Em meio a abusos, inclusão de pessoas autistas na educação básica do DF não avança
45% das escolas públicas do Distrito Federal relataram dificuldades no atendimento especializado em 2023. Os dados de 2024 não foram atualizados pela Secretaria de Educação.
Por Redação
A situação das pessoas autistas no Distrito Federal expõe uma realidade alarmante de exclusão e descaso. Em junho de 2024, um estudante com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi agredido dentro de sala de aula em Ceilândia, e, em 2023, outro caso semelhante no Guará II resultou em uma condenação judicial. Apesar de possuir condições materiais privilegiadas, devido ao Fundo Constitucional, o DF ainda enfrenta falhas graves na inclusão educacional, com 45% das escolas públicas, 298 de 661, relatando dificuldades no atendimento especializado em 2023.
Enquanto isso, a Secretaria de Educação do DF não atualizou os dados sobre salas de recursos até o final de 2024, mesmo diante de reiterados pedidos via Lei de Acesso à Informação. A falta de formação de profissionais, políticas segregacionistas e matrículas negadas seguem como queixas recorrentes de famílias. Relatos de pais que tentam dialogar com o Ministério da Educação revelam reuniões canceladas e a falta de respostas concretas.
A gravidade do cenário contrasta com as prioridades do governo local, que tem investido em obras milionárias, como viadutos, em detrimento de ações efetivas para inclusão educacional. Além disso, o Fundo Constitucional, essencial para financiar áreas como Educação, Saúde e Segurança, está sob ameaça de cortes devido ao Arcabouço Fiscal, o que pode agravar ainda mais a situação.
A crescente busca por informações sobre autismo, que aumentou 533,3% nos últimos dez anos, reflete o interesse da sociedade pelo tema. No entanto, no DF, a conscientização parece não ter se traduzido em políticas públicas eficazes, deixando as pessoas autistas em um cenário de exclusão e negligência.
Em outra pesquisa, apesar de remontar a 2015, já mostra um grande aumento da presença da temática em matérias jornalísticas da grande mídia. Percebe-se , pelo gráfico abaixo obtido do estudo, que houve mais de dez vezes matérias sobre o TEA em 2012 em relação a 2000.
A presença da temática em fóruns legislativos também cresceu vertiginosamente. De 2019 até março deste ano, foram apresentadas 315 propostas segundo um levantamento realizado pela Agência Pública, além das inúmeras proposições em níveis estaduais, distrital e municipais. Esse fato, e a própria ampliação da visibilidade, são consequências do crescimento da presença e importância de ativistas e de organizações de pessoas no TEA, e familiares dessas pessoas, no debate público, conforme registra Tiago Abreu, um desses ativistas, neste artigo.
Pode ser notado um grande aumento na quantidade de novos diagnósticos de TEA, denominação mais moderna da neurodivergência que se conhecia por autismo, ou síndrome de Asperger, a depender da intensidade de manifestação dos sinais. O volume de pesquisas sobre essa temática tem se elevado, em recente divulgação, um estudo comprova que 1 a cada 30 crianças no Brasil tem TEA, reforçando a importância de maior atenção do grande público sobre essa temática.
Entretanto, ainda são necessários estudos mais conclusivos e abrangentes, uma vez que essa pesquisa foi realizada no município de Coxilha, no Rio Grande do Sul, com apenas 2.731 habitantes. O estudo é considerado inédito no Brasil, com uma metodologia produzida pela própria Universidade de Passo Fundo (UPF), entretanto, ainda é aguardada a sua publicação para reprodução em outras localidades
Esses avanços se devem ao aprimoramento tanto das técnicas quanto dos critérios para o diagnóstico, materializados nas mais recentes edições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais e do Cadastro Internacional de Doenças. Em que pesem esses manuais e os diagnósticos, cumpre esclarecer que a visão mais avançada sobre o que vem a ser deficiência não é focada no indivíduo considerado “deficiente”, mas em sua relação com o meio social, no qual ele se depara com as barreiras a ele impostas. Considerar isso é fundamental para compreender a deficiência como fenômeno social e não individual.
O Parecer 50/2024 do Conselho Nacional de Educação (CNE) traz diretrizes acerca do que deve e o que não deve ser feito para que pessoas autistas encontrem um ambiente escolar em que possam se desenvolver plenamente, dentre as quais se destacam:
- Configura crime recusar a matrícula de pessoas autistas, com altas habilidades ou superdotação ou com deficiência de forma geral;
- Pessoas autistas não devem ser isoladas mas seu convívio com a comunidade e independência devem ser estimuladas;
- As pessoas autistas e suas famílias devem participar das deliberações escolares;
- A pessoa autista precisa ter seu caso particular estudado, compreendido e deve ser alvo de um planejamento pedagógico individualizado, focado em suas características;
- Os profissionais da educação, além de suas formações básicas, devem ter garantida a formação continuada necessária, bem como condições de trabalho adequadas;
- Pessoas com deficiência e pessoas autistas têm direito à atenção de profissionais de apoio específicos quando essa necessidade fica configurada;
- Pessoas com deficiência e pessoas autistas devem contar com tecnologias assistivas quando houver necessidade.
O parecer sintetiza:
“Além disso, [a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - Lei Brasileira de Inclusão] prevê uma mudança de paradigma quanto ao conceito de pessoa com deficiência, cuja caracterização não está mais somente na condição da pessoa, mas, sim, na interação desta condição com as barreiras impostas pela sociedade. Nesse sentido, a deficiência deixa de ser um atributo da pessoa e passa a ser o resultado da falta de acessibilidade que a sociedade e o Estado dão às características de cada um (a deficiência está no meio).”
Em que pese seus limites expressos no voto contrário da conselheira Mariana Lúcia Agnese Costa e Rosa, que possui inserção na temática específica da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, o parecer traz importantes esclarecimentos e orientações acerca do direito à educação das pessoas autistas e como tal direito deve ser concretizado com ações efetivas da família, das instituições de ensino e da sociedade em geral. Trata-se de mais um documento educacional que desenha um cenário ideal que contrasta cruelmente com a realidade material da educação brasileira.
Tal contraste não seria algo desolador se fosse possível notar esforços concretos do Estado, que deve se guiar pelas orientações deste conselho, no sentido de tensionar e transformar tal realidade, tendo esse ideal como guia. Lamentavelmente, não é o que ocorre. Os avanços na temática têm ocorrido quase que na totalidade em termos de normativas, orientações, leis, regulamentações, propaganda, eventos. Avanços que realmente transformam a vida de alunos podem ser notados em ações isoladas, pontuais, e quase nunca sistêmicas, configurando-se como felizes exceções de uma triste regra de violação de direitos.
Avanços regulatórios são de suma importância mas se tornam inócuos, e banalizam-se, quando não se articulam com medidas concretas, configurando uma diferença real no cotidiano da vida de pessoas com TEA. É difícil encontrar no sítio oficial do Ministério da Educação (MEC) programas e políticas efetivas buscando dar materialidade ao que é expresso na resolução.