'Estética realmente importa?' (Enrico Moreno)

É muito perigoso e fácil utilizarmos o argumento de identitarismo. É importante salientar a necessidade de um conteúdo político por trás desse debate. Concordo que esse assunto da estética muitas vezes surge natimorto quando ela se torna um fim em si mesmo, sem conteúdo político revolucionário.

'Estética realmente importa?' (Enrico Moreno)

Por Enrico Moreno para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, diversas vezes nós vemos o tema da estética dos militantes do nosso núcleo e, por consequência, do nosso partido, em pauta. O surgimento de tal assunto deriva-se de diversas razões diferentes, seja pela indignação de novos camaradas ou pela frustração advinda da falha de algumas tarefas. Portanto, pretendo nessa tribuna socializar o meu ponto de vista acerca do tema. Particularmente, acredito que nenhum assunto deva ser considerado desnecessário ou proibido de fazermos uma análise marxista-leninista, mesmo que ele já tenha sido resolvido, para podermos avaliar onde acertamos e qual era a conjuntura que se deu naquele período. 

Para entendermos a origem do problema, em qualquer caso, precisamos fazer uma análise histórica baseada no materialismo histórico e dialético. Não pretendo entrar em minuciosos detalhes sobre as origens dessa crise estética, mas traçarei uma linha do tempo para ficar claro de onde vem a estética atual que temos em todo complexo partidário. 

Com a repressão anticomunista durante a ditadura empresarial-militar no Brasil, a eventual queda do bloco soviético e as inúmeras vezes em que o comunismo e partidos que seguiam uma linha radical foram considerados ilegais, a esquerda revolucionária passou por intensas perdas e disputas internas que acabaram por tirar o protagonismo dela na classe trabalhadora,  o que relegou tal assunto para as academias e faculdades, e culminou na limitação do debate sobre esquerda radical entre estudiosos, professores e alunos frequentadores de tais ambientes que tinham um claro recorte de classe, visto o caráter elitista desses locais. Como a queda do bloco soviético se deu nos anos 90, por exemplo, é lógico dizer que esse fenômeno é muito recente na história do movimento comunista e do próprio Brasil. Por essa razão nós vemos, principalmente nos núcleos de universidades, uma estética de militantes em sua maioria brancos e até mesmo pequeno-burguês. 

Uma vez que esse problema é reconhecido, cabe a nós como partido de vanguarda traçar estratégias para que consigamos reverter esse fenômeno da remoção do debate revolucionário das massas, porém essa não será uma tarefa fácil e que será resolvida com meia dúzia de atividades dentro do nosso núcleo – é necessário tempo e principalmente uma unidade de ação dentro do nosso partido leninista. 

Camaradas, é muito perigoso e fácil utilizarmos o argumento de identitarismo. É importante salientar a necessidade de um conteúdo político por trás desse debate. Concordo que esse assunto da estética muitas vezes surge natimorto quando ela se torna um fim em si mesmo, sem conteúdo político revolucionário. Trago ainda o argumento de que certas contribuições só podem ser feitas por pessoas inseridas nessas dinâmicas específicas, como no caso do cuidado social do filho feito por mães solteiras. Existem certas experiências que perpassam a nossa sensibilidade de observação da realidade, o que acaba tornando a presença de pessoas LBGTQIA+, neuro divergentes, mulheres e pessoas não brancas indispensável em nossas fileiras.

A nossa presença em áreas de extrema vulnerabilidade e onde se encontram a maioria das pessoas em situação de máxima precarização é de suma importância para invertemos essa tendência que temos há mais de 30 anos no movimento comunista. Precisamos fazer o convencimento político dessas pessoas através de uma abordagem dinâmica e que dialogue de um ponto de vista estético com elas. Devemos, claro, manter em mente que delimitar tarefas exclusivas para minorias também é um tipo de preconceito e é imperativo que coloquemos camaradas que não se encaixam em tal demográfico para se inserirem e entenderem a realidade daquelas pessoas, ao mesmo que tempo que não podemos negligenciar a importância desse assunto para o convencimento político. 

Certamente esse assunto não será resolvido de imediato e ele irá retornar conforme novos camaradas entrarem em nossas fileiras. Espero ainda ler muitas tribunas sobre esse tema que se tem tanto a desenvolver e espero também que essa tribuna tenha agregado em algum sentido no nosso debate.

Abraços, camaradas