'Em defesa da atuação nas forças militares: um resgate à história do PCB' (Contribuição anônima)
Uma das características do velho PCB que devemos romper é a aversão absoluta ao trabalho para além da legalidade, em maior ou menor grau de clandestinidade, e a disputa das forças de repressão também pode ter seu valor, no mínimo, para minar a capacidade da repressão burguesa.
Contribuição anônima para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, escrevo esta tribuna polêmica, mas necessaria para a compreensão e manejo das variadas área de nossa sociedade rumo a tomada do poder. Essa tribuna visa desenvolver, esclarecer e apresentar a importancia desta problematica para nossos trabalhos politicos em acirrar a luta de classes e desestabilizar o estado burgues, um fundamento politico-tatico.
Por sermos marxistas-leninistas devemos analisar a totalidade de nossa sociedade, um capitalismo-dependente na periferia do sistema capitalista global, e agir politicamente em todas as esferas desta, para a desestabilização do estado burgues e tomarmos o poder, para aniquilar suas intituições e os pilares de opressão em que a classe trabalhadora brasileira sofre. Lenin expondo sua ideia, em O Que fazer?, fala que os comunistas (social-democratas da epoca) deveriam fazer seu trabalho politico em todos os setores e franjas da classe trabalhadora na sociedade capitalista porque a tomada do poder, a revolução, não é feita apenas com setores específicos da classe trabalhadora e sim com todos aqueles que querem destruir o jugo do capital.
"A consciência política de classe pode ser levada ao operário somente a partir de fora, ou seja, de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre operários e patrões. O único campo em que se pode obter esse conhecimento é no campo das relações de todas as classes e camadas com o Estado e o governo, no campo das inter-relações entre todas as classes." (pg. 95)
"De que o trabalho teórico dos sociais-democratas deve orientar-se para o estudo de todas as particularidades da situação social e política das diferentes classes ninguém duvida.[...] Mas o principal, evidentemente, é a propaganda e a agitação entre todas as camadas da população."(pg. 98-99)
"Do mesmo modo, devemos saber organizar reuniões com representantes de todas as classes da população que queiram ouvir um democrata. Pois não é social-democrata aquele que, na prática, esquece que 'os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimento revolucionário' e que devemos, portanto, expor e destacar perante todo o povo as tarefas democráticas gerais, sem dissimular um só instante as nossas convicções socialistas. Não é social-democrata aquele que, na prática, esquece que o seu dever consiste em ser o primeiro a levantar, acentuar e resolver todas as questões democráticas gerais." (pg. 99)
Ou seja camaradas, o trabalho politico inclusive entre as forças de repressão é necessario para ampliar e potencializar nossa luta para que a a juventude preta periferica pare de morrer, os povos indígenas possam estar em suas terras e não serem expulsos para os interesses dos latifundiários, as greves e as manifestações não sejam brutalmente reprimidas, e utilizar esse trabalho para enfraquecer o estado burguês, imobilizá-lo. Na qual o caráter de vanguarda frente a esses debate deve ser amplamente discutido em nossos meios dentro e fora da militância, porque se somos vanguarda devemos ser em todas as áreas da sociedade, tanto prática quanto teórica.
Podemos conscientizar, através do nosso trabalho, diversas camadas das hierarquias militares e policias em mostrar-lhes que são o principal instrumento de repressão e manutenção do capitalismo, que este instrumento deve acabar, e organizados em nossos partido de vanguarda, eles poderão por exemplo negar a repressão ordenada contra as demandas e movimentações dos trabalhadores frente ao estado burguês, quebrando a unidade hierárquica e fazendo com que os principais meios de repressão da burguesia sejam incapazes de serem utilizados.
A dinâmica racial nesta questão é bem nitida, pois o principal grupo a ser reprimido pelas forças de repressão são a juventude negra periferica, camada essa da qual os soldados e sub-oficias fazem parte. A população periférica e racializada entra nessas intituições por varios fatores como a ideologia de "servir e proteger", mas o mais importante é a estabilidade material de estar em um orgão público militar (em alguns estados da federação a remuneração é consideravelmente boa,chegando a R$4.000,00 e subindo na carreira o salário vai aumentando + os privilegios, principalmente a policia). A dominação racista faz com que a vida do negro esteja sempre precarizada e qualquer ascenção na sociedade, seja ela financeiramente e/ou entrando em instituições, mesmo que em contradição com a repressão aos seus iguais, torne-se uma oportunidade. Assim, o movimento de reprimir a grande massa de trabalhadores e manter tudo como está na sociedade é justificado (ou ignorado) sob uma perspectiva de ascenção social.
Clovis Moura explica esta dinamica:
"O Negro foi obrigado a disputar a sua sobrevivencia social, cultural e mesmo biologica em uma sociedade secularmente racista, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural, politica e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradas e subalternas. Podemos dizer que os problemas de raça e classe se imbrincam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os sálarios dos trabalhadores no seu conjunto." (pg. 215)
Amílcar Cabral fala do “suicídio de classe” para a pequena-burguesia que, e isso também pode ser levado em consideração para as forças de repressão burguesas. Os militares se vêem como uma força que é “diferente”, que dedica sua vida para a “defesa da pátria”; e por terem sua formação voltada nesse objetivo, eles se vêem mais brasileiros que o setor civil, porque o militar estaria dando sua vida pelo seu país e o trabalhador no geral não.
Cabral expoe essa ideia assim:
"[...] A pequena burguesia só tem um caminho: reforçar sua consciência revolucionária, repudiar as tentações de emburguesamento e as solicitações naturais da sua mentalidade de classe, identificar-se com as classes trabalhadoras, não se opor ao desenvolvimento normal do processo da revolução. Isso significa que, para desempenhar cabalmente o papel que lhe cabe na luta de libertação nacional, a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de suicidar-se como classe, para ressucitar na condição de trabalhador revolucionário, inteiramente identificado com as aspirações mais profundas do povo a que pertence."(em Jones Manoel e Gabriel Landi Fazzio [org.], pg. 152-153)
Devemos trabalhar politicamente para que os militares cometam esse “suicídio de classe” ao compreenderem as contradições de suas ações frente a classe trabalhadora, fazendo com que o monopólio da violência estatal burguesa comece a ter rachaduras em sua estrutura, principalmente na contradição entre soldados e sub-oficiais com o alto oficialato. Durante toda a história brasileira um setor que foi brutal e rapidamente perseguido quando havia manifestações para a melhora de sua condição de vida era os soldados e as baixas patentes, especialmente marinheiros. Seu potencial revolucionário, por essa contradição e por possuirem as armas e técnicas para lutarem, foi notado pelos comunistas em todo o mundo, já que poderiam ajudar a derrotar a burguesia com essas técnicas que lhe foram ensinadas em sua formação militar.
Este trabalho politico tem seus desafios, por se tratar de um setor que é totalmente formados com uma percepção de "fora" da sociedade: a burguesia impele sua formação ideológica ao meio militar, onde multiplas formas de ideologia são direcionadas especificamente aos militares. Não irei expor essas formas, mas devemos compreender que os militares e policias ficam de "fora" da sociedade para que os "paisanos" não possam influenciá-los. Ideias subversivas não podem adentrar esse meio, porque se possuirem tais ideias subversivas a burguesia terá enfraquecido seu principal meio de reprimir a classe trabalhadora. Não é à toa que as academia militares e policiais funcionam em sistema de internato e, em alguns casos, distante de cidades metropolitanas.
Darei um exemplo concreto em nossa história sobre o trabalho politico entre militares: o Antimil, Setor Militar do PCB. Não irei explorar aqui a sua organização e as diversas problemáticas com outros aspectos organizativo do PCB, até porque se tratava de um órgão de atuação totalmente clandestina, e houve ampla destruição dos documentos sobre sua estrutura durante a ditadura. Mas lembro também os milhares de amigos do partido e militantes históricos que eram militares nas mais diferentes épocas do Partidão: Luiz Carlos Prestes, Nelson Werneck Sodré, Gregório Bezerra, Agildo Barata, Apolônio de Carvalho, Dinarco Reis, José Maria Crispim, Geraldo Campos, Giocondo Dias, entre tantos outros.
Deveríamos resgata a tese número 30 da III internacional, que tinha seu foco em agitação antimilitarista, propagandas sobre as contradições de classe neste setor juntamente com o restante da classe trabalhadora e buscar formar conselhos (sovietes), organiza-los em sindicatos, associações, etc, para que as demandas desse setor sejam atendidas onde os soldados e sub-oficiais - os mais explorados e que possuem poucos privilegios frente aos oficiais nas condições hierarquicas - possam lutar por suas demandas, e também se tornarem sujeitos ativos na tomada do poder e durante a revolução socialista.
Nosso partido tinha diversos jornais, e desde 1927 haviam aqueles com um caráter de agitprop voltado a setores específicos da classe trabalhadora, inclusive jornais específicos para o setor repressivo do estado burguês, buscando a formação de células comunistas no exército e na Força Pública (“polícia” da época) (Cunha, pg. 291-292)
Foram formadas células do Antimil em momentos históricos diferentes, com praças (soldados) e oficias compondo elas, não mantendo as divisões hierárquicas tradicionais dentro de uma das forças armadas; a exemplo da célula de Canoas, no Rio Grande do Sul. Sobre ela:
“Constituída por 23 membros (3 oficiais, 3 suboficias e 17 sargentos), sua estrutura organizacional, segundo Lima (2012), obedecia ao padrão adotado nacionalmente pelo partido. Em sua leitura, o organismo maior (como se referiu ao Setor Mil) era subordinado à direção geral do setor da aeronáutica, subdividido em organismos que pouco se comunicavam por razões de segurança, cuja composição era de um assistente e entre dois e quatro integrantes, ocupando as funções de secretário Político, secretário de Agitação e Propaganda e secretário de Organização e Finanças.” (Cunha, pg.327)
Também antigamente no período pré-64, o Antimil seguia, em sua maioria, a linha programática do partido, defendendo as principais teses daquela época: a defesa do monopólio estatal do petróleo, ir contra a Guerra da Coreia, a defesa da leis antitrustes, entre outros.
A sua ampliação política fez com que o Antimil tivesse influência em diversas entidades de classe nas forças armadas, como associações, clubes e instituições que em certa medida organizavam este setor para lutarem em ampliarem seus direitos. (Cunha, pg.327)
Um exemplo de ação de solidariedade de militares com civis foi em Santos: numa greve portuária em 1946 em que navios da marinha foram mobilizados para reprimir a greve, um dos contratorpedeiros, o destróier Bracuí, ao chegar na proximidades, teve uma bandeira vermelha içada pelos marujos, indicando aos oficiais à bordo que não iriam obedecer ordens que fossem contra a greve, e que portanto uma revolta poderia começar no navio. Na cidade e no porto o PCB tinha forte influência em sua atuação. (Cunha, pg. 323)
Conclusão
Espero ter com essas curtas linhas trazido um breve panorama do nosso trabalho histórico e da importância geral de se trabalhar também entre as forças armadas, como uma forma de abrir um debate a muito tempo renegado. Uma das características do velho PCB que devemos romper é a aversão absoluta ao trabalho para além da legalidade, em maior ou menor grau de clandestinidade, e a disputa das forças de repressão também pode ter seu valor, no mínimo, para minar a capacidade da repressão burguesa.
Referências:
O que fazer? questões candentes de nosso movimento. Vladimir Ilitch Lênin, 1 edição, São Paulo, Boitempo, 2020.
Dialética Radical do Brasil Negro. Clovis Moura, 3 edição, São Paulo, editora Anita Garibaldi, 2020
Revolução Africana: uma antologia do pensamento marxista, organizadores Jones Manoel e Gabriel Landi Fazzio, São Paulo, editora Autonomia Literária, 2019.
Militares e Militância: uma relação dialeticamente conflituosa, 2 edição revista e ampliada, Paulo Ribeiro da Cunha, São Paulo, Editora Unesp, 2020.