Expansão eólica no nordeste causa danos à população
As hélices emitem ruídos que afetam a saúde humana, provocando distúrbios do sono, enxaquecas e estresse. Há também interferência na saúde animal, nas rotas de aves, alterações na paisagem, estresse cultural e danos ambientais em áreas costeiras, como compactação do solo e supressão de vegetação.
Por Redação
O Nordeste concentra 93% da energia eólica gerada no Brasil. Especialmente em razão das condições favoráveis de vento que concentra, essa região é hoje um território estratégico para as corporações do setor energético, que avançam com a instalação e expansão de grandes complexos eólicos. Apesar de todos os mitos que tentam apresentar a energia eólica como “limpa”, a verdade é que esse modelo de desenvolvimento traz consigo impactos negativos significativos. As hélices emitem ruídos que afetam a saúde humana, provocando distúrbios do sono, enxaquecas e estresse. Há também interferência na saúde animal, nas rotas de aves, alterações na paisagem, estresse cultural e danos ambientais em áreas costeiras, como compactação do solo e supressão de vegetação.
Em pesquisa conduzida pela Universidade de Pernambuco (UPE) e a Fiocruz Pernambuco, coordenada pela professora Wanessa da Silva Gomes, que foi realizada na comunidade do Sítio Sobradinho, em Caetés/PE, com 105 moradores afetados por 83 torres de energia eólica, constatou-se a presença dos seguintes danos à saúde humana:
- Síndrome da Turbina Eólica (STE): causada por ruídos audíveis e infrassons, com sintomas como problemas de concentração, tontura, instabilidade, náuseas, dor de cabeça, dificuldade para dormir, falta de equilíbrio e dificuldades psicomotoras.
- Doença Vibroacústica (DVA): resultante dos infrassons, provoca a produção excessiva de colágeno e elastina, afetando o sistema cardiovascular e respiratório, com possibilidade de atingir o sistema nervoso.
- Outros impactos: alteração visual (efeito tremeluzente), problemas na saúde bucal (ATM), auditiva, cardíaca, vascular e respiratória, além de outras alterações fisiológicas e bioquímicas.
- Problemas reportados pela população: perda de audição, alergias cutâneas, aumento de doenças crônicas como hipertensão, diabetes, câncer e asma, e maior ocorrência de sintomas de transtornos mentais (63% dos entrevistados usam medicação como ansiolíticos ou para hipertensão).
Além disso, foram constatados outros tipos de impacto:
- Alterações na água: 46% notaram mudanças; 47% relataram alteração na cor; 35,3% identificaram presença de pó branco, o qual é responsável por alergias (49% dos entrevistados). Este pó contém substâncias como dióxido de silício, óxido de alumínio, magnésio, cálcio e sódio, sendo cancerígeno.
- Exposição a poeira durante reparos: funcionários utilizam equipamentos de proteção, mas a poeira é liberada no ar, afetando a população.
- Queda de raios: relatos de aumento na incidência, incluindo casos de desmaios.
- Impactos emocionais e financeiros: depressão, maior uso de medicamentos como fluoxetina, alprazolam, clonazepam, losartana e hidroclorotiazida, e falta de assistência médica e psicológica. Famílias enfrentam endividamento por gastos com remédios e tratamentos.
O caso de Caetés, Pernambuco, levado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, reflete a gravidade da situação enfrentada por diversas comunidades no Nordeste brasileiro. Outras localidades em estados como Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas também enfrentam desafios semelhantes, monitorados por instituições envolvidas.
Sobre a estratégia nacional de expansão dos parques eólicos na região, um morador de Caetés relatou ao Conselho Nacional de Direitos Humanos: “Pra nós, o que significa direitos humanos? A quem servem? Porque aqui só tem os direitos da empresa. O governo fala em transição energética, mas e os direitos humanos? Porque esses parques deixam de lado a coisa principal, a saúde”. “Perdemos a paz, o sossego e a saúde, e isso a empresa não paga”. No mesmo sentido, segundo outro morador: “O governo fala que a gente tem que se conformar porque gera emprego e renda. Mas gerou emprego e renda temporária, só na fase de construção. Quando terminou a construção (depois de 2 anos), largaram as turbinas e ficaram os prejuízos”.
Um morador relatou ao CNDH preocupação que o contrato de arrendamento leva à perda da aposentadoria especial para os agricultores. “O governo não nos explica isso, então ele é conivente com as empresas, ele também nos prejudica, já que perdemos acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ao Bolsa Família e a aposentadoria especial. Isso tudo por R$ 400 do arrendamento já que a empresa diz que é o máximo que pode pagar”.
O regime de economia familiar, segundo previsão da Lei no 8.213, de 24 de julho 1991, em Art. 11, VII, § 1o, configura-se pelo trabalho desenvolvido pelos membros de um núcleo familiar na condição de mútua dependência, sem o auxílio de outros trabalhadores contratados, tendo como principal objetivo a subsistência. O arrendamento do único imóvel do núcleo familiar leva à descaracterização do regime de economia familiar, comprometendo o futuro dos arrendadores com a potencial inviabilidade da aposentadoria desses trabalhadores rurais. É o que se pode observar no livro “Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no nordeste brasileiro”, lançado em 2023 e organizado por Fernando Joaquim Ferreira Maia.
As comunidades enfrentam pressão para assinar contratos, muitas vezes sem apoio jurídico, levando-as a perceber as promessas de compensação como oportunidades únicas, mas que se revelam desvantajosas. Modelos de contratos revisados mostram valores baixos e cláusulas de sigilo, com prazos longos e multas severas em caso de rescisão. As abordagens realizadas pelas empresas às famílias para obtenção de terrenos as privam de assessoria jurídica adequada e geram assinaturas apressadas de contratos.
A visita da comitiva interministerial do Governo Federal resultou na criação de um Grupo de Trabalho (GT) pelo Decreto Estadual nº 55.863, de novembro de 2023, com a finalidade de garantir um normativo estadual sobre licenciamento ambiental para energia eólica e solar em Pernambuco. No entanto, a composição do GT limitou a participação da sociedade civil e não incluiu representantes diretos das comunidades afetadas, restringindo-se a uma possível inclusão da FETAPE como convidada. Conforme expresso no Ofício Conjunto CPT NE2/Cáritas Brasileira NE2/Fetape nº 01/2024, movimentos sociais e universidades que acompanham a questão em campo ficaram fora das discussões. Em abril, tais movimentos, a UPE e as comunidades afetadas souberam que o GT já havia realizado três reuniões, sem divulgação dos debates - isso está relatado no Ofício Conjunto CPT NE2/Cáritas Brasileira NE2/Fetape nº 03/2024.
A expansão eólica gerou lucros de R$ 888 milhões para as empresas em 2023, com exportações para países vizinhos. No entanto, a composição do GT em Pernambuco demonstra pouca representatividade das comunidades. Das 20 cadeiras, apenas uma pertence a FETAPE, federação que reúne os sindicatos de trabalhadores rurais do estado. Essa falta de inclusão reflete-se na prática, onde os impactos socioambientais recaem sobre as populações locais, enquanto os benefícios econômicos são destinados às empresas.
Embora a energia eólica seja vista como renovável e limpa, seus impactos socioambientais, desde a produção dos equipamentos até a instalação dos parques, são ignorados. O modelo atual, centralizado e impulsionado pelo Estado, privilegia exportações e causa graves prejuízos locais, não sendo verdadeiramente sustentável. Comunidades camponesas sofrem com grilagem de terras e contratos de arrendamento abusivos e sigilosos, prevendo multas elevadas e durações de até 50 anos, sem garantia de energia acessível.
O Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) prevê R$ 22 bilhões de investimento em geração de energia eólica, sendo o setor privado responsável por todo o investimento. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou US$ 67,3 milhões para seis parques eólicos em Pernambuco e no Piauí. Além disso, o Banco também já financiou cerca de R$3 bilhões em projetos para a construção de parques eólicos no Nordeste desde abril de 2020. Os projetos de energia renovável na área de atuação do Banco do Nordeste (BNB) já receberam mais de R$ 25 bilhões, nos últimos quatro anos. Os valores correspondem a todas as operações de crédito para matrizes eólicas e solares de todos os portes de clientes.
O BNB participa de quase todos os principais parques de geração de energia eólica na região Nordeste, bem como no financiamento de toda a cadeia de bens, equipamentos e serviços que possuem unidades na área de atuação do banco. 85% do Fundo Constitucional do Nordeste vai pra financiar as renováveis via Banco do Nordeste. Somente em 2022, o BNB contratou R$ 5,9 bilhões. Isso significa dinheiro público sendo utilizado para financiar empreendimentos privados voltados à exportação que têm como consequência a destruição de comunidades.
Em reação a tal realidade, foi criada pela Fiocruz, UPE e CPT, a Escola dos Ventos, que visa oferecer um espaço de discussão coletiva, buscando soluções para uma transição energética justa e comunitária.
As reivindicações vistas como essenciais pelas comunidades e registradas no Relatório de Missão sobre justiça climática - Nordeste do Conselho Nacional de Direitos Humanos foram as seguintes:
- Que sejam revogadas as licenças concedidas pela CPRH aos Parques Eólicos Ventos de Santa Brígida, Ventos de São Clemente e Serra das Vacas, determinando-se a paralisação de suas atividades, e que não se conceda novas licenças no caso de torres instaladas a menos de 2km das residências e áreas de produção das comunidades atingidas;
- Que sejam suspensos todos os novos processos de licenciamento e indeferimento de novos pedidos até a apresentação de estudos técnicos que demonstrem a inexistência de danos às comunidades atingidas pelas Fazendas Eólicas instalados na região dos Municípios de Caetés, Pedra, Saloá, Paranatama e Venturosa;
- Que sejam apurados os crimes socioambientais bem como da responsabilidade do Estado de Pernambuco que assinou a licença para essa atividade;
- Que todo mundo que já foi impactado seja reparado, cabendo ao Ministério Público buscar a responsabilização dos autores dos crimes e das infrações;
- Que o Ministério Público atue no sentido de possibilitar, para aqueles que assim desejarem, ações judiciais de revisão ou anulação contratual dos contratos já firmados, bem como adotar uma postura ativa daqui para frente no sentido combater os assédios das empresas sobre as comunidades para assinarem contratos desvantajosos;
- Que esse caso seja lembrado no debate sobre o distanciamento mínimo. Segundo os presentes, os relatos dão conta de evidenciar que o distanciamento mínimo de 500 m que vem sendo discutido é muito pouco, tendo em vista os impactos e transtornos gerados.
Na contramão das reivindicações das comunidades, a atualização de regras para licenciamento eólico e solar do governo Raquel Lyra não incide na estrutura de torres já existentes e seu impacto nas comunidades; não fixa uma distância mínima que livre as comunidades de impactos nem estabelece regras de como deve se dar o adensamento das torres, deixando que se defina a cada caso; flexibiliza e facilita a instalação dos empreendimentos, diminuindo o tempo e a burocracia de aprovação.
Assim, o governo Raquel Lyra é cúmplice das empresas que lucram com a exportação de energia eólica e massacram as comunidades vítimas dos empreendimentos com o ataque a sua saúde, fontes de renda e modos de vida. Além de excluir a sociedade da mesa de negociação, aprovou regras de licenciamento que não tocam nas demandas principais do povo, e, ainda, flexibilizam sua inserção nos territórios, perpetuando o tormento na vida das comunidades afetadas.
Os danos socioambientais com a normativa do governo Raquel Lyra serão cada vez maiores, assim como os superlucros das empresas que destroem a vida de camponeses para exportar energia considerada “limpa”, mantendo a dinâmica de um país de capitalismo dependente. Isso se insere num projeto nacional, encabeçado pelo governo Lula-Alckmin, de um projeto de desenvolvimento “limpo e renovável” que de limpo e renovável não tem nada, já que ceifa a vida de comunidades inteiras.
A preocupação com a diminuição da emissão de CO2 é apenas uma fachada para justificar os investimentos no setor. Se houvesse legítima preocupação socioambiental, haveria o enfrentamento ao agronegócio, responsável por 73,7% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil, o que corresponde a 1,8 bilhão de toneladas de CO2.
Somente a luta organizada contra esse projeto de desenvolvimento será capaz de parar os avanços do capital sobre as comunidades afetadas, no sentido de um combate efetivo ao problema fundiário a partir da nacionalização das terras e seu controle popular.