'Fora Esquerdistas! Ao menos leram texto algum?' (A. K. Fer)

[...] o Estado têm plena capacidade de consolidar e fazer proveito das vantagens do Capitalismo de Estado, isto é, o desenvolvimento das forças produtivas, mas oprimindo a burguesia de forma que esse regime não se converta somente em acumulação do capital e exploração dos trabalhadores.

'Fora Esquerdistas! Ao menos leram texto algum?' (A. K. Fer)
"Veja camaradas, quem está dizendo que o Capitalismo de Estado era, naquele contexto, um passo em direção ao socialismo não sou eu, é Lenin. Se o camarada discorda, deve fazer uma crítica ao raciocínio do próprio Lenin, e não a uma suposta falsificação minha."

Por A. K. Fer para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Toda a questão, seja qual for, deve ser tratada de modo analítico, havendo que evitar de rejeitar tudo em bloco.” - Mao Zedong

Autocrítica à minha tribuna anterior

Camaradas, dadas as repercussões da minha última tribuna e o ponto apresentado por camarada Felix em sua última tribuna, entendo que cabe uma autocrítica em relação ao meu texto.

Primeiramente, cabe abordar o porquê optei pela polêmica pública para desenvolver o debate sobre a China. Como sabemos, o tema da China não é tratado com unanimidade entre os comunistas. E frequentemente aparecem rotulações à China como um país capitalista, seja em nossos círculos entre a base ou mesmo nas tribunas de debates.

Ao observar uma série de tribunas abordando esse tema, inevitavelmente acabei me interessando. Porém, os argumentos apresentados na análise que resulta em a China ser um país capitalista me pareceram insuficientes. Logo, tentei trazer pontos que acho relevantes e ainda não havia visto serem tratados com qualidade, na esperança de que aqueles que discordassem de mim trariam suas respostas e contribuíssem para o avanço do debate - e, por consequência, para a minha formação.

Porém, minha tribuna não teve o resultado esperado. Na verdade, muitos camaradas optaram por fazer ataques pessoais na tentativa de me desqualificar enquanto pessoa ao invés de contrapor os meus argumentos. Ao meu ver, essa prática favorece exclusivamente o sectarismo, o que definitivamente não condiz com as minhas expectativas em relação a uma organização marxista-leninista (que adota o centralismo-democrático como forma organizativa, baseando-se na necessidade de convencimento para seu funcionamento).

Logo, acreditando que existia uma cultura em nossa organização que estimulava os militantes na tarefa do convencimento através debate fraterno (talvez por ter entrado na organização recentemente), incorri no erro de reproduzir formas muito declarativas no meu texto. Aspecto que eu entendo que possa ter prejudicado a receptividade das minhas contribuições.

Por fim, camaradas, gostaria de fazer uma correção em relação ao título da tribuna (“Em defesa do socialismo chinês: Capitalismo de Estado ou nova NEP?”), que se revela inadequado e passível de induzir a equívocos. Na verdade, este título foi decidido e alterado de última hora. Isso se torna evidente uma vez que em nenhuma parte do corpo do meu texto eu me dedico a estabelecer uma dicotomia entre Capitalismo de Estado e a NEP, incluindo, inclusive, trechos que corroboram o contrário. O título original era “Em defesa do socialismo chinês: seria a China uma eterna NEP?”.

Resposta a camarada Felix

Esse é um diálogo com a tribuna “Fora revisionistas! sequer leram o texto de Lênin?”, de Felix Bouard.

Segundo camarada Felix, eu ter ocultado um trecho do texto serviria para construir a minha argumentação em cima de uma mentira. Porém, ao que parece o camarada não entendeu a minha argumentação. Na verdade, tenho dúvidas sobre o camarada sequer ter lido a minha tribuna. Segundo Felix: “Aqui pegamos a mentira, toda a argumentação do camarada se baseia nessa ocultação, nessa falsificação do que dizia Lênin”.

O trecho que ocultei é o seguinte:

“O caso ou o exemplo mais simples de como o Poder Soviético dirige desenvolvimento do capitalismo para a via do capitalismo de Estado, como «implanta» o capitalismo de Estado, são as concessões. Agora todos estão de acordo em que as concessões são necessárias, mas nem todos reflectem sobre a importância das concessões.”

E para Felix, isso desmentiu a dicotomia entre Capitalismo de Estado e a NEP. E de fato, isso é verdade. Porém essa dicotomia seria desmentida por outros trechos que inclui no meu texto.

Vejamos a citação que abre meu texto, onde Lenin questiona se a passagem para um capitalismo de estado não seria um avanço:

“Imagino a nobre indignação com que alguns repudiaram estas palavras... Como? Na República Socialista Soviética a passagem ao capitalismo de Estado significaria um passo em frente?... Não será isto uma traição ao socialismo?”

Ou então a citação um pouco mais a frente onde Lenin comenta o possível cenário em que a revolução não acontece na Alemanha, deixando claro que seria tarefa e objetivo do estado proletário soviético (por meio da NEP) instituir um capitalismo de estado:

“Se a revolução tardar ainda em ‘nascer’ na Alemanha, a nossa tarefa é aprender com os alemães o capitalismo de Estado, transplantá-lo com todas as forças, não regatear métodos ditatoriais para acelerar a transplantação do ocidentalismo para a bárbara Rússia, não se detendo perante meios bárbaros de luta contra a barbárie."

Esses trechos evidenciam que não existe falsificação alguma. Nunca tentei defender ou ocultei que a NEP instituiu um Capitalismo de Estado, uma vez que esses trechos declaram isso com todas as palavras, e ainda sim os utilizei na construção do meu argumento.

A citação que vem após à anterior em minha tribuna mostra melhor qual é exatamente a minha argumentação:

“Este simples exemplo com números — simplificado premeditadamente ao máximo para tornar mais popular a exposição — explica a correlação da situação atual, entre o capitalismo de Estado e o socialismo. Os operários têm nas mãos o poder de Estado, têm a mais completa possibilidade jurídica de «apanhar» todo o milhar, isto é, de não entregar nem um copeque que não seja destinado a fins socialistas. Esta possibilidade jurídica, que se apoia na passagem de facto do poder para os operários, é um elemento do socialismo. [...]”

Logo, a minha argumentação é que existe uma correlação entre socialismo e Capitalismo de Estado (a depender do contexto), desde que o Capitalismo de Estado se dê em forma de concessão, ou seja, desde que exista uma ditadura do proletariado. Aliás, quem está dizendo isso não sou eu, é Lênin.

Com a instituição da ditadura do proletariado o Estado têm plena capacidade de consolidar e fazer proveito das vantagens do Capitalismo de Estado, isto é, o desenvolvimento das forças produtivas, mas oprimindo a burguesia de forma que esse regime não se converta somente em acumulação do capital e exploração dos trabalhadores.

Camarada Felix inclusive cita um trecho que corrobora esse aspecto da minha argumentação:

“No nosso país, essa submissão é assegurada no momento actual por determinadas premissas concretas (triunfo em Outubro e esmagamento, desde Outubro até Fevereiro, da resistência militar e da sabotagem dos capitalistas). No nosso país, em vez do mais completo predomínio dos operários, dos proletários, entre a população e do seu alto nível de organização, o factor da vitória foi o apoio do campesinato pobre e rapidamente arruinado aos proletários. Por último, no nosso país não existe nem um elevado nível cultural nem o hábito dos compromissos. Se se reflectir nestas condições concretas, tornar-se-á claro que podemos e devemos conseguir agora a combinação dos meios de repressão implacável contra os capitalistas incultos, que não aceitam qualquer ‘capitalismo de Estado’, que não concebem qualquer compromisso e continuam a torpedear as medidas soviéticas por meio da especulação, do suborno dos pobres, etc., com os meios do compromisso ou do resgate em relação aos capitalistas cultos, que aceitam o ‘capitalismo de Estado’, que são capazes de o aplicar e que são úteis ao proletariado como organizadores inteligentes e experientes das maiores empresas, que de facto abastecem de produtos dezenas de milhões de pessoas.”

Camarada Felix argumenta: 

“Não quero fazer dessa tribuna algo muito prolongado, apenas apontar o seguinte: A dicotomia entre NEP e Capitalismo de estado NUNCA foi estabelecido no pensamento leninista, em verdade a NEP foi a resposta que a URSS poderia dar enquanto uma revolução não estourava. E mesmo que fosse, mesmo que a NEP tivesse sido uma movimentação que rumasse ao estabelecimento do socialismo, sendo ele resultado do desenvolvimento das forças produtivas - quase 1 século já se passou depois disso, e nós não estamos na Rússia ou China momentos depois da revolução.”

Assim, está se criando uma falsa afirmação que não está realmente presente em minha argumentação para desvalidar toda a tribuna. E o pior, apesar de me acusar de falsificar, é exatamente isso que camarada Felix faz ao dizer “mesmo que a NEP tivesse sido uma movimentação que rumasse ao estabelecimento do socialismo”, uma vez que todo o texto de Lenin está fazendo justamente a defesa da NEP enquanto um avanço ao socialismo.

Veja camaradas, quem está dizendo que o Capitalismo de Estado era, naquele contexto, um passo em direção ao socialismo não sou eu, é Lenin. Se o camarada discorda, deve fazer uma crítica ao raciocínio do próprio Lenin, e não a uma suposta falsificação minha.

Em seguida, é utilizada uma citação minha para dizer que não existe o socialismo chinês. Porém, essa citação é insuficiente para determinar isso. Assim como a minha comparação entre o socialismo de mercado e a NEP é insuficiente para dizer que a China avança em direção ao socialismo atualmente. Aspecto que deixei claro ao dizer: “Ainda assim, devemos olhar com desconfiança para o avanço da propriedade privada na China, uma vez que não há sinais que indiquem a intenção de avançar na supressão da propriedade privada e no avanço da coletivização.”

Outro ponto importante em meu texto é a comparação entre os contextos em que se estabeleceram a NEP e o socialismo de mercado na China. E a despeito disso, Felix não faz qualquer comentário sobre a minha argumentação.

Por fim, o último parágrafo coloca um ponto que poderia trazer uma reviravolta e uma real contribuição ao debate. Felix diz que acredita que a China jamais foi uma ditadura do proletariado. Isso seria o suficiente para quebrar toda a minha argumentação, porém não são apresentados argumentos que validem a sua afirmação.

Apesar disso, alguns camaradas já me disseram que a Revolução Chinesa não teve caráter socialista, e por isso, entendendo que não tenho acumulo, estou buscando ler mais sobre a história da revolução e acredito que mais tribunas sobre o tema seriam muito úteis.

[Nota sobre o título] É uma uma paródia do título da tribuna de Felix. Não desejo realmente que qualquer camarada que me contraponha nesta discussão esteja fora do partido.