'Falta de camaradagem: o que temos a ganhar com isso?' (Ane Lim)
Não há nada de errado em disputar a nossa linha política ou discordar de alguém. O problema é fazer isso de forma desrespeitosa e desqualificada. Ao ler esse tipo de resposta, vendo que algumas delas vieram diretamente de meus camaradas, como eu deveria me sentir?
Por Ane Lim para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, utilizo esse espaço para compartilhar uma preocupação séria com relação a nossa organização.
Sou militante da UJC desde o início de 2021. Ao longo desse tempo, assim como todes nós, cometi erros e acertos e vi outros camaradas cometendo erros e acertos. Ao discordar de um camarada, prezo pelo centralismo democrático e busco dialogar de forma respeitosa e compreensiva. Estou sempre aberta ao convencimento, desde que sejam apresentados argumentos qualificados.
Entretanto, vejo que nem todes es militantes de nossa organização se mostram assim. Pelo contrário, percebo muitos ataques e tons agressivos entre camaradas. Várias respostas feitas através do Twitter à tribuna “Em defesa do socialismo chinês: Capitalismo de Estado ou nova NEP” foram absurdas. Sei que não tem como saber se todas as pessoas que responderam são ou não militantes da UJC ou do RR. Mas certamente, muitas são. Vejamos 3 exemplos:
Qual o saldo político dessas atitudes? O que temos a ganhar com essa violência entre camaradas? Por que não responder de forma educada e qualificada?
Não há nada de errado em disputar a nossa linha política ou discordar de alguém. O problema é fazer isso de forma desrespeitosa e desqualificada. Ao ler esse tipo de resposta, vendo que algumas delas vieram diretamente de meus camaradas, como eu deveria me sentir? Posso contar com essas pessoas para construir a revolução brasileira? Posso confiar em meus camaradas? Se houverem discordâncias entre mim e elus, como serei tratada? Quando ume recrutande me perguntar sobre esse tipo de tratamento dentro da organização, o que devo responder?
Ainda nesse sentido, uma tribuna em resposta à mencionada anteriormente leva o nome 'Fora revisionistas! sequer leram o texto de Lênin?'. “Fora revisionistas”? Qual o saldo político de dar a entender que um camarada de opinião diferente, considerada revisionista pela pessoa que escreveu a tribuna, deve sair da organização? Por que não apenas argumentar de forma fraterna a fim de convencer o camarada do seu ponto?
Ao conversar com uma camarada sobre essa preocupação, foi me apresentado o texto “Precisamos de camaradagem” de Jodi Dean. Através dele, fui lembrada do significado e da importância da camaradagem:
“Como um modo de endereçar, pertencimento e destinatário de expectativas, o camarada designa a relação entre aqueles que estão do mesmo lado de uma luta política. Indo além da ideia de política como uma mera questão de convicção individual, o camarada aponta para as expectativas de solidariedade necessárias para construir uma capacidade política compartilhada. Por causa das expectativas de nossos camaradas, comparecemos às reuniões que de outra forma perderíamos, realizamos trabalhos políticos que poderíamos procrastinar e tentamos cumprir nossas responsabilidades uns com os outros. Experimentamos a alegria da luta comprometida, de aprender pela prática. Superamos aqueles medos que podem nos dominar se formos forçados a enfrentá-los sozinhos. Nossos camaradas nos tornam melhores, mais fortes, para jamais se sentir sozinhos.”
“A organização disciplinada – a disciplina de camaradas comprometidos com a luta comum por um futuro igualitário emancipatório – pode ajudar aqui. Às vezes, queremos e precisamos de alguém para nos orientar o que fazer, porque estamos cansados demais para descobrir sozinhos. Às vezes, quando nos é dada uma tarefa como camarada, sentimos que nossos pequenos esforços têm maior significado e propósito, talvez até um significado histórico mundial na luta milenar do povo contra a opressão. Às vezes, apenas o fato de saber que temos camaradas que compartilham nossos compromissos, nossas alegrias e nossos esforços para aprender com as derrotas torna o trabalho político possível onde não era antes.”
É isso que tenho a dizer, camaradas. Espero que este tema não seja ignorado ou tratado como secundário, pois considero ser um problema muito grave. Se não for solucionado, a crise dos comunistas brasileiros nunca será superada. Se não temos respeito entre nós, temos o quê?