'Eleições para que?' (Ângelo Santos)

Minha posição é que nossa intervenção precisa ser a mais abrangente possível, desde a formulação de documentos que analisem a realidade local, ou apoio à candidaturas e até mesmo a tão debatida filiação democrática que deve ser formulado de acordo com a particularidade de cada local.

'Eleições para que?' (Ângelo Santos)

Por Ângelo Santos para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Na esfera municipal é aplicada políticas públicas que interferem diretamente no cotidiano dos trabalhadores. Sobretudo, os eixos mais relevantes e que são mais atacados: a rede municipal de ensino (educação básica), Unidades de saúde de Pronto Atendimento e Unidades Municipais de Saúde e transporte público, que por coincidência ou não, eixos que possuem sindicatos atuantes no Brasil inteiro. Na capital onde eu resido, Natal/RN, por exemplo, o prefeito Álvaro Dias (REPUBLICANOS), atacou incessantemente esses eixos durante seus quase 8 anos de mandato. Em conluio, a câmara municipal de Natal possui 30 vereadores, dos quais apenas 4 ou 5 constituem algum tipo de oposição à gestão. Vale ressaltar que a intervenção do campo revolucionário em Natal é muito tímida, com exceção da UP/PCR com o MLB e as ocupações urbanas e o PSTU que constitui uma boa atuação nos sindicatos de relação com os eixos acima citados.

Os partidos e organizações revolucionárias ainda possuem uma baixa intervenção na realidade concreta nas capitais do Brasil. Isso se torna mais agravante nos municípios dos interiores. Porém, esta esfera interfere diretamente na melhoria ou piora das condições de vida dos trabalhadores. Para além disso, é um espaço propício para apresentar uma alternativa à política tradicional já que é possível estar vinculado à institucionalidade e às lutas cotidianas. Um agente da política institucional é alguém que pode ou não estar presente nas demandas corriqueiras que a população proletarizada necessita. Esta presença pode significar um apoio direto a conscientização política e auto organização dos trabalhadores, como também apontar que o caráter do comunista dentro deste espaço difere dos demais, já que seu compromisso não se encerra dentro de um púlpito. 

Eleger um militante comunista deve significar uma interferência direta no cotidiano da luta de classes do município, é o espaço propício para colocar a visibilidade e o trabalho de um agente da institucionalidade burguesa à serviço da militância revolucionária. Além disso, existe a possibilidade do uso de emendas impositivas para o financiamento das mobilizações populares a fim de radicalizar e qualificar as ações advindas da classe trabalhadora organizada.

É nos âmbitos municipal e estadual da discussão econômica e política que há uma oportunidade de debater a correlação entre o cenário geral e o particular. Como a política do governo federal afeta positiva ou negativamente a vida da população nos estados e municípios, ou como o governo estadual também interfere nisso. É também papel dos comunistas dentro da institucionalidade burguesa denunciar os limites do espaço que se está incluído, apontando figuras e ações que reforçam essas limitações.

Neste ano de 2024, teremos eleições em todos os municípios do Brasil. O nível de politização vem decaindo ao decorrer dos anos, principalmente em períodos eleitorais, e neste ano decairá mais do que nunca, tendo em vista que temos uma grande parcela do espectro de esquerda comprometido acriticamente com o governo federal e em vários estados com o governo estadual. Será uma chuva de promessas rebaixadas e estelionatos eleitorais sem debater as questões fundamentais que afeta todo o executivo, como a política de austeridade fiscal, a não revogação das contrarreformas desde o governo Temer, a não revogação das privatizações das empresas públicas e num geral: o avanço da política neoliberal proposto pelo governo Lula através de um entreguismo da gestão pública para a iniciativa privada. Camaradas, nós temos a oportunidade de ampliar discussões fundamentais que estão sendo propositalmente sendo abafadas, esta oportunidade perpassa o momento eleitoral, momento esse onde as pessoas estão ávidas por debater as desgraças de nossas vidas dentro do capitalismo.

Por isso, é preciso que haja uma contraposição ao que está petrificado no debate político na esfera municipal. Na maioria das cidades este debate, no que se refere às candidaturas a prefeito, acontece de forma rebaixada politicamente e pessoalizada entre figuras “tradicionais” que estão discutindo quem deu mais ou menos migalhas de infraestrutura para a cidade, sendo comum essas mesmas figuras serem herdeiras de sobrenomes oligárquicos.

Segundo o TSE e Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários da UFPR, em 2020 os candidatos de direita elegeram 4.473 prefeitos (81,9%), os candidatos considerados de centro elegeram 190 (3,5%) e os considerados de esquerda elegeram 800 (14,6%), sendo considerado os partidos de esquerda PSTU, PCO, PCB, PSOL, PCdoB, PT, PDT e PSB. Se fizermos um recorte dos partidos de "oposição de esquerda" nós temos apenas 5 candidatos eleitos pelo PSOL, sendo o mais relevante o prefeito Edmilson Rodrigues, de Belém (PA), que segundo pesquisa do AtlasIntel possui 88% em desaprovação. O resultado eleitoral nos aponta que é necessário preencher os espaços eleitorais com um discurso radical, revolucionário e comunista. Que é preciso contrapor o fascismo e a extrema direita, mas que não dá para seguir de mãos dadas com o neoliberalismo, já que não dá nem para contar nos dedos há quanto tempo foi a última experiência verdadeiramente popular de um mandato executivo. As eleições municipais de 2020 mostraram que a direita sequestrou a maioria dos municípios do Brasil, mesmo em meio a maior figura de direita estar com alto índice de reprovação, e que a situação tende a piorar no ano de 2024 após o governo federal encher os bolsos dos deputados de emendas parlamentares. É evidente também que os partidos sociais liberais não possuem tanta relevância no âmbito municipal, especialmente nos interiores, e quando há relevância é recheada de grandes acordos locais que só reforçam a agenda liberal.

A participação dos comunistas nas eleições é fundamental para ampliar o alcance da agitação e propaganda e denunciar as limitações da democracia burguesa, mas acredito que sobretudo é uma oportunidade pedagógica de compreendermos com acuracidade quais as contradições estão mais expostas no âmbito mais próximo possível de trabalho da nossa militância. É durante a campanha eleitoral que temos uma abertura maior de haver debate político em uma ocupação urbana, ou de criarmos uma relação mais próxima com sindicatos da rede municipal de ensino público, ou de chegarmos para conversar com os trabalhadores da saúde de uma UPA. É fundamental que esse trabalho não se limite aos momentos eleitorais, isso precisa ser uma preocupação diária para todos nós. Porém, é inegável para qualquer um que já teve experiência em campanha de rua que as pessoas estão ávidas por falar dos problemas que as assolam todos os dias na cidade. É incontestável que um sindicato da rede municipal de ensino queira um aliado de lutas comprometido com as reivindicações da sua classe e categoria depois de 4 anos de uma gestão direitosa que ataca a educação todos os dias.

 Também segundo o TSE, em 2022 obtivemos durante as eleições o número de abstenções de mais de 31 milhões de pessoas (20% dos eleitores), sendo essa a maior porcentagem desde 1998. Esse dado precisa ser para nós alvo de muita atenção. Vejam, se nós repetimos tanto que é preciso resgatar o sentimento anti sistêmico da população que foi cooptado pela extrema direita, então perpassa resgatarmos essa parcela significante da população para o nosso lado. Resgatar para o nosso lado não é transformar todos em potenciais eleitores para conseguirmos preencher as câmaras municipais de militantes comunistas. Apesar de ser importante, só é relevante se estiverem convencidos de que é necessário uma revolução socialista para o futuro do Brasil.

A priori, acredito que não devemos nos iludir com a conquista de cargos institucionais. É nossa obrigação intervir no processo eleitoral. A intervenção precisa ter como princípio uma análise cautelosa da realidade econômica e política (institucional ou não) da região, com o desenvolvimento de plataformas políticas que debatam publicamente o que pensamos e como queremos intervir naquele espaço. A partir desse acúmulo feito é que podemos pensar em apoiar ou não, de forma crítica ou não, algum candidato. Por óbvio, camaradas, é preciso de cuidado para que não sejamos vinculados a candidaturas de partidos que escancarem o seus descompromissos com a classe trabalhadora. Porém, muito mais importante que a legenda eleitoral é o programa político, as suas defesas, o seu histórico lado às ações de militância e movimentos sociais. Não é acertado esperar que partidos como UP, PSOL e PSTU desenvolvam uma concordância integral conosco para que aí possamos debater apoiá-los em candidaturas. Se julgamos incorreto o antigo PCB ter uma relação monogâmica eleitoral com o PSOL, considero tão incorreto tanto ter uma relação completamente antagônica a qualquer dos três partidos, seja eleitoralmente ou nas lutas cotidianas. É preciso construir a noção de apoio eleitoral com as devidas divergências e críticas escancaradas, mesmo que esse apoio seja convertido em trabalho prático político e eleitoral, assim como também é preciso que o nosso apoio seja convertido em interferência prática no programa, mobilizações e caso seja eleito.

Uma candidatura comunista para vereador e/ou prefeito deve debater, denunciar e apresentar resoluções para os problemas que a classe trabalhadora enfrenta. Esta candidatura não pode ter o caráter mais comum entre as candidaturas de esquerda de que é possível reformar o capitalismo. Por outro lado, é fundamental apresentar que o trabalho dos comunistas dentro deste espaço institucional é ser intransigente com as figuras e ações que vão de encontro aos interesses dos trabalhadores e um inegociável compromisso com as demandas que estaremos encontrando no contato cotidiano com os movimentos sociais. Além disso, nossa militância que estará disposta a encarar esta tarefa, precisará estar vivendo quase que onipresente nas diversas movimentações políticas da cidade que tenham relação com a nossa tática e estratégia. Isso é fundamental para romper com a figura tradicional do político carreirista de gabinete e escancarar o que realmente interessa para os revolucionários.

Com isso, camaradas, reafirmo que a intervenção nas eleições municipais de 2024 é a obrigação de todo militante revolucionário comunista e de toda organização revolucionária. O papel pedagógico para a nossa militância e a produção dos acúmulos necessários dos espaços que estamos inseridos para a intervenção da organização na realidade são aspectos fundamentais para levarmos isso adiante. Além disso, é crescente o preenchimento do fascismo e direita tradicional nas eleições municipais, a população é envolvida dentro do processo eleitoral sem ter a oportunidade de ser apresentada uma alternativa radical e revolucionária para o seu município, estado e país.

Deixo claro que minha posição é que nossa intervenção precisa ser a mais abrangente possível, desde a formulação de documentos que analisem a realidade local, ou apoio à candidaturas e até mesmo a tão debatida filiação democrática que deve ser formulado de acordo com a particularidade de cada local, levando em consideração o impacto que tais ações irão causar no desenvolvimento da nossa questão organizativa, processo eleitoral e para o potencial de auto organização dos trabalhadores.