Governo Federal planeja ataque aos pisos orçamentários constitucionais de saúde e educação

Após prometer em campanha revogar o Teto de Gastos e o regime de austeridade, o governo Lula-Alckmin recuou e propôs um novo regime de austeridade cuja intenção seria suavizar alguns dos efeitos mais adversos do Teto de Gastos, porém mantendo a lógica de austeridade no seu essencial

Governo Federal planeja ataque aos pisos orçamentários constitucionais de saúde e educação
Reprodução: Mayara Alves

Por Redação

Após a aprovação do arcabouço fiscal, o Ministério da Fazenda do Governo Federal, chefiado por Fernando Haddad, vem planejando a adoção de uma nova regra, fundada na austeridade fiscal, para reduzir os pisos constitucionais da saúde e da educação, previstos na Constituição, que garantem que uma parcela mínima da receita do país seja destinada para estas despesas essenciais.

Os mínimos constitucionais haviam sido suspensos durante a vigência do “Teto de Gastos” aprovado por Michel Temer, o que engendrou gravíssima redução dos orçamentos da saúde e da educação durante esse período, prejudicando especialmente as camadas trabalhadoras, cuja condição de vida depende diretamente do investimento público nesses setores essenciais.

Mínimos orçamentários na Constituição

A luta dos trabalhadores, que conquistou a redemocratização de nosso país após a longa ditadura militar, também impôs nesse processo algumas conquistas mínimas na redação da Constituição Federal.

Dentre elas, estão os pisos constitucionais da Saúde e da Educação, que vinculam as despesas nessas áreas a uma parcela considerável da receita anual. No caso da educação, a União deve destinar no mínimo 18% das receitas tributárias ao setor, enquanto Estados e Municípios devem destinar o montante mínimo de 25%[1]. Já para a Saúde, a União deverá destinar, no mínimo, 15% da Receita Corrente Líquida anual[2].

Porém, com o avanço do neoliberalismo, estes mínimos são constantemente dilapidados e boicotados pelo Governo. Inicialmente, através das privatizações, concessões, terceirizações, que remetem à iniciativa privada parte dos recursos públicos para receber serviços de pior qualidade, garantindo nesse processo grandes lucros dos oligopólios que prestam estes serviços. Em adendo, alguns entes federativos, como São Paulo, também utilizam indevidamente os recursos vinculados para o pagamento de aposentadorias (que deveriam ser pagas com os recursos da seguridade), reduzindo o orçamento total destinado aos setores.

Porém, o principal ataque aos mínimos ocorreu em 2016. O Teto de Gastos, imposto pelo Governo Temer, suspendeu a aplicação dos pisos constitucionais e congelou todo o gasto primário do Estado (despesas com saúde, educação, previdência, salários dos servidores, etc.), deixando apenas livres os gastos financeiros com o pagamento de juros da dívida pública. Todos os estudantes e trabalhadores da educação viram como essa política, reduzindo o grau do  investimento público nos setores, intensificou a precarização da educação pública, em especial a federal, e chegou ao ponto de impedir que diversas universidades federais seguissem funcionando durante todo o ano letivo. Os servidores públicos do setor sem nenhum reajuste salarial durante 7 anos, o que significou perdas salariais de 35%-55%, ainda não reajustadas. Já no âmbito da Saúde, o Teto de Gastos tirou R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2020, segundo o IPEA. Só em 2019, as perdas do SUS somaram mais de R$ 20 bi.

Arcabouço Fiscal é incompatível com os mínimos

Após prometer em campanha revogar o Teto de Gastos e o regime de austeridade, o governo Lula-Alckmin recuou e propôs um novo regime de austeridade cuja intenção seria suavizar alguns dos efeitos mais adversos do Teto de Gastos, porém mantendo a lógica de austeridade no seu essencial, ou seja, impedindo o crescimento da despesa pública para produzir o “superávit primário” que melhor serve para o capital financeiro.

Com a aprovação do Arcabouço Fiscal, o crescimento da despesa pública ficou limitado a, no máximo, 70% do crescimento da receita no ano anterior. Porém, essa nova norma entra em conflito direto com os mínimos constitucionais da Saúde e da Educação.

Isso ocorre porque os mínimos sempre crescem em 100% do crescimento da Receita. De forma simplificada, no atual regime constitucional, se a receita total cresce em 2%, a despesa com a educação e a saúde crescerão, também, 2%. Porém, com o arcabouço fiscal, o limite de crescimento das despesas em 70% do crescimento das receitas sufoca o crescimento obrigatório dessas despesas. Dessa forma, o regime de Austeridade Fiscal entra em contradição direta com os mínimos constitucionais conquistados pelos trabalhadores.

Reprodução: CPERS Sindicato

Ataques do Governo Lula-Alckmin

Com a contradição explícita entre os mínimos orçamentários constitucionais e o arcabouço fiscal, o Governo Lula-Alckmin vem fazendo a opção pela austeridade, planejando como fazer o que mesmo o governo Temer evitou: substituir os “pisos” constitucionais da Saúde e da Educação por uma regra “flexível”, compatível com a austeridade, que eternize as reduções do orçamento para estes setores.

É o que antecipa o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro Nacional, ainda no primeiro semestre de 2023:

"O descasamento entre o indexador do limite de despesa e as receitas que vinculam despesas específicas é prejudicial ao planejamento fiscal e pode afetar a composição do gasto público de maneira indesejada, ao reduzir o espaço fiscal disponível para outras políticas (...) O importante, dentro do contexto fiscal, é que, caso se opte por vincular a despesa à variação da receita, que se busque um indicador de baixa volatilidade e alinhado ao funcionamento do arcabouço fiscal vigente no país.” 

Dessa forma, o governo federal torna explícita sua fidelidade à burguesia, que se beneficia da precarização dos serviços públicos e da redução dos investimentos obrigatórios nos setores essenciais, abrindo ainda mais margem para a extração de lucros e a redução geral dos salários da classe trabalhadora, mesmo às custas de uma queda brusca em suas condições mínimas de vida.

Afinal, nas condições em que estamos, reduzir ainda mais o investimento na educação significa lançar os professores à fome, reduzir ainda mais a qualidade do ensino, sucatear a infraestrutura das escolas e universidades, deixar de pagar os servidores e escancarar o ensino público à entrada do lucro privado, impedindo ainda mais o acesso à educação aos filhos dos trabalhadores.

Reduzir ainda mais o investimento na saúde significa, na prática, boicotar o recém-conquistado piso salarial da enfermagem, congelar os salários dos trabalhadores da saúde, significa aumentar as filas do SUS, precarizar ainda mais o atendimento dos postos de saúde e UBSs, paralisar as pesquisas, significa reduzir o número de hospitais e não construir novos.

Não há dúvidas, portanto, que a “flexibilização” dos mínimos orçamentários da Educação e da Saúde são ataques diretos às condições de vida dos trabalhadores brasileiros, parte da ofensiva burguesa sobre as conquistas constitucionais dos trabalhadores em nome dos lucros do capital e da financeirização da economia.

As lutas dos trabalhadores

Os sindicatos e organizações dos trabalhadores, por diversos meios, realizaram uma ampla luta de denúncia contra o Teto de Gastos e a política de austeridade, bem como denunciaram a continuidade de sua política através do Arcabouço Fiscal.

Porém, essa luta ainda é demasiado insuficiente, tanto pela fragmentação e desorganização da classe trabalhadora no longo período de retrocesso das lutas, como também pela falência e traição das direções da burocracia sindical, que rifam seu apoio ao atual governo burguês de Lula-Alckmin, e se abstém de uma luta decidida contra os retrocessos que este Governo impõe a mando da burguesia.

Alguns exemplos de luta, porém, conseguiram fugir dessa lógica e angariar conquistas para os trabalhadores de suas categorias mesmo em difíceis conjunturas. É o caso, especialmente, dos trabalhadores da Enfermagem, que mesmo sob sabotagem do governo, do Congresso e do judiciário, conquistaram seu Piso Salarial.

Nesse momento, também vemos a importante mobilização dos Servidores Técnico-Administrativos da Educação Federal, os quais iniciaram campanha por reajuste em diversas instituições de ensino por todo o país. Essa campanha avançará quanto mais conscientemente os servidores se opuserem à política de austeridade do governo Lula-Alckmin, lutando para conquistar o necessário reajuste para combater os efeitos dos 7 anos de congelamento e estabelecer bases para um necessário aumento para a categoria, o qual entrará em contradição direta com a política de austeridade fiscal.

Nesse contexto, cada luta dos trabalhadores da saúde e da educação, unidas às lutas dos estudantes e dos usuários do SUS, é fundamental para questionar a lógica neoliberal da austeridade, mobilizar os trabalhadores contra a política de austeridade da burguesia e do governo, e garantir mais investimento nestas áreas e o fim das privatizações e concessões.


[1] “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”

[2]  “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...)

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: 

I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento). (...)”