EaD cresce no ensino superior privado e deve ultrapassar matrículas presenciais
Modalidade é a única oportunidade de acesso ao ensino superior para milhares de brasileiros, mas entrega formação de má qualidade e notas baixas em avaliações do MEC.

Por Redação
O número de matrículas de educação a distância (EaD) no ensino superior deve ultrapassar a modalidade presencial em 2025. É o que apontam os dados do último Censo da Educação Superior, realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e divulgado em outubro do ano passado.
Os números demonstram que dos 9,9 milhões de estudantes no ensino superior no Brasil em 2023, 4,9 milhões estavam na modalidade a distância e 5,06 milhões no modelo presencial, diferença de apenas 150.220 matrículas.
Além disso, a pesquisa também mostra que o crescimento do número de estudantes no EaD ocorre ao mesmo tempo em que há diminuição dos matriculados no presencial. Entre os anos de 2022 e 2023, o Inep observou uma queda de cerca de 49 mil vagas presenciais, enquanto o ensino a distância cresceu com quase 600 mil vagas.
“É bem provável que no ano que vem essa curva [de matrículas presenciais e a distância] vai se cruzar, a se manter essa tendência”, explicou o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Moreno, durante a apresentação do Censo, em 2024.
Considerando as vagas presenciais e a distância, a pesquisa apontou que o setor privado foi o responsável pela oferta de 95,9% das oportunidades de ingresso no ensino superior, contra apenas 4,1% da rede pública.
Por que o ensino a distância cresce no setor privado?
A atuação gestão do MEC atribui o crescimento dessa modalidade de ensino ao Decreto nº 9.057, assinado em 2017 pelo governo golpista de Michel Temer (MDB). A norma permite que instituições de ensino superior criem polos de educação a distância sem consultar o Ministério da Educação, e já no ano seguinte à publicação, as vagas disponíveis para o EaD ultrapassam as presenciais.
Para tentar remediar a oferta desenfreada de graduações EaD, o MEC aprovou, em maio de 2024, uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que determina que cursos de licenciatura em EaD devem oferecer, no mínimo, 50% das aulas de forma presencial.
A decisão foi tomada porque são nos cursos de formação de professores que o ensino a distância mais cresce. De acordo com o Censo, 67% dos matriculados em licenciaturas estão em cursos a distância e 81% dos estudantes têm ingressado nesse tipo de graduação.
Já para 2025, o Ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou que o presidente Lula (PT), publicará, até fevereiro, um decreto [1] [2] para regulamentar a educação a distância no ensino superior, sem detalhes sobre as normas.
O que a pasta da educação não considera, no entanto, é a facilidade logística, os preços baixos nas mensalidades, a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência (PCDs) em cursos presenciais e o desinvestimento na educação pública presencial.
Para universitários que têm pouco tempo para estudar, por trabalharem em jornadas como a 6x1 e/ou por cuidar dos filhos, por exemplo, o ensino privado e a distância aparece como uma oportunidade para a conquista de um diploma de ensino superior, já que em instituições públicas presenciais as políticas de permanência estudantil, como bolsas, auxílios, restaurantes, moradias e creches são insuficientes e, por vezes, nem existem em alguns campus. Há, ainda, aqueles que vivem em regiões onde não existe oferta de cursos presenciais.
Tudo isso a preços muito baixos, que só podem ser oferecidos por instituições que não oferecem uma boa estrutura ou um número suficiente de profissionais qualificados, e atraem os estudantes mais pobres, que buscam, muitas vezes, o ensino superior como forma de melhora na qualidade de vida.
De acordo com a edição de 2022 do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), 35% dos estudantes de cursos presenciais possuíam renda familiar superior a 4,5 salários mínimos, enquanto na modalidade EaD, a proporção era de 24%.
É possível garantir a qualidade do ensino EaD privado só com regulação?
A avaliação feita pelo Enade sobre a qualidade da educação superior atribui conceitos de 1 a 5 em diferentes tópicos. Na edição 2022, 48,7% dos estudantes avaliados eram concluintes de cursos EaD, e na apresentação dos resultados, o MEC apontou que “em algumas áreas de avaliação, como ciências econômicas e relações internacionais, há grande concentração nos cursos EaD com conceitos 2 e 3”. Já considerando cursos presenciais e a distância, 853 mil matriculados em universidades privadas conseguiram alcançar apenas o conceito 2.
Durante a coletiva de divulgação dos dados, que ocorreu em outubro de 2023, Camilo Santana deu indícios sobre as regulações que sua gestão pretende aplicar para a EaD: “O sinal de alerta para alguns cursos já está vermelho e precisamos corrigir isso. Ninguém corrige, ainda mais na Educação, com toque de mágica ou do dia para noite. O papel do MEC é de coordenar, avaliar e discutir. Precisamos discutir juntos e construir os caminhos para corrigir essas distorções”.
Ainda que alegue uma tentativa de melhorar a qualidade do ensino a distância em instituições privadas, o MEC esbarra no lobby das empresas de educação, que farão de tudo para manter a estrutura educacional precária, sem diminuir suas taxas de lucro.
Para se ter noção, o último Censo da educação superior também revelou que há uma média de um professor para mais de 170 alunos em EaD nas instituições particulares. Dessa forma, qualquer investimento exigido do setor, resultará no aumento das mensalidades e no consequente endividamento e evasão dos estudantes.
Educação pública deve ser prioridade
No impasse entre MEC e instituições privadas sobre o ensino a distância, o EaD em instituições públicas, que pode funcionar como medida paliativa enquanto a expansão e o investimento financeiro necessários ao ensino público presencial não são suficientes, fica de lado.
Atualmente, a Universidade Aberta do Brasil (UAB), programa de EaD da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), oferece 168.580 vagas, número menor do que as 264 mil que já foram oferecidas nos anos 2010, devido ao desinvestimento que começou a partir de 2016. “É necessário reconhecer o trabalho comprometido desenvolvido por muitas instituições de ensino superior públicas, que levam educação de qualidade aos rincões do país”, afirma Ana Lara Casagrande, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em entrevista à Revista Pesquisa Fapesp.
E no ensino presencial da rede pública, que é capaz de oferecer com qualidade todos os cursos de graduação que são vetados no EaD — como medicina, direito e odontologia, por exemplo — e garantir auxílio financeiro, de cuidado, alimentação e moradia, além de projetos de pesquisa e extensão nas áreas de estudo, o descaso é o mesmo.
Das vagas disponíveis no ensino superior, segundo o Censo de 2023, apenas pouco mais de 1 milhão são de instituições públicas, número que representa 4,1% da oferta, contra 95,9% da rede particular. Já os dados do Observatório do Conhecimento, grupo formado por professores universitários de todo o país, mostram que o investimento federal para ensino superior e ciência diminuiu R$ 117 bilhões entre os anos de 2014 e 2024.