'Elementos para o debate da crise partidária do PCB' (CR da UJC em SC)
É preocupante que o maior poder deliberativo dentro do complexo partidário esteja concentrado num grupo que tem reticências em cumprir a tarefa histórica de um Partido Comunista, tensionando na construção de uma perspectiva tanto identitária quanto inócua de trabalho comunista.
Por Coordenação Regional da UJC em Santa Catarina para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
O seguinte texto foi escrito pela Coordenação Regional da UJC Santa Catarina como devolutiva ao Comitê Regional do PCB Santa Catarina, que havia solicitado um documento informando qual era a posição e avaliação da juventude sobre a crise interna que vivenciamos. Avaliamos que pela necessidade de qualificar esse debate em nível nacional, em consonância com outras contribuições, compartilhar este documento é uma maneira significativa de auxiliar na compreensão das origens de nossa crise e qual é o caminho para a restauração da unidade em nosso Partido: o XVII Congresso Extraordinário do PCB.
Certas alterações foram realizadas em relação ao documento interno, pois este trazia considerações muito particulares de nosso estado que não caberiam ao objetivo desta tribuna. Desejamos uma boa leitura!
Devolutiva ao Comitê Regional do PCB Santa Catarina (24/08/2023)
Iniciamos a devolutiva constatando que entendemos a defesa do Partido Comunista Brasileiro, seu legado histórico e sua linha política como sendo um dos elos principais que nos une.
Como Coordenação Regional entendemos que, embora a crise do Partido Comunista Brasileiro tenha sido acesa de forma mais aparente no início de junho deste ano, a mesma já vinha ocorrendo e demonstrando seus sinais há muito tempo. Na plenária final da Etapa Nacional do IX Congresso da UJC, já ocorriam tensionamentos abertos entre militantes, citando o XVI Congresso do PCB.
Tais tensionamentos causaram estranhamento em nossa delegação, que não estava ciente da crise que escala a tempos, mas já mostravam sinais de estarem em vias de estourar. Desde que a crise começou a ser exposta de forma pública, a mesma parecia ter um desenrolar incerto, tanto em forma quanto conteúdo, com poucas informações disponíveis à militância.
A deflagração expressa da crise se deu através da exposição de questões que envolviam desde a forma como estava sendo conduzida a política internacional do Partido até a forma como estava sendo realizada a efetivação de uma linha político-organizativa a nível regional.
Enquanto o vazamento de informações internas apresenta uma quebra declarada com as políticas que temos estabelecidas para nossa comunicação, entendemos que esse vazamento foi precedido:
- De quebras não-declaradas, por parcela majoritária do Comitê Central, da linha político-programática estabelecida no Congresso do Partido (lembrando que esta está expressa nas Resoluções, de acesso disponível tanto para quem milita nas nossa fileiras quanto à comunidade externa, no site do Partido);
- De quebras não-declaradas, por parcela majoritária do Comitê Central, da nossa forma organizativa, fundamentada pela produção teórica marxista-leninista, oficialmente reivindicada pelo PCB, e suplementada pelas contribuições expostas nas Resoluções de Organização (que são, novamente, disponíveis para livre consulta), esta forma organizativa regulamentada de forma mais objetiva pelo Estatuto;
- Da exaustão, por parcela minoritária do Comitê Central, do debate interno pela defesa das deliberações encaminhadas no último Congresso do Partido, instância máxima partidária à qual o Comitê Central deve ser subordinado (Artigo 29 do Estatuto), e da falta de disciplina política por integrantes do Comitê ao longo dessa disputa.
Permanecemos alheios na Coordenação Regional, tanto a nível de militantes da UJC quanto como militantes partidários (quando é este o caso), a estas movimentações da direção partidária (que também é direção da UJC) que precederam os vazamentos. Avaliamos que tragicamente essas acabaram por atender o princípio do centralismo democrático de prestação de contas do trabalho da direção às bases do complexo partidário, trazendo transparência aos direcionamentos opacos e rebaixados que uma fração dá ao programa e o trabalho político feito pela maioria do Partido.
Importante ressaltar que esta fração, embora majoritária dentro do escopo que tange o pleno do Comitê Central do Partido, destoa gravemente das formulações, visões e orientações políticas produzidas pelo complexo partidário como um todo, sejam estes destilados em células, comitês, núcleos ou coordenações. Tal fração representa, assim, um posicionamento antidemocrático, à direita, e, portanto, minoritário dentro das fileiras de fato revolucionárias do Partidão.
Em nossa compreensão, o vazamento de informações aconteceu através de formas que apareceram para explicitar conteúdos que são de extrema pertinência para a militância do PCB, e infelizmente isso ocorreu pelo esgotamento de canais internos de discussão. O não cumprimento da deliberação congressual das tribunas de debate é um dos exemplos que poderia ter sido efetuado para a liberdade de crítica ser garantida no Partido em sua plenitude, o que não ocorreu.
A resposta imediata da parcela majoritária do Comitê Central a esses vazamentos foi a supressão do debate pelas bases das organizações partidárias (Como constatado pela circular 26 elaborada pela Comissão Política Nacional) e a promoção de um expurgo, iniciado abertamente com a expulsão da minoria daquela instância no dia 30 de julho. Promoção esta irônica se levados em conta os posicionamentos públicos feitos por militantes desta parcela majoritária do CC em espaços fora do partido, especialmente no referente ao centralismo democrático e à indispensabilidade do marxismo-leninismo como referencial teórico-ideológico central para o Partido Comunista Brasileiro.
Se o uso das redes sociais pode ser problemático para um lado, igualmente ele deve ser questionado para outro. Neste momento de crise partidária o que não faltou foi falta de seriedade política para tratar das disputas que vem ocorrendo e que não podemos fechar os olhos, desde declarações de que é necessário "parar de remunerar" donos de redes sociais até insinuações de que partidos aliados buscam financiar uma cisão no partido.
Trabalhamos para que a nossa mediação, com as bases, dessa resposta mantivesse o respaldo do Partido e suas instâncias diretivas, e saudamos o esforço da Secretaria de Juventude Regional em viabilizar essa mediação de forma coerente com as orientações do CC.
Contudo, entendemos que esse esforço conjunto de mediação regional das orientações do Comitê Central não anula o fato que as ações empreendidas pelo mesmo constituíram um aprofundamento das violações congressuais e estatutárias por esse grupo. Numericamente reduzido e minoritário, porém maior detentor do poder diretivo, tais quebras por parte do CC se explicitaram com o personalismo escrachado tomado pelo grupo nas circulares, cartas e comunicados enviados em caráter oficial ao complexo partidário, agindo de forma fracionária frente ao conjunto da militância. Não foram elucidadas as denúncias trazidas publicamente nem as evidências concretas que acompanharam estas denúncias.
O conjunto de posturas e ações que foram tomadas abertamente pelo Comitê Central nesse período já deteriorou significativamente a legitimidade política da instância na condução de seus trabalhos. Essa deterioração tem se agravado ainda mais com a efetivação de sua política nos estados, se valendo do federalismo proposto por essa minoria partidária com alta concentração de poder.
A falta de honestidade na prestação de contas sobre a participação (e o caráter da mesma) na PMAI, refutada até pelas fotos do evento, acabou ficando como só decorrência da exposição dessa participação, sendo que o ato de participar – atividade esta que demandou organização e logística prévia para poder acontecer – já entra em contradição com a linha internacional definida em congresso, fato menosprezado na comunicação oficial. Neste ponto em questão, demonstrando a falta de transparência entre direção e base, foi revelado posteriormente os discursos de membros do CC nestes espaços, onde afirmam categoricamente que seria importante "fortalecer" essas articulações, alheias à nossa atuação no movimento comunista internacional.
A PMAI não se mostrou como única expressão desse fraccionismo de direita dentro do PCB, abusando da sua atribuição diretiva enquanto viola a democracia interna, levando posições minoritárias como sendo consenso.
Podemos trazer questões nacionais como o reboquismo com o campo democrático popular, e ver sua expressão no nosso local na orientação de participação no ato de 14 de setembro em 2022, ato convocado como alternativa de apassivamento frente à disputa política das ruas que estava dada para o Grito dos Excluídos. Diversas das tarefas que cumprimos com bastante esforço, porém com estranhamento quanto ao sentido estratégico, nos últimos anos em Santa Catarina, agora entendemos que estavam entrelaçadas nesse esforço do grupo fracionário pelo rebaixamento da nossa linha, pelo desmonte da nossa independência política e pela atenuação da demarcação da nossa diferença programática com os sociais democratas e sociais-liberais.
Vemos uma falta de compromisso, que se tornou em diversos momentos sabotagem dissimulada, por parte deste grupo fracionista em efetivar as deliberações congressuais direcionadas ao avanço político-organizativo do nosso Partido como partido de vanguarda do proletariado brasileiro.
Achamos muito curioso que muitos dos encaminhamentos congressuais que abarcam questões importantes para o aprofundamento qualitativo e quantitativo do nosso trabalho, presentes não só na tradição organizativa leninista, mas também no próprio trabalho histórico do Partido Comunista Brasileiro, foram colocados em baixa prioridade de efetivação por parte do grupo fracionário de direita que domina o Comitê Central. A prioridade foi dada para fazer a manutenção da “cultura política” do setor universitário, permeadas fortemente por concepções pequeno-burguesas de organização política.
Tivemos questões como a cotização progressiva e, como ressaltado anteriormente, as tribunas de debates que não foram implementadas desde o XVI Congresso do Partido. Enquanto isso, a UJC encaminhou a sua em poucos meses após o IX CONUJC, o que só explicitou que a demora do grupo fracionista do CC em encaminhar essa questão não foi à toa.
A atuação da Coordenação Regional de Santa Catarina nos últimos anos, de profissionalização do seu trabalho político e aprimoramento da sua capacidade organizativa, explicitou que diversas questões que aparentavam ser “o jeito que as coisas são” ou a “forma que o Partido se organiza”, na verdade eram apenas a expressão concreta da defesa apaixonada da artesanalidade feita por essa minoria direitista.
É preocupante que o maior poder deliberativo dentro do complexo partidário esteja concentrado num grupo que tem reticências em cumprir a tarefa histórica de um Partido Comunista, tensionando na construção de uma perspectiva tanto identitária quanto inócua de trabalho comunista.
Vemos no nosso estado como o informalismo, o servilismo, o apadrinhamento, o coleguismo e o reboquismo permearam nossa vida política, ao ponto das diretrizes normativas do nosso trabalho (expressadas nas Resoluções do Partido e no Estatuto) se tornarem elemento de menor peso se comparado à “cultura política” firmada em menos de duas décadas de militância. O entendimento particular de indivíduos acabava por ter mais peso político-organizativo e menos abertura de discussão que o que literalmente foi deliberado pela maioria como sendo a linha que devemos seguir.
E compreendemos que a problemática desta questão não está somente nas bandeiras que disputamos e suamos, mas na falta de cuidado e respeito com a militância e com o que deve ser consenso quanto à moral revolucionária que apoia nosso trabalho.
Não somente tivemos muites militantes da UJC-SC que quebraram em decorrência da contradição entre a nossa linha político-organizativa e a forma mesquinha que o trabalho é organizado pela direção partidária, mas também tivemos o trabalho de superar o cerceamento do debate aberto nas instâncias adequadas que aparentava ser uma questão local, mas cada vez mais se evidencia como nacional.
Os resultados da nossa ação, enquanto direção da UJC-SC, visivelmente se aprimoraram quando superamos a forma viciada, personalista e rebaixada que caracteriza o debate feito segundo a “cultura política” do partido. A relação entre células e instâncias de base dos coletivos é repetidamente posta aqui no estado de forma antagônica às deliberações congressuais, especialmente os pontos 19. e 114. das Resoluções de Organização do XVI Congresso. A divergência e discussão dessas questões não se iniciou nos últimos meses, mas sua supressão ficou mais difícil de manter.
A aplicação na práxis da CR UJC-SC do marxismo-leninismo, de acordo com a base teórica reivindicada formalmente pelo PCB, e da linha político-organizativa tirada tanto pelo PCB quanto a UJC em congresso, apenas trouxe firmeza e qualidade pro nosso trabalho, evitando também desgastes e entraves fúteis, decorrentes do rebaixamento ideológico posto nessa “cultura política” supracitada.
Não avaliamos como saudável, entendendo que o ônus disso se deposita no PCB, que a UJC se encontra num nível de profissionalização militante maior que o PCB nas mais diversas áreas, podendo ser citadas as seguintes:
- Políticas de formação de quadros, expressa no nível médio de unidade ideológico-política do conjunto da nossa militância comparado ao de militantes partidários;
- Estrutura de comunicação interna e assistência, evidenciada pela debilidade de centralização efetiva aparente em diversos momentos;
- Capacidade organizativa num geral, expressa no trabalho com os recrutamentos, na agitação e propaganda, no planejamento e divisão do trabalho em atividades de forma geral;
- Na unidade política com a linha partidária, expressada nas análises de conjuntura, nos balanços, nas notas, etc.
Entendemos que um fator central nesse desnível de profissionalização decorre do espírito geral proposto pelo grupo fracionista para a atuação comunista, que inclusive reforçou e reforça uma visão mistificada da atuação partidária que intimida a militância dos coletivos da entrada nas fileiras do Partido, evitando que esses acúmulos teóricos e práticos sejam incorporados pelo PCB.
Uma prática que está colocada nesse desnível é a importância que foi construída na dimensão consultiva da direção com as bases dirigidas, e entendemos que as posições trazidas aqui, são fundamentadas na posição majoritária do estado, já que realizamos uma plenária para tal.
A plenária estadual que ocorreu no dia 06/08/2023 foi realizada em consonância com nosso estatuto e resoluções, bem como, nossas linhas organizativas.
A convocatória da plenária se deu de maneira acelerada devido ao caráter emergencial do debate, contudo, com o agravamento da crise e as mudanças repentinas na conjuntura criou-se uma situação na qual era impossível nos ausentarmos de realizar o debate com a maior urgência possível e com toda a militância de Santa Catarina.
Apesar da convocatória em caráter de urgência, em Santa Catarina os núcleos já estavam recebendo orientações para realizar o debate por meio de circulares enviadas anteriormente. As orientações e textos enviados nas circulares fizeram com que os núcleos já possuíssem os elementos para a realização do debate anteriormente à convocação da plenária.
Assim, o espaço contou com a presença de cerca de 70% militantes orgânicos presentes no estado de Santa Catarina, representando um espaço com amplo aceite e participação das bases do nosso estado. Entendemos que o debate realizado na plenária foi extremamente qualificado, com profundidade nos elementos que compõem a crise partidária. No espaço vimos nossa militância demonstrando seriedade, maturidade e comprometimento diante do debate e da conjuntura.
Assim, fica evidente que a plenária se concretizou como um espaço legítimo e amplo de debate qualitativo entre a militância estadual da UJC. Como Coordenação Regional, é nosso dever respeitar a posição das bases e afirmar que os debates realizados no espaço, bem como os debates que são realizados nos núcleos e repassados para nós, respaldam nossa posição nessa devolutiva.
De maneira direta, não abriremos mão da defesa da realização do XVII Congresso do PCB enquanto meio de restaurar a unidade partidária. Esta foi a deliberação de diversos núcleos da UJC em Santa Catarina, foi a deliberação de nossa plenária estadual e é o entendimento mais adequado para tratar dos graves problemas que nos acometem. Avaliamos que a construção deste processo não será algo do dia para a noite, nem será feito a partir de receitas prontas, mas é este o processo que precisa ser realizado para que nosso Partido retome a unidade.
Entendemos que o momento atual exige de nós a seriedade e a dignidade revolucionária de nos manter firmes em nosso propósito: a construção da revolução comunista em nosso país. E para isso precisamos fazer mais e melhor, aceitar a responsabilidade histórica que carregamos diariamente, com consciência e entendimento do que estamos fazendo e como estamos fazendo.