Estudantes assassinados pela ditadura empresarial-militar são diplomados na USP
O ato contou com a presença de militantes e familiares das vítimas, que têm sido o alicerce dessa luta por décadas, enfrentando as forças de repressão e a negligência do Estado brasileiro, para preservar a memória dos jovens.
Por Redação
No mês de agosto, em um importante gesto de preservação da memória e reparação histórica, 15 estudantes da USP, assassinados pela ditadura empresarial-militar, foram finalmente diplomados pela Universidade. O ato contou com a presença de militantes e familiares das vítimas, que têm sido o alicerce dessa luta por décadas, enfrentando as forças de repressão e a negligência do Estado brasileiro, para preservar a memória dos jovens que tiveram as suas vidas ceifadas pela ditadura.
A história de luta e sofrimento dos estudantes diplomados
Antonio Benetazzo
Estudante de Filosofia da USP e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), ajudou a fundar o Movimento de Libertação Popular (Molipo). Em 1972, foi preso, torturado e morto pelo DOI-Codi/SP. Além de sua atuação política, era artista plástico. Em São Paulo, uma praça próxima ao Masp homenageia seu nome.
Carlos Eduardo Pires Fleury
Estudante de Filosofia da USP e membro da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso e torturado em 1969. Libertado em 1970 em troca do embaixador alemão, refugiou-se em Cuba e retornou ao Brasil em 1971, onde foi torturado e assassinado.
Catarina Helena Abi-Eçab
Estudante de Filosofia da USP e militante estudantil, casada com o também militante João Antônio Santos Abi-Eçab. Oficialmente, morreram em um acidente de carro no Rio de Janeiro em novembro de 1968, mas reportagens de 2001 revelaram que foram, na verdade, executados.
Fernando Borges de Paula Ferreira
Estudante de Ciências Sociais da USP em 1965 e líder estudantil e sindical, foi emboscado e morto por agentes do Deic em São Paulo em 1969.
Francisco José de Oliveira
Estudante de Ciências Sociais da USP e militante da ALN e Molipo, foi assassinado em 1971 por agentes do DOI-Codi/SP após uma perseguição policial. O laudo de necropsia teve contradições com a foto do IML e foi registrado com um nome falso, embora anotado com sua identidade verdadeira.
Helenira Resende de Souza Nazareth
Ingressou no curso de Letras da USP em 1965 e foi militante ativa, presidindo o Centro Acadêmico e a UNE em 1968. Em 1972, foi morta após confronto com militares no Araguaia, capturada, torturada e seu corpo nunca foi encontrado.
Ísis Dias de Oliveira
Estudante de Ciências Sociais da USP e residente no Crusp, Ísis mudou-se para o Rio de Janeiro em 1972, onde foi presa e desaparecida. Sua família procurou informações sem sucesso. Atualmente o Centro Acadêmico de Ciências Sociais da USP recebe o nome de ‘CeUPES Ísis Dias de Oliveira’ em sua homenagem.
Jane Vanini
Estudante de Ciências Sociais da USP, foi militante da ALN, Molipo e MIR. Após o exílio, buscou asilo no Chile e com o golpe de 1973, passou a viver na clandestinidade. Foi presa e capturada ao tentar resgatar seu companheiro. Em 1993, o governo chileno reconheceu a responsabilidade pela sua morte e concedeu uma pensão à sua família, mas seu corpo nunca foi encontrado.
João Antônio Santos Abi-Eçab
Estudante de Filosofia da USP em 1963 e ativo no movimento estudantil, casou-se com Catarina Helena Abi-Eçab em 1968. Oficialmente, morreram em um acidente de carro, mas reportagens revelaram que foram, na verdade, executados pelo DOI-Codi/RJ.
Luiz Eduardo da Rocha Merlino
Ingressou na USP em 1969 no curso de História e, em 1970, participou do 2º Congresso da Liga Comunista da França. Após retornar, foi preso e torturado até a morte pelo DOI-Codi/SP. A família processou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável pela tortura, que morreu em 2015 sem ser oficialmente punido. Atualmente, o Centro Acadêmico de História da USP homenageia Merlino, levando seu nome.
Maria Regina Marcondes Pinto
Estudante de Ciências Sociais na USP em 1969, mudou-se para o Chile e integrou o MIR. Ao retornar ao Brasil em 1976, após uma breve estadia em Buenos Aires, desapareceu depois de se encontrar com Edgardo Enriquez, do MIR. O Estado argentino reconheceu sua responsabilidade, mas seu corpo nunca foi encontrado.
Ruy Carlos Vieira Berbert
Estudante de Letras da USP e ativo no movimento estudantil, Ruy foi torturado e morto durante a Operação Ilha, que visava capturar guerrilheiros do Molipo. Até hoje seus restos mortais nunca foram entregues à família, Ruy é considerado um desaparecido político.
Sérgio Roberto Corrêa
Estudante de Ciências Sociais da USP em 1967, fez parte da Ação Libertadora Nacional (ALN). Supostamente teria morrido em 1969, em uma explosão de carro na Rua da Consolação, em São Paulo.
Suely Yumiko Kanayama
Ingressou no ano de 1967, no curso de Letras na USP e, em 1971, foi para a região do Araguaia. Em 1973, durante a repressão à guerrilha, desapareceu após uma missão. Reportagens de 1979 afirmam que Suely foi morta a tiros e enterrada no estado de Tocantins
Tito de Alencar Lima
Entrou para a Ordem dos Dominicanos em 1965 e foi ordenado sacerdote em 1967. Em 1969, iniciou o curso de Ciências Sociais na USP, mas foi preso e torturado devido a alegadas conexões com a ALN. Após ser banido do Brasil em 1971, morou na França e, em 1974, Frei Tito suicidou-se no convento de Sainte-Marie de la Tourette.
Essa ação é parte de um processo mais amplo de reconhecimento do legado de alguns estudantes que foram vítimas da ditadura. Ainda em Agosto, a USP concedeu dois novos diplomas aos estudantes Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher, ambos estudantes da Faculdade de Medicina e ex-militantes da Ação Nacional Libertadora, que foram mortos durante a ditadura. Ao todo, a Universidade de São Paulo planeja conceder diplomas de graduação aos 33 estudantes vítimas do período.
Diplomação de Honestino Guimarães
Em junho, a UnB concedeu a diplomação póstuma e a revogação da expulsão de Honestino Guimarães, ex-líder estudantil, que foi preso e expulso da Universidade em uma invasão militar, e anos depois assassinado pelas forças de repressão. A conquista dos diplomas póstumos representa muito mais do que um simples reconhecimento acadêmico, é um símbolo da luta, da resistência e da busca incansável por justiça. Porém, esse gesto não representa o fim da luta pois atende apenas em parte o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que está longe de ter suas recomendações atingidas.
Anistia e impunidade
Uma década após a criação da Comissão da Verdade, o Estado brasileiro continua a ignorar a maioria de suas recomendações, deixando um legado de impunidade. De acordo com estudo apresentado pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com a Fundação Friedrich Ebert Brasil, realizado em 2023, o Estado brasileiro cumpriu apenas 2 das 29 recomendações feitas pela CNV em 2014. Uma década após a criação da CNV, 93% de suas recomendações foram ignoradas ou retrocedidas. É necessário enfatizar que a punição contra agentes de Estado envolvidos em casos de toruta e assassinatos, jamais foi realizada.
Mesmo com a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos na Ditadura Militar (CEMDP), que havia sido extinta pelo governo Bolsonaro, em 2022. O atual governo Lula tem sido marcado por uma completa inação e impunidade aos responsáveis pela ditadura de 64 e pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2024. Além da escolha de José Múcio, uma figura apreciada pelos defensores do golpe de 64, para comandar o Ministério da Defesa. Neste ano, o atual presidente Lula também optou por vetar os atos em memória das vítimas da ditadura militar e recomendar a sua base e seus ministros para que não se manifestassem nesta data.
Com a negligência das forças ditas progressistas e com a política de anistia tocada pelo atual governo, a luta pela verdade e memória das vítimas da ditadura empresarial-militar torna-se ainda mais necessária. O cumprimento de todas as recomendações estabelecidas na Comissão da Verdade e a punição de todos os responsáveis por esse que é um dos maiores traumas da história brasileira, é um dever histórico.