burguesia representada no Estado Brasileiro. A suposta horizontalidade da organização sindical federalista e das iniciativas de adoção de mecanismos de consulta pública virtual na realidade fortalecem os discursos ideológicos dominantes na sociedade capitalista brasileira por cercear os meios de diálogo, convencimento e deliberação coletiva dos trabalhadores.
Movimento Estudantil diante da greve
Enquanto víamos essas tentativas de desmobilização no movimento sindical, nas bases do movimento estudantil, organizações que compõem o governo (PT, PCdoB e setores da direita do PSOL) também atuaram contra a greve, buscando deslegitimá-la e impedir a organização de uma Greve Estudantil que pudesse apoiar a luta dos servidores, ao mesmo tempo que pautasse os interesses estudantis em âmbito nacional.
São inúmeros os exemplos das práticas anti-grevistas por parte dessas juventudes, como a panfletagem contra a greve pela UJS na Universidade Federal de Sergipe; a ausência de assembleias estudantis na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde o DCE dirigido pelas correntes do PT se recusou a organizar; ou na Universidade Federal da Bahia, onde o DCE (dirigido por UJS, Afronte, Levante Popular da Juventude e Quilombo) não mobilizou pela greve e deslegitimava os comandos de greve da pós-graduação e dos campi de Camaçari e São Lázaro que tiveram que se auto-organizar por essa inação.
Para sustentar tais práticas, as juventudes governistas defendiam que a greve atrasaria a conclusão dos cursos e afetaria o retorno de estudantes do interior. De fundo, havia a compreensão de que uma greve contra o governo federal poderia enfraquecer Lula. Contra tais afirmações, compreendemos que a queda no investimento público é o que impacta na permanência estudantil e nos possíveis atrasos (ou na evasão) dos cursos. O governo só se fragiliza na medida que cumpre uma agenda econômica neoliberal de continuidade dos governos Temer e Bolsonaro e não cumpre com o investimento em educação prometido em campanha, atuando contra os interesses de sua principal base de apoio. A greve, portanto, é - e foi - a ferramenta legítima e necessária para os tímidos avanços em relação ao orçamento das instituições federais de ensino.
Não houve, por parte das entidades nacionais do movimento estudantil e de pós-graduação, nenhuma proposição que visasse unificar e fortalecer a luta da greve, a não ser uma nota de apoio aos servidores, publicada em abril. Sobrou, para as forças políticas que dirigem a UNE e ANPG, atuarem pela desmobilização nas bases.
A despeito da agitação antigrevista e da desmobilização dos setores governistas do Movimento Estudantil, em diversas instituições federais de ensino, a UJC, em convergência com outros setores combativos do movimento estudantil, apoiou efetivamente a luta de docentes e técnicos-administrativos, defendendo a greve estudantil como suporte à greve de servidores e reivindicando pautas como a recomposição orçamentária para garantir o funcionamento das universidades, e a ampliação das políticas de acesso e permanência, como as as cotas trans.
Reflexões e Conclusão
Apesar das conquistas parciais, é evidente que elas só ocorreram devido à mobilização popular e à pressão exercida pelos grevistas. A ausência de uma unidade mais ampla impediu que as conquistas atingissem patamares superiores e pautassem a mudança de políticas econômicas do Governo Federal. A greve também permitiu que o governo Lula-Alckmin, ao adotar políticas neoliberais, tivesse seu caráter de classe desmascarado, o que abriu espaço para uma disputa mais ampla na sociedade e nas universidades sobre o projeto político necessário para a efetivação de um ensino superior que atenda às necessidades da classe trabalhadora. As conquistas locais, como as cotas trans na UFPR e na UNIFESP, mostram a importância da mobilização e da luta contínua.
O movimento estudantil e sindical foi revitalizado em muitos lugares, com a rearticulação de entidades e a fundação de novas organizações. A postura pelega do Proifes levou à insatisfação de muitos sindicalizados, que pautaram a desfiliação de seu sindicato dessa federação, como ocorreu na ADURN e na APUB.
Esta greve, como a primeira articulação nacional contra as políticas neoliberais do governo Lula-Alckmin, é um marco na luta por direitos e abre caminho para futuras mobilizações que possam pressionar por um ensino superior que realmente atenda às necessidades da classe trabalhadora. A luta coletiva, mesmo em face de um governo que se diz progressista, mas que adota políticas neoliberais, é o único caminho para conquistar uma sociedade mais justa, que coloque a prioridade do financiamento público nas demandas da classe trabalhadora e avance na organização do Poder Popular para a construção do socialismo-comunismo.