Governo Lula-Alckmin mantém desapropriações de terra paralisadas enquanto ruralistas avançam contra Reforma Agrária

O MST realizou ocupações de fazendas e da sede do INCRA em Porto Alegre (RS) para exigir o assentamento de mais de 60 mil famílias acampadas no país. Para o movimento, “a reforma agrária está praticamente parada nesses dois anos”.

Governo Lula-Alckmin mantém desapropriações de terra paralisadas enquanto ruralistas avançam contra Reforma Agrária
Acampamento Oziel Alves, em Canaã dos Carajás. Foto: Comunicação do MST no Pará

Por Redação

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) tem manifestado publicamente insatisfação com a política de assentamento do governo Lula. Dirigentes nacionais têm criticado a demora em assentar as mais de 60 mil famílias acampadas no país, a dificuldade de acessar o Plano Safra, a insuficiência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no mandato atual e exigem, nos bastidores, a demissão do ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário.

“A reforma agrária está absolutamente parada nesses dois anos [de governo]. Já estamos no segundo ano, e em 24 meses avançou muito pouco, quase nada, a reforma agrária. Primeiro, não houve nenhuma desapropriação. Ora, reforma agrária se faz com desapropriação de latifúndio, senão você não interfere na estrutura da propriedade da terra. Não houve nenhuma solução de conflitos agrários que poderiam ter uma solução mais célere”; afirmou João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST.

Há previsão de que o governo Lula assine, até janeiro de 2025, decretos para desapropriar cinco áreas que somam um total de 9,4 mil hectares de terras. São áreas de acampamentos do MST que existem há mais de uma década e devem beneficiar em torno de 800 famílias. Se concretizadas, serão as primeiras desapropriações desde 2016. Para Célia Hadrich, da direção nacional do MST, essa ação do governo “é importante, é um marco simbólico. Porém é simbólico, quantitativamente simbólico, quando a gente olha para um universo de mais de 60 mil famílias”.

Com o objetivo de garantir a aquisição de terras para a criação de novos assentamentos rurais, o governo Lula-Alckmin lançou o Programa Terra da Gente, instituído pelo Decreto 11.995, de 15 de abril de 2024. Tratou-se principalmente de propor novas modalidades de aquisição de terras, que não sejam a desapropriação de propriedade privadas que não cumprem a função social. Isto é, uma forma de esquivar-se do enfrentamento ao agronegócio na questão da terra.

Ainda assim, na avaliação de Stédile, o programa Terra da Gente:

“É uma boa intenção, mas não funciona. Não adianta dizer: “Vamos pegar as terras dos devedores do Banco do Brasil”. Ótimo, nós batemos palmas. Sim, mas e daí? Qual é a fazenda? Da mesma forma, o Ministério da Fazenda teve uma boa intenção e determinou que terras públicas estaduais podem ser trocadas pelas dívidas que os estados têm com o governo federal, e essas terras, então, seriam destinadas à reforma agrária. Muito boa iniciativa, mas não fizeram nenhuma. Então, nós estamos “putos da cara” com a incompetência generalizada do governo federal em resolver problemas. Porque se você não resolver o problema, ele só se agrava.”

Enquanto o governo Lula-Alckmin mantém a paralisia na desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária, os ruralistas promovem uma ofensiva para dificultar ainda mais a criação de novos assentamentos. No último 26 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência o regime de urgência do Projeto de Lei (PL) 4357/2023. O Projeto propõe a exclusão do conceito de “função social da terra” como critério para determinar propriedades rurais que podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária.

O PL 4357/2023, propõe que as propriedades dos ruralistas só podem ser desapropriadas caso não cumpram os índices de rendimento mínimo, que foram estabelecidos há mais de duas décadas e estão muito abaixo da produtividade média atual. Dispensam qualquer cumprimento referente à legislação ambiental e à legislação trabalhista. De modo que o ruralista pode manter uma produtividade medíocre da terra, cometer crimes ambientais que têm impacto para todo a sociedade e empregar trabalhadores em condições análogas à escravidão, sem estar sujeito à desapropriação de suas terras.

Os ruralistas não querem sequer estar sujeitos à desapropriação das terras, que ocorre de forma onerosa. Pois, na desapropriação, o ruralista recebe em dinheiro pelas benfeitorias e em Títulos da Dívida Agrária (TDA) pelo valor da terra nua. Como consta na explicação oficial: “o Incra não toma a terra do fazendeiro”. A exigência de recursos orçamentários e financeiros para a aquisição de terras para fins de Reforma Agrária já é um dos entraves impostos pelo poder político e econômico da bancada ruralista.

No momento, mesmo o governo Lula-Alckmin mantendo paralisada as desapropriações de terras dentro do atual marco legal, já favorável aos grandes proprietários de terra, a bancada ruralista quer ainda mais, inviabilizar totalmente qualquer desapropriação por meio do PL 4357/2023. Estes acontecimentos recentes demonstram, mais uma vez, que não há possibilidade de avançar com Reforma Agrária sem enfrentar o agronegócio. De mãos dadas com os ruralistas, não é possível fazer muito mais do que uma política “simbólica” para trabalhadores sem-terra, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.