Funcionárias terceirizadas da USP paralisam atividades por falta de pagamento
A ação foi motivada pelo não pagamento do Vale Refeição (VR), Vale Alimentação (VA) de dezembro e do 13º salário. Cerca de 90 trabalhadoras que reivindicavam o pagamento de seus direitos se mobilizaram em torno da pauta.
Por Redação
Funcionárias terceirizadas da empresa Higienix, responsável pela limpeza do Hospital Universitário (HU) e do Hospital Veterinário (HoVet) da USP, paralisaram suas atividades nos dias 11 e 12 de dezembro. A paralisação foi motivada pelo não pagamento do Vale Refeição (VR), Vale Alimentação (VA) de dezembro e do 13º salário.
Cerca de 90 trabalhadoras que reivindicavam o pagamento de seus direitos se mobilizaram em torno da pauta. Essas trabalhadoras já enfrentam condições precárias de trabalho, recebendo apenas um salário mínimo e sofrendo com constantes mudanças de local de trabalho, que impedem a estabilidade do emprego e também a criação de vínculos com as demais trabalhadoras e sua capacidade de organização, problemas esses que historicamente assolam a categoria dos terceirizados. Algumas trabalhadoras alegaram a nós, inclusive, que receberam ameaças por parte da empresa de que seriam mudadas de setor caso a paralisação continuasse. A empresa tentou dividir o movimento pagando algumas dívidas a algumas funcionárias, mas a paralisação continuou.
A USP assumiu a negociação e prometeu quitar a dívida da Higienix com as funcionárias, com uma proposta inicial de pagamento de uma “média” dos valores devidos a todas as funcionárias sem pagamento, o oposto das funcionárias receberem exatamente o que lhes é individualmente devido. Essa proposta, vista como “sem pé nem cabeça”, foi rejeitada pelas trabalhadoras, e a USP prometeu, então, pagar exatamente o que é devido. A universidade não apresentou prazo de pagamento, alegando entraves burocráticos como necessidade de abertura de ofício para obtenção da folha de pagamento, como motivação. As funcionárias demonstraram descrença com o oferecido.
Dois sindicatos acompanham a mobilização: o Siemaco, sindicato a que as trabalhadoras se subscrevem, responsável pelo setor de serviços de asseio e conservação e limpeza urbana, associado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), e o SinTUSP, o sindicato dos trabalhadores da universidade, associado à CSP-Conlutas. O Siemaco tem colaborado com a universidade pelo fim acelerado da paralisação, enquanto acusa o SinTUSP, que orienta as funcionárias a manterem a paralisação, de “só estarem ali para causar”.
Após uma reunião controversa, na qual o SinTUSP foi impedido de participar, em que estavam presentes a superintendência do HU e da USP, todas as funcionárias disponíveis, o diretor da empresa, e dois representantes da Siemaco, as funcionárias aceitaram um “voto de confiança” pouco esclarecido de que a universidade pagaria todo o devido.
Após essa reunião, a maior parte das funcionárias ainda se reuniu do lado de fora do prédio, descontentes com a forma com que isso aconteceu, enquanto a reunião com a superintendência continuou acontecendo a portas fechadas e com um número restrito de participantes. As funcionárias alegaram se sentirem pressionadas a aceitar um acordo que não havia sido totalmente compreendido. Essas funcionárias, portanto, decidiram realizar uma votação fora do prédio, em um ambiente menos agressivo, para deliberar a continuação da paralisação.
Saindo da reunião com a superintendência, o Siemaco barrou a tentativa democrática de deliberação das funcionárias, alegando que elas já haviam acordado com o “voto de confiança” e assediando-as a voltarem a trabalhar, acusando o SinTUSP de ter instaurado uma desconfiança. Descontentes, as funcionárias retornaram ao trabalho, com a promessa de que a USP efetuaria o pagamento até sábado (14/12), e caso o pagamento não fosse realizado em sua totalidade, as funcionárias prometeram retomar a paralisação com mais força na segunda-feira (16/12).
Essa negociação, que suspende a paralisação mediante um condicional de pagamento, funciona como um entrave à mobilização das trabalhadoras, agora que não terão capacidade de continuarem organizadas em horário de trabalho nem de pressionar pela concretização do pagamento. Isso se mostra na prática, pois, desde então, uma parte das funcionárias recebeu seus direitos, o que acarretou na descontinuação da mobilização, mesmo que alguma parte ainda não tenha recebido. A multa pelo atraso do pagamento, também reivindicada pelas trabalhadoras, veio em forma de pagamento de cinquenta reais, que algumas funcionárias denunciam ser insuficiente para cobrir o gasto com transporte no período em que não foram remuneradas; uma funcionária, moradora de Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo, alega não ter sequer recebido o abono do transporte. Ainda, na quarta-feira (18/12), as funcionárias descobriram que há 3 meses a empresa não deposita regularmente o valor do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Algumas funcionárias relataram para nós que a distribuição setorial do trabalho da Higienix não é aleatória, e que as funcionárias em espaços com maior infraestrutura, como o interior do HU, não aderiram à paralisação. Ainda, a maior parte das trabalhadoras do HU seguem jornadas 12x36, com 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, o que diminui sua capacidade de mobilização, e outra parte trabalha sob a jornada 6x1, tópico de forte mobilização no país nos últimos meses.
As funcionárias compreendem que seu trabalho no hospital é essencial, visto que procedimentos hospitalares exigem uma minuciosa limpeza do local, e lamentam que seja necessária a paralisação para obtenção de direitos básicos, visto que vêem que a seu trabalho não é dada a importância e remuneração devidas. Também observam que a quantidade de homens nos postos de higiene é irrisória, enquanto a proporção de pessoas racializadas é muito alta, demonstrando um claro recorte social na categoria.
Essa greve explicita problemas profundos das relações trabalhistas no Brasil, mostrando como a terceirização é utilizada como arma da burguesia para flexibilizar os direitos trabalhistas e reduzir o poder de negociação dos trabalhadores. Também fica claro o caráter limitado da atuação sindical no Brasil, que, através da ideologia oportunista do “sindicalismo de resultado”, prefere terminar uma mobilização do que escutar as trabalhadoras e garantir seus direitos. Também fica expresso o caráter burguês da universidade pública, que prefere abaixar a cabeça a uma empresa privada do que defender o interesse público.
O resultado da paralisação é agridoce. Por um lado, demonstra como a mobilização foi capaz de garantir os direitos das trabalhadoras antes do natal e como a categoria terceirizada é sim capaz de se organizar e fazer reivindicações. Por outro lado, demonstra como a desmobilização precoce do movimento grevista, sem que ele seja mantido até alcançar seus resultados, o impede de lutar pela completude de seus objetivos; e como a burguesia sabe bem instrumentalizar as divergências na classe trabalhadora para defender seus interesses.