'Etapa Estadual de SP – Questões Metodológicas' (Doni)
Essa tribuna é uma crítica/autocrítica fraterna àqueles que entendem que precisamos, sempre, nos manter em movimento e que o método não é só forma, é também a expressão da orientação firmemente comunista que guia nossas lutas.
Por Doni para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, escrevo essa tribuna após a etapa estadual de São Paulo do XVII Congresso Extraordinário do PCB para apresentar formulações e encaminhamentos sobre o que caracterizo como erros na condução do espaço que prejudicaram o nível do debate político feito.
Entretanto, já ressalto que os erros não são individuais, são coletivos. Todes nós delegades estávamos no espaço e podíamos contribuir pedindo esclarecimentos e apresentando questões de ordem, algo que foi feito exaustivamente (nem sempre de forma produtiva). Fazer isso não é uma faculdade, é uma obrigação, desde que vislumbremos a possibilidade de debater algo que não foi debatido, de examinar algo mais profundamente, de rejeitar meras formalidades, etc.
Se isso não foi feito mais vezes, cabe relembrar que a maioria des militantes é bastante jovem – tanto em idade quanto em tempo de militância – e (assim como eu) estava em seu primeiro espaço congressual com tantes participantes. Seja por inexperiência ou por uma dificuldade compreensível de falar em público, nem todes conseguirão contribuir imediatamente nesse espaço, que tem suas limitações.
Outro fator importante são as opressões que, quer queiramos, quer não, filtram a composição de nosses militantes, lhes retiram o tempo necessário de preparação teórica para fazer essas formulações (a partir de jornadas duplas e triplas, de empregos precários, etc.) e também intimidam individualmente a partir de um senso comum do que é socialmente aceito ou esperado de ume brasileire que pertença a um grupo socialmente oprimido.
Ademais, já ressalto que, por ainda não ter acesso às atas completas da etapa estadual, talvez cometa alguma impropriedade, pois estou escrevendo a partir de minhas notas e de memória, ou seja, posso estar factualmente enganado, de modo que fico desde já aberto a correções, sejam elas factuais ou teóricas.
Ainda, tendo em vista a realização da etapa nacional de nosso congresso no próximo mês, espero que essa breve exposição forneça alguma contribuição para que não repitamos esses mesmos erros e para que o máximo do pouco tempo disponível seja utilizado para as discussões políticas essenciais para o avanço de nosso movimento.
Em razão disso, essa tribuna é uma crítica/autocrítica fraterna àqueles que entendem que precisamos, sempre, nos manter em movimento e que o método não é só forma, é também a expressão da orientação firmemente comunista que guia nossas lutas.
1. Por que discutir método?
Nessa etapa de desenvolvimento de nossa organização, sem dúvida uma de nossas maiores preocupações é a de estabelecer um programa, que, segundo o camarada Lênin [1], deve:
expressar nossos conceitos fundamentais, fixar com exatidão nossas tarefas políticas imediatas, assinalar as reivindicações mais próximas, que são as que devem determinar o conteúdo de nosso trabalho de agitação, dar-lhe unidade, torná-la mais ampla e mais profunda e convertê-la, de agitação parcial e fragmentária em favor de pequenas reivindicações desligadas umas das outras, numa agitação pelo conjunto de todas as reivindicações social-democratas.
Para isso, adotamos historicamente a ferramenta congressual como momento solene de reunião de camaradas para a discussão dos pontos fundamentais que orientam nossas lutas (nossos princípios) e, a partir deles, para a identificação de nossas tarefas imediatas e da maneira mais eficaz de cumpri-las, a partir das quais desenvolveremos nossas táticas, sempre submetidas à estratégia revolucionária.
As discussões da etapa paulista sobre os setores estratégicos do proletariado exemplificaram bem os problemas que enfrentamos, uma vez que seu conteúdo político foi bastante esvaziado (ao ponto de justificar a famigerada intervenção do camarada Zenem) e cujo resultado foi a definição de um emaranhado de categorias profissionais que não se ligam, entre si, por razões de princípio, por um critério político bem definido.
Nesse caso, uma melhor definição de princípio – uma identificação clara (tanto quanto possível) do que exatamente qualifica um setor do proletariado brasileiro como estratégico – nos ajudará a estabelecer tarefas políticas e táticas coesas entre si. Antes de dizermos que algo é ou não é estratégico precisamos entender o que é, ou não, estratégico.
É evidente que esse processo não se dá em abstrato, qualquer princípio teórico só faz sentido a partir da análise qualificada da realidade social brasileira iluminada pela crítica da economia política, pelo estudo de nossa história, pelo desvelamento do conteúdo de classe das forças políticas em atuação, etc.
Dessa maneira, a forma como conduzimos nossas discussões (o método) pode, em vez de ser uma fiel expressão de um conteúdo político, entrar em choque com ele, dificultar e atravancar nossos trabalhos, nos tirar do rumo daquilo que é essencial, dos conceitos fundamentais relativos a cada questão.
Nesse sentido, o camarada Lênin [2] ensina que, nas polêmicas, precisamos capturar o conteúdo em sua profundidade, distinguir o essencial do acidental:
Por outro lado, para que a polêmica não seja estéril, para que não degenere em lutas pessoais, para que não conduza a uma confusão de conceitos e não nos faça tomar por camaradas os inimigos e vice-versa, para tudo isso é preciso que a questão do programa figure nossa polêmica. A polêmica só pode ser útil no caso de esclarecer o verdadeiro conteúdo das divergências, de mostrar sua profundidade, de revelar se se trata de divergências que atingem problemas de princípio ou questões de detalhe, de esclarecer se essas divergências são ou não um obstáculo para trabalhar juntos no seio de um mesmo partido.
Logo, as minhas críticas fraternas e sugestões são no sentido de favorecer, dentro de nossas condições financeiras, de tempo e de espaço, discussões (sejam em etapas congressuais, plenárias, reuniões de célula, etc.) mais ricas de conteúdo político e de clareza revolucionária.
2. Quais os principais problemas enfrentados?
Como já mencionei, essa foi minha (e creio que da maioria dês outres militantes) primeira participação em um grande processo de discussão política, de modo que nas questões metodológicas que decidimos ao início da etapa eu pouco pude acrescentar ou mesmo entender o que se passava.
Entretanto, com mais clareza após nossa etapa, pude identificar dois importantes problemas, quais sejam: a indefinição sobre o formato dos Grupos de Discussão e o fato de termos decidido, durante a etapa estadual, não utilizarmos as pré-teses sistematizadas no Estado como base para as discussões.
2.1. Sobre os grupos de discussão:
Antes de passarmos aos debates políticos propriamente ditos, tivemos que nos debruçar sobre algumas outras questões: a eleição da mesa diretora congressual, a eleição da comissão eleitoral e, finalmente, o regimento da etapa regional.
Na discussão regimental, um dos pontos mais controversos foi a questão dos grupos de discussão e de sua metodologia. Um grupo de discussão é um destacamento de militantes que se debruçará sobre determinado assunto e produzirá, ou não, destaques a serem discutidos na plenária final (momento onde todes militantes estarão novamente reunidos para discutir e decidir sobre o programa, estatuto, etc.).
A camarada Vic Pinheiro, quando discutíamos sobre qual metodologia de GDs adotar, ressaltou que no IX Congresso da UJC ês militantes contaram com 20 horas (se não me engano) para debater nos GDs, e que mesmo assim os GDs não conseguiram abarcar tudo o que deveria ser discutido. A camarada notou acertadamente que seria impossível, nas 6 horas que tínhamos disponíveis, debater o conteúdo de nossa sistematização de pré-teses de mais de 100 páginas.
Para clarificar, no caso do IX Congresso da UJC mencionado pela camarada, cada GD discutiu (ou deveria discutir) a integralidade do que estava sistematizado como pré-tese, ou seja, os GDs não eram temáticos.
A alternativa que se apresentou foi, até onde sei, produzida pelo camarada Machado em tribuna [3] no dia 27/03, ou seja, três dias antes do início da etapa congressual, e propunha dividir os vários grupos de discussão a partir de temas (um para discutir o Movimento Negro, outro para a Política de Alianças, outro para AGITPROP e por aí vai) para possibilitar que, no mínimo, cada GD conseguisse debater tudo o que fosse pertinente dentro de cada seção da sistematização.
É certo que cada tipo de GD tem prós e contras bastante óbvios, os GDs tradicionais permitem, em tese, que tenhamos acesso a todas as discussões, mas demanda uma enorme quantidade de tempo, que não tínhamos na etapa estadual (de 3 dias) e creio que também não teremos na etapa nacional (também de 3 dias).
Os GDs temáticos, por sua vez, permitem uma discussão mais aprofundada sobre um tema mais restrito, não demandam tanto tempo e, a meu ver, produziram debates mais qualificados. Todavia, eu, p. ex., que participei do GD sobre o Imperialismo, não pude ter acesso às discussões ocorridas em outros GDs, nem apresentar destaques fora do GD no qual estava participando.
Embora havia a previsão regimental de que destaques (propostas de alteração, supressão ou adição) à sistematização poderiam ser oferecidos se fossem subscritos por 20 militantes presentes, não me recordo de nenhum destaque que foi oferecido dessa forma, ou seja, na prática, só pudemos apresentar destaques nos próprios GDS [não consegui encontrar a versão final do regimento, estou usando como referência o google doc. Que estava no canal das delegações].
Além da questão dos destaques, um grande problema, a meu ver, foi abrir o debate sobre qual forma de GD utilizar sem antes, em tempo hábil, explicar aês delegades o que significaria uma ou outra forma de discussão. A circular 09/CRP-SP, p. ex., que nos apresentou a proposta de Regimento, não chegou a explicar o que é um GD ou que poderíamos ter um GD de um ou de outro tipo.
Só pudemos entender essa questão depois de um longo período de confusão (no decorrer da etapa) e perdemos bastante tempo para entender essas minúcias, algo que deveria ter sido evitado com uma exposição breve sobre os GDs junto da proposta de Regimento, afinal de contas, os GDs ocuparam (ou deveriam) 1/6 do nosso tempo de debates congressuais.
Ainda outra questão foi a junção de GDs temáticos diferentes entre si, uma vez que a proposta original [4] trazia a possibilidade de 12 GDs diferentes. No fim das contas foram agregados os GDs sobre o Movimento Feminista e o Movimento LGBTIA+ em apenas um, por exemplo, e com o pouco tempo disponível quase não houve debate sobre a questão LGBTIA+, o que foi ainda piorado pela decisão da plenária de não adotar a sistematização estadual como base dos debates (voltaremos a isso posteriormente). Esse é apenas o exemplo do qual tenho conhecimento por conversar com uma camarada que lá estava presente, todavia tenho certeza de que não foi o único caso em que as discussões nos GDs que foram agregados privilegiaram apenas um lado da partilha.
Por fim, creio que a própria utilização dos GDs como métodos de discussão deva ser questionada, tendo em vista que estamos realizando etapas congressuais de curta duração e, portanto, talvez faça mais sentido dedicar mais tempo para realizarmos uma plenária final com mais tempo para realizarmos defesas e sem tanto atropelo.
Mesmo com os GDs temáticos não conseguimos exaurir todos os assuntos propostos, ou seja, talvez seja uma esperança vã continuarmos utilizando uma ferramenta de discussão que sempre fica aquém do que propõe, a não ser que possamos, no sentido do que diz o camarada Lênin, melhorá-la a ponto de conseguirmos discutir o conteúdo de fundo das divergências, seu cerne político, e não nos perder nos detalhes circunstanciais das formulações.
2.2. Sobre a sistematização
Ês camaradas responsáveis pela sistematização das pré-teses oriundas das etapas de base tiveram dificuldades, por vários motivos, para entrega-las com mais antecedência. Tendo em vista que se trata de um documento que orientaria os debates, uma semana foi, infelizmente, pouco tempo para estuda-lo. Essa questão já foi apresentada e elucidada na própria circular que nos apresentou o documento.
Todavia, creio que um importante problema acerca da sistematização foi a proposta, apresentada pelo camarada Lazzari, de utilizarmos as pré-teses originais, sistematizadas nacionalmente, como base dos debates a serem realizados nos GDs e, posteriormente, na plenária final.
Segundo o camarada, a sistematização produzida a nível estadual já seria encaminhada à etapa nacional do Congresso, ou seja, não haveria necessidade de nos debruçarmos sobre ela. Em razão disso, propôs que deveríamos usar as pré-teses originais como base das discussões.
Não consigo me lembrar com mais detalhes acerca da defesa do camarada sobre a questão, de forma que sem a ata da etapa em mãos fico aberto, novamente, a correções factuais e teóricas sobre a exposição.
A plenária votou e aprovou a proposta do camarada por um placar apertado.
Em razão disso, infelizmente não pudemos debater coletivamente e aproveitar o enorme trabalho da comissão estadual de sistematização que, conforme suas próprias justificativas em circular, buscou eliminar repetições ao longo do texto, organizar as propostas mais descritivas em torno das resoluções e as mais pertinentes na parte programática e, principalmente, definir as questões polêmicas, “formulações que sintetizam grande controvérsia na nossa militância a respeito, ou formações que entram em divergência com as propostas originais das Teses, ou ainda formulações divergentes entre si” [5].
Por consequência, p. ex., recuperando o mencionado sobre o GD do Movimento Feminista e do Movimento LGBTIA+, já sabemos que em face da junção dos dois GDs o tempo de discussão sobre a questão LGBTIA+ foi bastante reduzido. Porém, em face da adoção das pré-teses originais como base, a discussão em plenária se resumiu a um destaque sobre a influência da teoria queer que já estava na sistematização estadual e não se pôde discutir outras propostas de destaque que, a meu ver, traziam uma concepção marxista-leninista sobre a relação da família e das identidades LGBTIA+ com o próprio modo de produção capitalista em contraste com formações sociais pré-capitalistas.
Ainda, no fim das contas, se compararmos a documentação original com os últimos documentos da plenária final que nos foram fornecidos para acompanhar os destaques, veremos que boa parte do que foi efetivamente votado já estava na pré-sistematização estadual, especialmente as polêmicas previamente definidas.
Nesse sentido, entendo que, mesmo que indiretamente, acabamos nos voltando à sistematização estadual (ainda que sem muitos dos destaques que estavam lá presentes), apesar de não ter sido essa a proposta aprovada em plenária.
Por conta disso, não me oponho à ideia de ter debatido as pré-teses originais por princípio (embora isso tenha trazido prejuízos como o mencionado sobre a questão LGBTIA+ e possivelmente ainda outros de que eu não tenha conhecimento nesse momento), mas porque adotar essa proposta, naquele momento, foi um fator de confusão, não de coesão das atividades.
Assim como no caso dos GDs, entendo que a possibilidade de tomarmos essa decisão no decorrer das discussões metodológicas já na etapa estadual deveria ter sido explicitada por meio de circular, uma vez que, pelo menos para mim, era um pressuposto que a base para as discussões seria a sistematização estadual e não estava claro, naquele momento, quais os prós e contras acerca da escolha que deveríamos tomar.
3. O que fazer?
Enfim, camaradas, acredito que o corpo do texto já tenha deixado clara a importância das discussões sobre o método para organizarmos nossa polêmica, especialmente em períodos congressuais, de modo que deixo aqui algumas sugestões para tornar o processo congressual mais simples e privilegiar nossos debates políticos.
Sobre os Grupos de Discussão, entendo que em face do tempo reduzido para a realização de nossas etapas temos duas possibilidades:
i) Definir previamente um formato (tradicional ou temático?) e matérias a serem discutidas (questões polêmicas) já com um tempo previsto de discussão para todas elas. É absolutamente essencial que os GDs não prometam mais do que possam cumprir.
Se teremos 06 horas para os GDs na etapa nacional, p. ex., então precisaremos definir se vamos discutir 12 questões polêmicas por 30 minutos cada ou 06 questões polêmicas por 1 hora cada.
Caso contrário, tenho certeza de que tempo precioso será perdido para definir o funcionamento desses grupos e os temas a serem debatidos não serão exauridos.
ii) Não utilizar a ferramenta dos GDs, utilizar esse tempo para dar mais tempo de defesa na plenária final ou para apreciar a apresentação de destaques para a plenária final, por exemplo.
Sobre a sistematização, além de uma maior antecedência, é preciso mais clareza sobre o que será ou não usado como base das discussões, especialmente se queremos centralizar o debate em questões polêmicas e o trabalho das comissões de sistematização é justamente identificar o que é polêmico, o que é principal e acessório.
De um jeito ou de outro, para aquelas decisões que precisam ser tomadas coletivamente nas etapas congressuais, é preciso que as comissões responsáveis (na medida do possível) esclareçam previamente seu conteúdo, as possíveis alternativas e os possíveis ganhos e prejuízos de cada uma delas, de forma que percamos menos tempo no que é acessório e nos dediquemos mais ao conteúdo fundamental de nossas divergências e posições.
Logo, espero que essas contribuições, pelo menos, sejam objeto de reflexão e crítica no sentido de enriquecermos nossos espaços de discussão política e clarificarmos nossas propostas de intervenção na realidade ao proletariado brasileiro.
[1] Lênin, V. I., Projeto de Programa de Nosso Partido, 1899, acesso em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1899/mes/43.htm;
[2] Idem;
[3] Machado, 'Propostas para a metodologia congressual na etapa de SP', acesso em https://emdefesadocomunismo.com.br/propostas-para-a-metodologia-congressual-na-etapa-de-sp/;
[4] Idem;
[5] Circular 10/2024 do CRP/SP;