'Grêmios como a tática de avanço nos bairros' (H.D.F.)
Uma política constante de assistência pode ser muito importante para a comunidade e podemos contar com uma campanha massiva de doações de alimentos em outros espaços que a nossa militância estiver presente, somado às finanças da entidade.
Por H.D.F. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, entre muitas escritas e reescritas e depois de muito pensar, decidi compartilhar aqui uma análise e proposta de como expandir qualitativamente e quantitativamente o nosso trabalho nas escolas e nos bairros. Nesse processo de Reconstrução Revolucionária do movimento comunista brasileiro e internacional, urge que os comunistas se debrucem sobre a realidade das bases e que elaboremos táticas práticas e críticas sobre a realidade que nos atravessa e que observamos. O que mais me assombra durante as noites é como avançar a partir do que temos de concreto nesse momento.
Sei que esse trabalho precisa vir com um aprofundamento da nossa análise da classe trabalhadora brasileira, que não pretendo, e nem conseguiria, realizá-lo aqui. Mas acho que, quando nos deparamos com setores estratégicos da classe trabalhadora, frequentemente, nos questionamos e propomos maneiras de inserção de forma artesanal, com panfletagens, conversas informais e etc. Acho que a construção nos bairros é uma maneira de superar essa questão com ferramentas e instrumentos que nós já possuímos: secundaristas e recrutamentos parados dessa área que podem ter seu foco de atuação com um conteúdo político e tático mais aprofundado para o crescimento e inserção do partido nos territórios.
Acredito que seja um senso comum entre a nossa militância (e para toda a classe trabalhadora) que é nas escolas públicas estaduais ou municipais onde se encontram a parcela da juventude mais precarizada e mais exposta às mazelas do capitalismo dependente no Brasil. A quantidade de famílias que estão em situação de insegurança alimentar, que trabalham em empregos informais, vivem em moradias inapropriadas, dependem exclusivamente do transporte público para acessar a cidade, convivem intimamente com os aparatos repressivos e violentadores do Estado e, consequentemente, também com as práticas do crime organizado se aglutinam nas vida dos adolescentes que frequentam as escolas nos bairros. E, atualmente, falta no cotidiano da maioria desses estudantes um catalisador do ódio e da criatividade política.
Além disso, quando falamos de escolas estaduais e municipais, a comunidade escolar tem como característica algo que pode parecer meio óbvio, mas acho que não nos atentamos a isso o suficiente: o íntimo contato com o espaço físico dos bairros e da cidade, com relações orgânicas entre ês responsáveis pelos estudantes, entre ês alunes e também ês trabalhadores daquele espaço.
A UJC, no seu IX Congresso, define como prioridade de inserção o movimento estudantil secundarista sobre o movimento estudantil universitário, visto que o programa dos comunistas tem a atender aqueles que mais sofrem com a realidade nefasta do capital. A tendência é que os estudantes que estão na universidade correspondam ao que chamamos de classe média – sempre bom relembrar que não é um dado hegemônico das instituições de ensino superior, principalmente quando consideramos as faculdades privadas de massa. Nas resoluções políticas da UJC está o seguinte parágrafo:
“11. As prioridades de inserção no movimento de massas para a UJC no próximo período serão: o movimento secundarista em geral e, vinculado a ele o movimento de estudantes do Ensino Profissional Técnico (EPT); a inserção no movimento de jovens trabalhadores e a inserção nas universidades privadas de massas.” [1]
Quero abrir um pequeno parênteses sobre o EPT, sem me delongar sobre o assunto, para criticar um aspecto dessa resolução que o coloca como prioritário. Realmente, são nas escolas técnicas que muitos trabalhadores precarizados e inseridos em setores estratégicos do mundo do trabalho são formados mas, por muitas vezes, vi nossa atuação sendo focada única e exclusivamente em escolas técnicas federais. Gostaria muito de um levantamento científico do quantitativo de estudantes dessas instituições que realmente permanecem atuando como técnicos e quantos se adentram nas universidades federais ou privadas de elite. Para mim, é perceptível que a parcela das escolas técnicas que formam os trabalhadores que se inserem e permanecem (!!) nesses setores estratégicos são os Centros de Ensino Técnicos Privados, como Cotemig, Escolas de Sistema S, Grau Técnico, entre outros.
Continuando no tópico do movimento secundarista, quero propor uma saída para a nossa política ainda artesanal de inserção nesses espaços, e também superarmos a disputa de algumas entidades regionais como fim em si mesmo, avançarmos na construção popular nos bairros a partir dos grêmios, tendo como grande foco as escolas públicas estaduais. Além disso, articular tais grêmios com os territórios em que se inserem, para movimentar a política e a cultura local levantando as bandeiras do poder popular e dos comunistas.
O que e como fazer
A nossa propaganda nas escolas deve ser clara: a luta pelo MEP se dá, principalmente pelo fortalecimento do movimento popular no bairro, esse será o esforço final das gestões em que nós formos eleitos. Não virá o fim do ensino médio, o aprimoramento das condições de ensino, com uma escola isolada do restante da sua comunidade. O grêmio fortalecerá a cena cultural e lutará para desenvolver, assim, uma rede integrada e popular entre outras escolas e seus grêmios.
Camaradas, precisamos entender que escolas estaduais e municipais praticamente não possuem muros que as separam do restante do espaço que os cercam, nem mesmo entre outras escolas que são próximas. Muites estudantes já se conhecem e já trocam muitas experiências, assim como ês responsáveis pelos menores de idade também são rostos familiares entre si, compartilham a mesma igreja, mesmos locais de socialização. Com isso, podemos pautar e construir nos nossos grêmios dois pontos que vejo como essencial: o fomento à cultura local e uma política financeira de assistência para ês estudantes mais vulneráveis.
No primeiro deles, o grêmio irá propor para seus estudantes, mas agregará aqueles de fora que queiram participar, SLAM’s, Batalhas de Rap, oficinas de teatro, festas juninas entre outras atividades culturais, para toda a comunidade em espaços públicos e de fácil acesso para todos. A partir disso, podemos os aproximar de outras escolas próximas, apresentando o evento do grêmio e convidando mais jovens a se somar na atividade. Fazer os primeiros contatos e planejar recrutar os que se destacarem como agitadores e organizadores, além de, claro, propagandear a foice e o martelo, o marxismo-leninismo e o comunismo.
No segundo ponto, eu acredito que uma política de assistência, nem que seja entrega de cestas básicas para as famílias mais necessitadas da comunidade escolar irão fortalecer o apego emocional das famílias para com a construção popular. Pude observar no meu último ano do ensino médio essa atividade sendo tocada pelo grêmio da escola na qual estudei, que vi que foi muito proveitoso para a comunidade, visto que estavamos no fim do pandemia da COVID-19. Uma política constante de assistência pode ser muito importante para a comunidade e podemos contar com uma campanha massiva de doações de alimentos em outros espaços que a nossa militância estiver presente, somado às finanças da entidade.
Cito aqui um trecho no qual Fred Hampton exemplifica o que pra mim é o poder popular que devemos construir no nosso dia a dia:
“Tivemos a mesma coisa acontecendo na rota 37. Eles vieram para a rota 37, onde fica nosso programa de café da manhã para crianças, e começaram a abordar aquelas mulheres que eram um pouco mais velhas, por volta dos 58 anos – sabem, eu digo mais velhas porque eu sou jovem. [...]. Mas vejam, eles irão abordá-las e fazer lavagem cerebral nelas. E vocês não viram nada até verem uma dessas lindas irmãs, com seus cabelos meio começando a ficar cinzas, e elas não têm muitos dentes, mas estavam estraçalhando esses policiais! Estavam os estraçalhando! Os porcos chegavam nelas e falavam: “Você gosta de comunismo?”.
Os porcos iam até elas e falavam “Você tem medo do comunismo?”. E as irmãs falavam “Não tenho medo, eu nunca ouvi falar nisso”.
“Você gosta de socialismo?”
“Não tenho medo. Nunca ouvi falar disso.”
Os porcos estavam em choque, porque eles gostavam de ver estas pessoas assustadas com essas palavras.
“Você gosta do capitalismo?”
“Sim, bem, é algo com que eu vivo. Eu gosto.”
“Você gosta do programa café da manhã para as crianças, crioula?”
“Sim, eu gosto.”
E os porcos dizem: “oh-oh”. Os porcos dizem: “bom, o programa café da manhã para crianças é um programa socialista. É um programa comunista”.
E a mulher disse: “Bem, vou lhe falar uma coisa, garoto. Eu conheço você desde que você era da altura do joelho de um gafanhoto, preto. E eu não sei se gosto de comunismo e não sei se gosto de socialismo. Mas sei que o programa café da manhã para as crianças alimenta meus filhos, preto. E se você puser suas mãos no programa café da manhã para as crianças, vou sair daqui e chutar sua bunda como um…”
É isso que elas estavam falando. É o que estavam falando e isso é uma coisa linda. E é isso que o programa café da manhã para as crianças é. Muitas pessoas pensam que é caridade, mas o que ele faz? Leva o povo de um estágio para um outro. Qualquer programa que seja revolucionário é um programa que faz avançar. Revolução é mudança. Queridos, se vocês simplesmente continuarem mudando, antes mesmo que percebam – e, de fato, mesmo sem saber o que é socialismo; você não precisa saber o que isso é –, defenderão, participarão e apoiarão o socialismo.” [2]
Sei que não é simples, camaradas, mas acredito muito que, com a devida atenção e planejamento, daremos passos largos nas nossas construções, integraremos diversas escolas, expandiremos nossa atuação nos bairros, propagandearemos o projeto socialista e, com isso, organizaremos a nossa classe. Principalmente com a atuação de um partido centralizado e democrático, poderemos superar muitos problemas iniciais com o apoio dessa ferramenta da classe trabalhadora, com materiais que demorariam muito tempo para se conseguir comprar nessas escolas mais precarizadas, superando barreiras iniciais, por exemplo.
Reforço que os grêmios não serão, e nem podem ser, somente isso. Temos que fazer constantes assembleias, informar sobre manifestações, fazer rodas de conversas, trazer camaradas para palestrar, representar os estudantes perante as diretorias, organizar eventos esportivos, entre outros. O que proponho é que isso não seja um fim em si mesmo, e que nós traremos um diferencial fundamental para os comunistas nesses espaços.
O que precisamos
Aqui, camaradas, vou dizer aspectos gerais que ainda acho insuficiente no aspecto do MES que não tivemos nesse último período orientações ou direcionamentos nesses aspectos, que prejudicam nossa atuação. Vou mais ventilar ideias e suas justificativas para nortear os nossos debates, mas que de maneira alguma estão descoladas da primeira parte desse texto.
O primeiro deles é como lidar com a nossa militância que se encontra em escolas privadas. Temos diversos casos de camaradas perseguidos, ameaçados de expulsão e linchados pelas diretorias e pelo ambiente liberal desses espaços. Precisamos de maiores trocas de experiências do que já temos, pensar como organizar ês estudantes resguardando a integridade física, mental e familiar delus. É preciso uma análise, também, do potencial do movimento estudantil em escolas privadas e o nosso objetivo nesses espaços de maneira mais imediata. Sabemos que a nossa luta é pelo MEP, mas como propagandear isso nesse espaço?
Ademais, no site da UJC encontramos uma cartilha de grêmios que coloca pontos interessantes essenciais como um primeiro “manual” pros nossos camaradas se nortearem no processo de fundação dessas entidades. Acredito que podemos aprofundar alguns aspectos que estão naquela cartilha, melhorar inclusive o modelo de estatuto do grêmio, para que de fato nos utilizemos deste. Podemos alterar o modelo de estatuto para que os grêmios, a partir da sua fundação, impeçam a direita se candidatar. Sugiro que seja feito um estudo de Estatutos de outros grêmios e criemos uma síntese mais qualificada a partir dos interesses políticos da nossa classe, demarcando o grêmio como espaço profundamente popular, principalmente com o Novo Ensino Médio, é preciso resguardar as entidades da extrema direita.
É fundamental que nossos secundaristas não estejam em um núcleo centrado em uma única escola, as trocas precisam acontecer entre os diferentes espaços da cidade, pode ser com outros jovens trabalhadores mas, preferencialmente, com camaradas de outras escolas da região. Isso irá permitir, primeiro, uma formação uniforme dos secundaristas e que, além disso, poderão articular a sua atuação nos grêmios de maneira mais integrada. Mas, de qualquer forma, é preciso que os secundaristas se integrem com espaços para fora das suas escolas.
Já sabemos da prioridade do MES nas nossas fileiras, urge que toda a militância gire esforços para realizar os recrutamentos passivos (que chegam até nós, geralmente via formulário). Sinto estar chovendo no molhado aqui, camaradas, obviamente devemos recrutar a maioria daqueles que querem entrar nas nossas fileiras, mas muitas das vezes nossos secundaristas, por serem poucos e estarem levemente isolados do trabalho político se tornam recrutamentos que não são duradouros e consistentes. É preciso que a totalidade da nossa militância esteja apta a recrutar rapidamente os secundaristas. Entendo que é preciso adaptar uma estrutura organizativa e de recrutamentos para isso, mas fazer isso tem como objetivo formar núcleos mais diversos em quantidade de militantes mais celeremente, visto a dinâmica do movimento estudantil secundarista, para que as trocas e o processo formativo delus não sejam atrapalhados pelas longas filas de espera e os núcleos que não conseguem se organizar para recrutar. Isso conectaria esses camaradas à nossa militância que está além do espaço de atuação delus.
Por último, com esse direcionamento da nossa atuação no MES é fundamental o estudo e formação dos nossos camaradas secundas sobre movimento de massas e sobre poder popular. Textos como os de Amílcar Cabral, Samora Machel e Lênin devem estar mais presentes numa formação direcionada a essa atuação.
Camaradas, eu reforço aqui que essa tribuna está incompleta. Não consegui, com a qualidade que desejo, sentar e pensar em todos as nuances dessa tática, também não teria como/tempo de redigir tal documento sozinha. Quero aqui começar um debate de formulação prática da nossa atuação no MES. Aqui no Estado de Minas Gerais vi nossos trabalhos positivos sendo tocados muito pelo esforço exaustivo de poucos, sem orientação ou direcionamento político feito de maneira mais consequente (inclusive, tal prática levou a consequências desastrosas). Que esse próximo período do movimento comunista brasileiro signifique menos pequena política e que ousemos atuar na prática, com estratégia e tática robustas e mais qualificadas, almejando o estágio de consciência de classe descrita pelo camarada Fred Hampton.
Referências:
[1] Resoluções Políticas da UJC, aprovadas no IXCONUJC.
[2] HAMPTON, Fred - Poder em qualquer lugar onde haja povo <https://jacobin.com.br/2020/08/poder-em-qualquer-lugar-onde-haja-povo/>