Governo federal não combate as queimadas praticadas pelo agronegócio

A área queimada no Brasil foi de 22,38 milhões de hectares entre janeiro e setembro de 2024. É como se quase todo o estado de São Paulo tivesse pegado fogo em um único ano.

Governo federal não combate as queimadas praticadas pelo agronegócio
Foto: Barbara Banega/Divulgação/IHP.

Por Redação

A área queimada no Brasil foi de 22,38 milhões de hectares entre janeiro e setembro de 2024. É como se quase todo o estado de São Paulo tivesse pegado fogo em um único ano. Apesar da abrangência do impacto sobre a sociedade e a natureza, o governo federal não enfrentou o principal responsável por colocar o território nacional sob fogo e fumaça: o agronegócio.

Para não esquecer: o agronegócio é o principal responsável pelas queimadas

É fundamental enfatizar a responsabilidade do agronegócio pelas queimadas que afetaram o Brasil em 2024. A área queimada está concentrada na região de expansão da fronteira agropecuária na Amazônia e no Cerrado. Diversos dados comprovam esta afirmação. Por exemplo, mais da metade (56%) de toda a extensão afetada pelo fogo no ano está concentrada em apenas três estados: Mato Grosso, Pará e Tocantins. Os três são zonas de expansão do agronegócio.

Outro exemplo, São Félix do Xingu e Altamira, dois municípios localizados na região sul do Pará, possuem mais ocorrências de focos de incêndio do que todo o estado de São Paulo, cuja situação de queimadas em cana-de-açúcar foi utilizada para justificar as iniciativas de “bolsa queimada” pelos governos do estado de São Paulo e pelo governo federal, premiando grandes proprietários de terras que não combateram incêndios ou mesmo que foram responsáveis por atear fogo.

Ainda mais um exemplo: a Amazônia concentra mais da metade da área queimada no Brasil e somente 20 municípios concentram 85% dos focos de calor, no período de janeiro a setembro de 2024, neste bioma. Estas cidades estão localizadas majoritariamente na zona de expansão da fronteira agropecuária, possuem grande extensão territorial e estão próximas a rodovias. Como pode ser observado pelo mapa elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Mapa: 20 municípios concentram 85% dos focos de calor na Amazônia de janeiro a setembro de 2024. Elaboração: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Para não deixar de citar o Cerrado, segundo bioma mais afetado pelas queimadas. A categoria fundiária em que mais ocorreu queimadas foram os imóveis privados, com 3,9 milhões de hectares (46,2% do total queimado no bioma). Principalmente, grandes propriedades privadas nas quais foram queimados 2,3 milhões de hectares. Isto é, um em cada quatro hectares queimados no cerrado foi em grandes propriedades privadas de terra.

Por fim, no que diz respeito ao uso do solo, considerando todo o território nacional, três em cada quatro hectares queimados (73%) foram de vegetação nativa. Nestas áreas, o que predomina é o uso do fogo para transformar vegetações naturais em lavouras e pastagens, justamente para expandir a área de agropecuária. Nas áreas que são atualmente de uso agropecuário, as pastagens plantadas são as que mais queimaram, com 4,6 milhões de hectares. Neste caso, o uso do fogo é uma prática barata economicamente para o manejo da pastagem, mas com elevado custo ambiental principalmente nas condições climáticas favoráveis ao alastramento do fogo.

Todas essas informações contribuem para evidenciar que o agronegócio é o principal responsável direto pelas queimadas e pela fumaça tóxica que dominaram o território nacional em 2024. Os variados casos de incêndio provocados pelo uso acidental ou criminoso do fogo em diversas regiões do país não podem ocultar essa questão fundamental.

Mesmo as condições climáticas que favoreceram o alastramento do fogo (altas temperaturas, baixa umidade do ar e ventos fortes) estão relacionadas ao agronegócio, pois a mudança do uso do solo e as práticas agropecuárias são responsáveis por mais de 70% das emissões brutas de gases de efeito estufa no Brasil, colocando o país na sexta posição entre os maiores poluidores. Além disso, a substituição de vegetação natural por lavouras de monoculturas e pastagens contribuem para a mudança no regime hídrico, aumentando o período seco na Amazônia e no Cerrado.

Ações do governo no combate às queimadas são tímidas e agronegócio sai ileso

O boletim do MMA de 15 de outubro apontou que o governo federal manteve 3.732 profissionais em campo para o combate ao fogo: 2.410 do Ibama e ICMBio, 809 das Forças Armadas, 425 da Força Nacional de Segurança Pública e 88 da Funai. A maior parte dos profissionais são brigadistas e, segundo o presidente do Ibama, 70% dos brigadistas são quilombolas e 20% indígenas. Eles possuem contratos temporários, de até seis meses, sem prorrogação, recebem um salário-mínimo e 20% de adicional de insalubridade. Sob a previsão de aumento da frequência de extremos climáticos, uma primeira questão já colocada é a melhoria das condições de contrato e salário destes profissionais.

Indígenas guatós formaram nova brigada contra fogo no pantanal. Foto: Barbara Banega/Divulgação/IHP.

Ainda de acordo com o boletim do MMA, até o dia 13 de outubro: a Polícia Federal instaurou 33 inquéritos, Ibama e ICMBio realizaram 175 ações de fiscalização, emitiram 7.584 notificações e 91 autos de infração, aplicaram R$ 458,4 milhões em multas e 51 termos de embargo referente a áreas que somam 29,5 mil hectares. Apesar dos esforços realizados principalmente pelos órgãos ambientais na responsabilização pelas queimadas, é notável que o impacto é extremamente limitado. Em parte devido ao próprio sucateamento de tais órgãos, efetivado principalmente pelo governo Bolsonaro, mas que não foi revertido pelo governo Lula-Alckmin até o momento. O Ibama possui hoje 100 mil processos em aberto, aguardando análise e julgamento, ações que são realizadas por apenas 170 funcionários.

Nenhuma das propostas circuladas no governo federal com o objetivo de enfrentar diretamente o agronegócio responsável pelas queimadas foi adiante. No âmbito do MMA, duas medidas foram levantadas. A primeira divulgada pela própria ministra Marina Silva foi o confisco das terras cujos proprietários foram responsáveis por queimadas e incêndios. É simples: se o proprietário de terras for responsável por colocar fogo, perderá o direito à propriedade da terra sem nenhum direito à indenização. Logo em seguida, tal proposta foi negada pela própria ministra.

A segunda medida reconhece que as queimadas são utilizadas para a grilagem de terras públicas, portanto, admite que a expansão da propriedade privada do agronegócio ocorre de forma ilegal e posteriormente é legitimada pelo próprio Estado. A proposta já foi descartada como Medida Provisória e, agora, parece ser descartada também como decreto presidencial. A proposta prevê que as terras públicas alvo de queimadas e incêndios não poderão ser objeto de regularização fundiária (isto é, passar de terra pública à propriedade privada) pelo prazo de dez anos, período no qual serão bloqueadas para a regeneração florestal. Ao abrir mão de tal medida, o governo federal aceita e apoia, mais uma vez, a expansão do agronegócio fundada no desmatamento e nas queimadas.