'Estão os comunistas a favor do colonialismo?' (Raul Akim)
Se os comunistas, então, estiverem verdadeiramente cientes dessa contradição, acredito que estaremos mais próximos da fundição de um movimento abolicionista de negros e favelados para com a Revolução Brasileira.
Por Raul Akim para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Violência. Aos camaradas negros e favelados, as práticas de tortura aprimoradas da colônia brasileira. Quem dos crias de favela e camaradas negros desta organização já não passaram por ações discriminatórias que violaram sua autoestima, te tornaram o centro das más intenções, novo candidato à prática do latrocínio, te lembraram os reflexos de medo e desespero em todos os viadutos e pontes, nossas vidas de urgência atrás de comida e, quem sabe, humanidade? Corpos sempre vistos, mas nunca notados. Coisas como violência pintam nossas peles de negro diariamente, nos olhares desconfiados e aflitos, nas abordagens policiais preventivas e nos assassinatos preventivos de corpos suspeitos. O trabalhador negro está de alguma forma acostumado a tudo isso, anestesiado na violência policial e social como se anestesiam os paranoicos: “ei, esqueça tudo isso, é bobagem”. Não há nada de novo quanto ao que nós já sabemos desde nossa infância e a história de nosso passado. Veja, se seus primos e tios estiveram envolvidos com o tráfico, seja comercializando ou consumindo drogas como K9 e crack, não há dúvidas que parte da sua geração esteve se fudendo em algum navio negreiro. Nossas famílias parecem nunca ter dado certo, repetindo a marginalidade violenta e ansiosa em todos os aspectos de nossas vidas.
A primeira coisa a pensar é: estamos amaldiçoados, há uma maldição em nosso sangue, uma maldição profunda demais para ser reparada. Por quem? Quem foi capaz de amaldiçoar sua geração inteira? Há uma comum resposta perigosa obedecendo à regra das coisas: “os negros já se escravizavam na África, já eram perigosos e raivosos desde sempre. Veja, são criminosos, violentos e pobres porque são negros, e não há como não notar que os negros são sempre muito violentos, roubando e matando por nada, mas quem diz isso são os dados, as estatísticas, a ciência”. Sempre que então questionamos o estado de nossas perturbações sociais e dos eventuais deslizes que a polícia comete, as contradições são suavizadas e reprimidas pela mesma fala: “Já se perguntou se o menino que morreu não tinha envolvimento com coisa errada (por que provavelmente tinha!)? Acredito que essas coisas acontecem, não é com a maioria, os negros estão malucos como estão porque ainda não aderiram à ideia de que não há diferenças entre brancos e negros (e indígenas, mas eles se esquecem desses)”.
Veja bem, se sou tão igual a ti, porque gosta tanto de lembrar e reiterar que tenho cor, cabelo e corpo diferentes do teu, que tenho origem e família diferentes da tua? Que somos iconicamente diferentes, representamos duas formas de segregação que compartilham de um movimento histórico cooptado pela nossa falsa Abolição constitucional. Cada negro tem a possibilidade evidente de aderir ao movimento ideológico (planejado e estratificado) que favorece uma hierarquia racial em nossa sociedade colonial na justificativa de uma também falsa miscigenação: “somos todos iguais socialmente, mas etnicamente diferentes e nos misturamos por conta disso, logo somos todos brasileiros, vindos de um mesmo ponto de partida”. Se convencemos o negro e o indígena de que são inferiores por que somos todos nós fudidos por natureza, porque somos todos brasileiros, quais revoluções cabem ao Brasil que não sejam apropriadas de um olhar severo às formas de retaliação e controle geográfico e populacional de duas cidades distintas? Bairros como Castelo, Alphaville e Savassi possuem ruas bem asfaltadas, postes de iluminação, prédios alinhados com farmácias próximas, shoppings próximos, policiais rondando e vigilando que demonstram segurança e conforto, além de pessoas pálidos passeando pelas passarelas atrás de uma variedade infinita de estabelecimentos com produtos a serem comprados e consumidos. As favelas, ao contrário, como o Serrão e o Cabana, percorrendo as periferias dos grandes centros urbanos, são em primeiro plano invisíveis ao olhar moral e civil: a morte de favelados representa a luta ativa contra o inimigo interno, uma luta violenta, cruel — mas supostamente necessária. Não estamos, então, dentro desses espaços (se é que podemos sobreviver dentro deles), sem infraestrutura, saneamento básico, espaços de lazer e cultura, precários como grandes cortiços, falando senão de grandes zoológicos coloniais da mídia burguesa, para onde os animais dormem, trabalham marginalmente e morrem, são entregues ao funeral no mesmo lugar em que são executados? O que acharíamos então dessa merda toda? Que nós definitivamente morremos como os brancos, comemos como os brancos, estamos nas universidades como os brancos deste país? Ou então, de alguma forma grotesca, há brancos agindo como os brancos da colônia e há negros agindo como esses brancos diariamente, matando e violando nossas autoestimas e que representam sumariamente as consequências do funcionamento do colonialismo moderno pelas instituições educacionais de Ensino freireano, pelo extermínio populacional-geográfico, em especial jovens negros, em favelas realizado pela Polícia Militar como forma de terrorismo e desmobilização popular e pelo encarceramento em massa e as privatizações de cadeias com trabalhos escravistas na lógica produtiva dos campos de concentração.
O Brasil, então, pode sorrir e continuar operando de forma cínica por meio de nossa democracia racial, apaziguadora de cores, a mais sofisticada colônia dos tempos modernos. Se os brancos portugueses foram capazes de estabelecer o produto ativo de nossa violência sádica e escravista na performance restritiva e violenta do Estado, por meio da polícia, para com os negros, então há um ciclo sem término que nos afoga nessa abordagem terminantemente racial: somos classe e raça desde sempre, a mesma construção histórica e atrelada ao apagamento do protesto negro revolucionário. Se os comunistas, então, estiverem verdadeiramente cientes dessa contradição, seja elaborada a fundo e então compreendida a intensidade com que nosso capitalismo dependente produz um trabalhador negro violentado e violento como estímulo à repressão e à desumanização de suas liberdades por excelência, acredito que estaremos mais próximos da fundição de um movimento abolicionista de negros e favelados para com a Revolução Brasileira.
A pergunta que então fica é: se há evidentemente tantos brancos no quadro político-marxista da UJC Minas, onde estão as demais cores? Que capilaridade política busca a UJC Minas que ainda não foi capaz de se submeter ao proletariado negro e favelado de Belo Horizonte? Haveria então a necessidade de separação de bibliografias entre um movimento-coletivo negro comunista e um movimento comunista (branco), como já acontecia anteriormente? Quem dos senhores irá incorporar a essência da brutalidade e desumanidade nas favelas e reservas indígenas à necessidade de uma violência tão inerente à tensão que sofremos enquanto pessoas pintadas de negro e indígena? Se não há identidades em extermínio, por que certas cores morrem em busca de sobreviver mais do que outras? Se nos “identificamos” como os brasileiros da modernidade, desde então brasileiros, como nasceriam os primeiros brasileiros trabalhadores? De que movimento histórico participaram, eles estavam vivos antes, durante ou depois da Abolição de transição de 1888? São os condenados na violência colonial, capazes a partir dela de se reconhecerem como um coletivo de escravizados e inferiorizados, partindo de perspectivas semelhantes de sua retirada de liberdade, por meio de sua desumanização, segregação e maniqueízação? Quais tipos de abordagem legítimas tem a UJC Minas utilizado para construir uma revolução totalizante pela qual os favelados e negros do Brasil tanto necessitam para serem finalmente vistos como seres humanos? Ou então, a UJC Minas reconhece que há a necessidade de uma segunda Abolição, tão inerente à revolução do proletariado (branco e imigrante) quanto a própria Revolução está associada à destruição da democracia racial e de nossa luta de classes raciais? Que significado a radicalização brasileira tem tomado para si que já não possa ser vista com muito ódio e fervor pelos traficantes de nossos bairros e comunidades? O trabalho pedagógico de nossos representantes deve insistir em absorver o conteúdo da violência e resistência nas periferias, se adequar ao quadro militante do RAP enquanto movimento de vozes que sobreviveram para contar e, a partir de uma educação antirracista, demonstrar a ciclicidade da resistência nas favelas com a existência passada dos quilombos: compor, então, um panorama do processo constitucional da formação desses quadros violentos, legitimar a autodefesa dos camaradas negros marginalizados e produzir substancialmente um levante do povo favelado e negro. Capacitar o povo favelado para reconhecer a resistência dos quilombos na sua continuidade, na sua atualidade, obter a organização de coletivos revolucionários por meio da coesão de violências do passado com as violências do presente: o que espera o negro e favelado, senão a Abolição Revolucionária, a Segunda Abolição?
Recomendo a necessidade de abertura de uma plenária sobre a questão negra-favelada e indígena brasileira, pela unificação bibliográfica dos núcleos junto a reorganização da prática pedagógica na luta antirracista interna da UJC Minas por meio da práxis marxista brasileira. Ensinar antirracismo é ser antirracista, ou há racismo, ou não há racismo dentro de nossa organização! E então, estão os comunistas a favor do colonialismo? Ou contra?