'É possível frear o colapso climático? O que o Acre tem a dizer' (Kauana)

Essa não é exclusivamente uma pauta dos campos. É importante lembrar que os povos indígenas não se resumem a povos da floresta, vivem na extensão de todos esses biomas tendo vegetação ou não, sofrendo perseguição e genocídio por serem os últimos a resistirem a fronteira do capital.

'É possível frear o colapso climático? O que o Acre tem a dizer' (Kauana)

Por Kauana para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Nossa luta pela terra
Foi de guerra
Tanto sangue derramado
Em vão
Confiamos na existência
De Tupã
Recobramos nossa vida
Em nossos dias de amanhã

(Hélio Melo)

No último ano a questão climática foi tratada de maneira alarmista e apocalíptica devido o planeta ter registrado os maiores índices de temperatura já vistos. Essa pauta esteve sendo reivindicada pelo viés de uma certa ecologia liberal, preconizada no Brasil pelo Partido dos Trabalhadores, Partido verde e posteriormente a Rede sustentabilidade.

Os sociais-democratas começaram a pautar a ecologia no Brasil em um período de 40 anos, principalmente, depois das ‘abordagens científicas’  que colocavam a amazônia como o pulmão do mundo, coadunando com a morte de Chico Mendes e o ressurgimento de uma figura dele preconizada pelo Partido dos Trabalhadores.  É notória que essa ecologia é voltada quase exclusivamente para um único bioma, que preserva ainda a maior parte de sua floresta. Porém, esse texto não pretende se atentar a esses pormenores, que também são significativos, mas pretende tratar sobre o quanto o cerne do movimento ecologista  o faz incapaz de lidar com a questão climática e que isso se apresenta também no novo governo Lula. Além disso, meu objetivo é trazer acúmulos históricos do Acre que foi palco das maiores lutas chamadas socioambientais das últimas décadas e que podem nos fazer refletir qual o papel dos comunistas frente a emergência climática. Esse texto também não pretende dar respostas a uma situação complexa, mas evidenciar a necessidade de uma ação imediata.

A AMAZÔNIA

O desenvolvimento capitalista da Amazônia se iniciou ainda no século XIX com a produção da borracha. O fim desse mesmo século foi marcado por um crescimento significativo  de exportação,  intensificado por uma espécie de ‘marcha para o norte’. As populações originárias desse espaço foram escravizadas ainda no século XVII com a exportação das drogas do sertão, mas se têm registros de populações saqueadas e feita escravas no início do século XV. Esse modo de trabalho continuou no século XIX com a continuação da produção de látex. Essa produção atendeu as demandas da revolução industrial, as materias eram levadas para a Inglaterra. Durante esse período, outra forma de mão de obra escravista surgiu: a de pessoas nordestinas  que migravam para o norte refugiadas da seca, e se viam forçadas à extração de borracha, como a única forma de renda.

Esse território colonizado e devastado pela parte pomposa da Europa corresponde a 45% do território nacional, porém sua formação e seu modo de produção não é lembrada nem nas teses do nosso antigo partido e nem nos “rascunhos” das teses do partido atual. Mas não falaremos de federalismo nesse texto, vamos seguir!

AQUIRY

Um território culturalmente boliviano[1] que hoje é conhecido por Acre não se industrializou no século XX, mas enriqueceu e ajudou a industrializar Belém e Manaus e outras regiões. Esses estados chegaram a ser responsáveis por 40% do valor total das exportações do país. Manaus e Belém estavam  entre as cidades mais desenvolvidas no país ainda no primeiro ciclo. O fato é que, como diz minha camarada Sara: “se não fosse a economia do ouro branco,  regiões inteiras e cidades industrializadas do Brasil não seriam como conhecemos hoje e algo teria acontecido com a revolução industrial”, parece que os pneus moveram alguma coisa.

Entrou em crise esse primeiro ciclo em meados de 1910. E no segundo ciclo da borracha, veio as “rodas” para a Segunda guerra. Os povos nordestinos, principalmente do estado do Ceará (no caso Acre), continuaram a imigração rodeados pela promessa de prosperidade e viviam em uma espécie de semi escravidão, de maneira que eram impedidos pelos seringalistas até mesmo de plantar nas terras.  Esses seringalistas exploravam os seringueiros e eram subjugados pelas casas aviadoras que enviava a borracha aos exportadores. A região do Acre era tão explorada  que até então não era reconhecida como Estado, mesmo que a burguesia nortista tenha tido louvor na sua disputa  de território com a burguesia boliviana.

A ocupação das terras foram sofrendo alterações durante as crises econômicas. Se findou o primeiro ciclo, os seringalistas deixavam os seringais, aí desses seringais os trabalhadores permaneciam e formavam suas  colocações[2].  No segundo ciclo novamente aumentaram esses latifundiários que tomava posse de terras da união e terras indígenas.

E tudo isso, eu disse apenas para afirmar que o capitalismo é traiçoeiro, na verdade, a contradição que nos laça. Esse sistema existiu muito bem com a floresta em pé, e com essa floresta em pé também existia a escravidão e todos os algozes do sistema capitalista.

Vale lembrar que o maior número de destruição ambiental na Amazônia é o desmatamento e queimadas, ainda que exista fortemente a mineração, o garimpo, a exploração de gás e petróleo, a construção de indústrias e hidrelétricas que desestabilizam os rios e a poluição. Assim,  as mudanças climáticas abruptas na região e no país em sua totalidade são resultados dessas diversas degradações em menor ou maior grau. 

Na amazônia, a perca da vegetação natural ocorreu fortemente durante o período da ditadura militar com a ideia de desenvolvimentismo[3] e integracionismo, o lema “integrar para não entregar” e a construção das rodovias. Nesse período, no Acre, os militares intensificaram uma nova forma de produção: a pecuária intensiva, que além de expulsar os seringueiros de suas colocações para formar os latifúndios, degradava as florestas. O governo militar propagandeou a região para que fosse habitada por pessoas do sudeste e do sul, a região foi vendida pelo governo como “a última ‘fronteira’ do desenvolvimento onde era possível prosperar”[4]. Com isso, também chamou a atenção de pessoas empobrecidas, sem terras, vindas de diversas regiões do Brasil que diferentes dos tidos importantes não tiveram a posse de terras facilitadas.

O terror veio com os seringalistas vendendo os grandes seringais, mesmo com as famílias de seringueiros morando lá dentro. 

Em 1962 é criado as Ligas Camponesas no Acre  que pautavam principalmente a Reforma agrária. Em 1975, é  fundado o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia. E em 1977, é fundado o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri. Por volta de 1978 surge a teologia da libertação no estado. Nesses territórios, a maioria das lideranças foram formadas e alfabetizadas pelas pastorais e Comunidades Eclesiais de base. E esses sindicatos foram palco das mais importantes lutas dos extrativistas.

Intensificou a luta e repressão na região do Alto Acre. Em 1980,  é formada  a Aliança dos povos da floresta  (extrativistas, ribeirinhos, indígenas e camponeses). Nesse ano, é assassinado o primeiro presidente do sindicato de Brasiléia, Wilson Pinheiro, que teria mais tarde sua morte vingada por trabalhadores que matam o capataz da fazenda que possivelmente havia executado o líder sindical a manda de um latifundiário. Isso leva  a prisão de vários trabalhadores e intensifica o medo e o terror dos líderes sindicais que estavam sempre na mira. A segunda pessoa a presidir o Sindicato de Xapuri foi Dercy Teles[falas dela nas notas], que se tornou a primeira mulher a presidir um sindicato de trabalhadores na Amazônia e a segunda do Brasil. Vale lembrar que a tática dos trabalhadores para segurar suas terras eram realizar mutirões para fazerem o Empate, uma forma para impedir as derrubadas e o roubo de suas terras. Durante esses atos era comum os trabalhadores serem presos. 

A amazônia é mistificada desde a época do mito do Eldorado, parece que a panema não saiu desse território. E os que olham para cá com seus olhares de misericórdia que dizem: “alguém salve a amazônia” não consegue entender que o inferno também é verde e só há ‘Deus e o homem’. A questão é que a esquerda,  os liberais e eles misturados só lembram da floresta e esquecem  quem nela habita. Lembram dela, mas nem sabem que nela, mesmo estando “conservada”, permanecia a negação de territórios e escravidão. Os povos indígenas fugiam das beiradas dos rios para não serem massacrados com a borracha. A esquerda estaria feliz com qualquer coisa se o capitalismo tivesse permitido(aqui ele como um ser) a floresta em pé. Porém, o caos é a ordem do sistema.

Os trabalhadores da floresta tiveram grandes vitórias a partir da década de 90, como a construção de escolas próprias, cooperativas, conselhos, acesso à saúde e o reconhecimento da Reserva Extrativista que foi batizada com o nome de Chico Mendes assassinado em 1988. A Resex foi uma reforma agrária diferente de qualquer outra no Brasil, sendo a primeira no mundo, que foi pensada propriamente por esses camponeses da floresta.

Com o declínio da economia do ‘ouro branco’, os seringueiros foram obrigados a diversificarem ainda mais sua produção, incluindo a criação de boi, produzindo ainda mais  “roças”[5]. Mas muitos tiveram que vender suas terras que foram compradas por latifundiários ou camponeses com outra construção cultural. Com o passar dos anos 2000 suas escolas foram sendo institucionalizadas e perdeu a perspectiva de educar popularmente. A pecuária tornou-se a única produção rentável, os seringueiros e seus filhos foram levados a se tornarem “piões”, que outrora trabalham em grandes fazendas, outrora criam gados arrendados, outrora voltam para sua colocação. Esse mesmo processo também acontece com algumas comunidades indígenas, como é o caso dos Apurinãs que vivem nas terras indígenas localizada próxima a BR 317 (Boca do Acre, AM).

O camponês da floresta  têm um modo de vida e crenças diferentes dos camponeses de outras regiões, e até mesmo de outros camponeses da Amazônia. Quero arriscar em dizer que a questão da ‘identidade’ dos povos que vivem no Acre, apresentam três nuances: a primeira de denominação e autodenominação dos povos indígenas e extrativistas de “defensores da floresta” para atingir o objetivo da posse das terras[6]. A segunda diz respeito a questão que a defesa desses trabalhadores estava envolvida indiretamente com  uma tal de ecologia[7], já que sua forma de vida e seu modo de produção estavam assegurados pela floresta. A terceira se relaciona com as outras, mas não se finda nelas; há fatores importantes na relação entre o homem e natureza que Marx cunhou, e que os comunistas atuais prezam por esquecer. Também há uma forma de homem e natureza nas cosmologias indígenas que não se findou com o capitalismo. Algumas  vezes afirmo que essa relação no que diz respeito aos seringueiros é resultado da formação étnica e cultural deles, uma dessas aproximações seriam as cosmologias indígenas. Ainda que essa palavra “seringueiro” e consequentemente seu modo de produção e vida tenha sido forjada no sistema capitalista. 

Então, na Amazônia rural, a luta de classes perpassa também a floresta que está ligada a essa proteção e devastação, pelo menos até agora. Por não entender nuances, a esquerda excluiu a luta de classes, ficou fazendo jardinagem e ainda colocou o grande nome do líder sindicalista que sonhou com o socialismo como jardineiro. 

Fica claro que existe cosmologia e saberes que fazem com que territórios e o existir se dê de maneira relacional com a natureza, mas nenhuma dessas formas é conservacionista. Mas para a esquerda e os ecologistas, a luta ambiental diz respeito a floresta, “a floresta vazia” em si vem antes e esse é o motivo do nosso colapso. No entanto, já podemos mensurar uma mudança superficial nessa ideia que não é estrutural e efetiva, que aparece  nas propagandas de fundos e ONGs que financiam ativistas e comunidades. Eles concebem que a floresta é povoada por pessoas, mas continuam a defender as zonas de conservação e privatização. Existe também uma mudança “midiática” a esse aspecto, agora o dever é fazer como em todos os outros âmbitos sociais: empoderar corpos para acessar ‘lugares de poder’.

Chico Mendes e o sindicato de Xapuri se aliou a demanda dos ecologistas, quem iria se importar com a luta de trabalhadores - não operários no ‘fim do mundo’ -  por suas terras se eles não tivessem sido reconhecidos como os verdadeiros guardiões da floresta[8].  Dentro dessa ideia de denominação e autodenominação tem a questão talvez concomitante ou posterior do  Partido dos Trabalhadores[9], antes mesmo de chegar no governo estadual, de utilizar a tática de reforçar a ideia de que os povos eram “defensores da floresta” para garantir o objetivo da demarcação  das reservas extrativistas. 

Os indígenas também sabiam e sabem que sua luta por demarcação e autoemancipação não seria vista se eles não fossem tidos como guardiões da floresta tanto pelo governo como organizações internacionais. Essa tática foi e é válida para a existência dos povos. Algumas lideranças indígenas se colocam nessa posição e isso está para além do projeto do Partido dos trabalhadores e sua ideia de florestania, é uma contestação de que o modo de vida  dessas populações não são predatórias e isso advém de um pensamento diferente do preconizado na formação colonial brasileira. 

A FARSA E A TRAGÉDIA

Segundo Daniel Iberê, “o ‘desenvolvimento sustentável’ passou a se destacar no final da década de 90 e seguiu a ideia do Plano de desenvolvimento sustentável financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.”(Iberê,2015, p.114).  Esse termo não teve uma construção ingênua, mas parte constitutiva de um projeto macropolítico do capitalismo (Cf. Iberê, 2015,  p. 116). Segundo o autor, os governos que  preconizavam esse projeto agiram com o pretexto de incorporar os interesses materiais e simbólicos dos movimentos sociais no estado do Acre e Rondônia.

O PT entra no governo em 1999, e com sua ideia de florestania cunhou projetos de desenvolvimento verde que apoiava a extração de madeira por empresas privadas, comércio  de carbono, a pecuária e o início da produção de soja, mas claro a produção era a “carne verde” e as plantações respeitavam todas as leis ambientais (não pode derrubar as beiras dos igarapés). E transformou o Acre lugar de morada dos maiores pecuaristas do Brasil e as bases para a expansão da soja. Seus projetos de incentivo econômico a borracha e produtos extrativistas foram insuficientes e não tinham a participação popular na construção. Os sindicatos foram cooptados, aconteceu tudo aquilo que sabemos que eles são mestres em fazer.

Tanto o governo federal e estadual dessa época, como o governo atual e alguns ambientalistas preconizam a ideia de que o desmatamento é uma lógica econômica de famílias rurais que desvalorizam as florestas, por isso, “as políticas públicas que valorizam as florestas e desestimula o desmatamento por meio de políticas de crédito, ciência e tecnologia” (Iberê, 2015, p. 112) colocando o manejo florestal no lugar da agropecuária seriam capazes de frear o desmatamento. Porém, a realidade é outra.

A extração de madeira legalizada em forma de “manejo florestal” para os extrativistas foi adotada em 2007 sob o governo petista, mesmo que o movimento dos seringueiros fosse contra. A questão é que os órgãos ambientais repreendem apenas os que vendem madeira sem o selo verde e para o governo essa produção seria controlada na mão das grandes empresas. Esse modo de produção se tornou para os moradores da reserva e arredores uma prática para sobrevivência, exigia menos dificuldade e recurso material que a criação de gado e era mais lucrativa. Só não se tornou a única prática porque quem vende madeira é amaldiçoado, como diz meu pai. Porém, os  trabalhadores nesse espaço não concebem a ideia do porquê existem uns que estão legalizados a extrair madeira e outros não. Os órgãos repressores do estado burguês que fiscalizam e prendem são insuficientes para  o desmatamento zero por esse e outros motivos que tratarei posteriormente.

São muitas nuances na história dos camponeses da floresta no Acre, mas ainda bem que resumiram para gente as últimas ondas do capital que rodearam a amazônia brasileira: 

Seringueiros transformam-se, ou melhor, são transformados em madeireiros; donas de casa, em diaristas; homens com ou sem estudos, em desempregados. Mas vem o governo e exerce seu papel: transforma os termos -  não as condições sociais. Desempregados viram autônomos, devastadores desenvolvem no Acre o “desenvolvimento regional sustentável”, escravos viram povos da floresta, camponeses, despojados e anônimos, em um mesmo espaço. Devastam-se as florestas em nome do mesmo discurso que deveria defendê-las; a concessão das florestas públicas é dada de forma privada; no “manejo das consciências”, o nome de Chico Mendes é usado para justificar o que, em vida, ele “se propôs a morrer empatando”.(Iberê, 2015, p. 116).

O QUE TEMOS

A construção de hidrelétricas, o “desenvolvimento regional sustentável” ,  o mercado de carbono e a existência das ONGs ambientais, atendem ao Imperialismo e são agenda do Banco Mundial. É notório que para se debater a destruição ambiental no Brasil se deve conhecer as correlações com os países mais poluentes do mundo. Os maiores agentes do desmatamento mundial são as empresas transnacionais. Também,  quase toda a produção do agronegócio é voltada para a exportação.  Assim, o imperialismo nos coloca sempre em uma relação dúbia de projetos de exploração, construção e projetos conservacionistas. 

Pela falta de tempo de escrever essa tribuna, não me proporei a entrar em detalhes de como o Imperialismo atua sobre a Amazônia e enfraquece os movimentos sociais e sindicatos.

Um discurso anti-imperialista deve envolver também um discurso sobre nossa responsabilidade enquanto nação para promover a transição ecológica, não é só entendermos e apontarmos os culpados, mas é também reconhecer o que temos para frear as mudanças climáticas.

Hoje, apenas a CPT defende o fim do mercado de carbono, que é uma ideia conservacionista - como natureza intocável,  nenhum movimento de esquerda e nem revolucionário tem pelo menos conhecimento dessa discussão. As populações que vivem na floresta estão a mercê das decisões de seus financiadores, perdendo a autonomia de seus territórios. Porém, o estado não oferece nenhum direito para essas populações e a única forma de ter acesso à educação e  saúde é através desse comércio.

Daniel Iberê nos lembra que é impossível humanizar o capitalismo ou reformá-lo, e que é impossível que seu desenvolvimento seja sustentável. Dessa forma, os parâmetros das ONGs, do ecologismo liberal e o seu capitalismo verde devem ser combatidos.

A esquerda deu muito destaque a  Amazônia e o Pantanal no governo Bolsonaro-Mourão que atingiu índices alarmantes de destruição. Porém, o desenvolvimentismo verde é um projeto, digamos, ainda mais alavancado pelo PT e seus correlatos. 

Criticar o ecologismo liberal não é defender o des-envolvimento, é construir uma proposta ainda mais radical de justiça ambiental, entendendo que há uma necessidade do movimento comunista ir para além do jargão “temos que destruir o capitalismo”.

No governo Bolsonaro, era comum a esquerda revolucionária apontar o desmanche dos órgãos de proteção e fiscalização ambiental, agora no governo Lula segue-se a mesma ideia:  ‘as instituições foram desmontadas no desgoverno e é preciso tempo para restituí-las’.  A questão é que para freamos a destruição da natureza não podemos contar com esses órgãos conservacionistas e muito menos defender a repressão do Estado, tida como proteção ambiental. Esses órgãos desorganizam a classe trabalhadora e retiram sua autonomia. Salva e guarda as empresas de selo verde e reprime o pobre. É fato, que  estes órgãos cumprem um certo papel de fiscalização em territórios em maior ou menor grau, principalmente no contrabando de animais silvestre e um certo mapeamento do garimpo. Mas são incapazes de resolver o problema da entrada de garimpo nas terras indígenas. Pelo menos para as populações amazônicas eles agem como a polícia na favela, aliás eles andam sempre juntos. 

Devemos reconhecer que a “fiscalização” deve sair da própria autonomia do povo organizado. Mas isso se compromete com o genocídio e o poder burgues. Podemos ver exemplos de organizações que agem pela autonomia de suas terras e consequentemente contra a destruição, como foi os Empates e como ocorre com territórios indígenas onde eles mesmos sempre se protegeram contra o garimpo.

O governo burguês não tem condições de conter a destruição ambiental e as mudanças climáticas. Suas instituições ambientais são punitivistas e criminalizam os mais pobres do campo. Também, a polícia mata a população do campo, indígenas, extrativistas e quilombolas para proteger os latifundiários. Suas zonas de conservação não são suficientes nem populares. Não promovem ações concretas contra o garimpo e a extração de madeira nas terras indígenas e quilombolas.

Os comunistas lembram da luta de classes ancorado a luta ambiental, mas tem lembrado em uma forma estática. Nas teses do nosso velho PCB  e nas falas de militantes urge sempre o respeito e preservação quase religiosa dos modos de vidas das populações tradicionais, porém, ambos não sabem nem que modo de vida são esses. E nem citam  que uma possível construção de um sistema de trilhos chinês é destruir  modos de vidas. Quantos projetos mais os comunistas estiveram e estão defendendo que matam modos de vida? Os meus camaradas do sudeste estão mais interessados em industrialização e desenvolvimento, quase que um capitalismo verde com incrementos revolucionários, do que pensar sobre o que temos de acúmulo para avançarmos contra esse sistema predatório, e enquanto isso só dizem: “não, a gente vai sim lembrar da pauta ambiental, mas no socialismo”. 

As ONGS financiadas por fundos ambientais provenientes de grandes empresas se reinventam a todo momento, podem apoiar financeiramente uma comunidade a quebrar castanha e fazer óleo no rio Purus ao mesmo tempo que explora petróleo no rio Amazonas, ao passo que empresas estatais podem fazer o mesmo. As comunidades que a elas não chegam nenhum amparo dos serviços e direitos do estado burgues, são auxiliadas por ONGs. O que nós comunistas iremos fazer frente a serpente do capital?[10]

E AGORA?

Falo de Amazônia nesse texto porque é o lugar que sei pensar um pouquinho. Mas, a luta ambiental não deve se restringir apenas a um bioma. A reestruturação de todos os biomas deve ser pautada. O que vocês pensam sobre o que resta da mata atlântica? Vencemos?

É necessário reestruturar a vegetação dos biomas que foram completamente devastados. Nós comunistas devemos ter uma proposta radical de defesa ambiental, entendendo a profunda conexão entre os trabalhadores e a natureza, que está presente desde os extrativistas aos trabalhadores da cidade. 

Mesmo que o título dessa tribuna apresente um alarde, devemos atentar-se que a urgência de pensar a questão climática não é puro alarmismo, é necessária porque afeta a nossa vida. Parte da população brasileira tem uma relação estreita com os rios e a floresta, dos quais retiram seu sustento, onde moram e se locomovem. Mas é algo que afeta também os moradores das cidades, que dependem da água dos rios e dos alimentos produzidos pelo campo. 

A luta ambiental também deve envolver o ambiente urbano, relacionando com a luta pela terra e moradia. Contra as grandes empresas e multinacionais de mineração, contra a especulação imobiliária que promovem a degradação ambiental e ampliam o número de famílias sem teto. Nas cidades, a desigualdade do acesso à cidade e o racismo fazem com que a periferia seja a mais afetada com as mudanças climáticas. É preciso pensar em um planejamento urbano de caráter popular que conceba a garantia das condições mínimas de vida da classe trabalhadora.

Se nossa militância se concentra nas grandes cidades, a questão climática deve ser levantada nesses locais, bem como, suas ações. A luta por moradia envolve as pautas ambientais, mas o que temos a dizer quanto a isso? Claro que essa nulidade do presente se deve ao fato de estarmos preso as discussões eternamente teóricas, como já foi apontado em várias tribunas aqui.  Existe nossa ineficiência de pensar a política municipal, discutir os planos gestores, as reformas aprovadas no congresso, todos os motivos que fazem com que as cidades sejam afetadas com enchentes anualmente e conectar isso com a construção da revolução.

A privatização de empresas, a construção de hidrelétricas e indústrias, empresas estatais burocratizadas e empresas privadas, tudo isso, impacta diretamente o problema climático de determinada cidade e devemos ser a vanguarda dessas discussões. Bem como escancarando, por exemplo, que uma enchente, pode ser influenciada por desmatamento, poluição, amazônia, teto de gastos e tantos outros. 

Essa não é exclusivamente uma pauta dos campos.  É importante lembrar que os povos indígenas não se resumem a povos da floresta, vivem na extensão de todos os biomas tendo vegetação ou não, sofrendo perseguição e genocídio por serem os últimos a resistirem a fronteira do capital[11]. Nem todos os indígenas vivem em terras aldeadas. Existem indígenas nas cidades, existem aldeias em cidades.

Na cidade de São Paulo existem cerca de 12.977 pessoas indígenas e só 3 mil vivem em aldeias demarcadas. Nas aldeias do Jaraguá, as pessoas sofrem com a repressão e com a falta de demarcação. Se temos a maior militância nessa cidade e a mais estruturada, o que esse partido está pensando quanto a isso?

Nas votações do Marco Temporal e na sua aprovação, o movimento comunista o máximo que fez foi duas postagens no Instagram. Os comunicadores marxistas desse partido convidam todo mundo para falar no canal deles, menos lideranças indígenas. A luta  dessa pauta ficou por conta dos próprios indígenas. Todos os movimentos de luta pela terra, a esquerda liberal e os revolucionários não se importaram. Esquecem que essa é uma pauta da humanidade.

A pauta principal que pode nos salvar é a velha Reforma Agrária e a Demarcação de terras dos povos originários. Claro, pensar a reforma Agrária não é apenar pensar ela de forma “Popular”, não se limitar a perspectiva do MST, mas é pensar ela a partir da especificidade de cada território e povo, reconhecendo que não deve ser algo único em todo território nacional.

É importante destacar que apesar de Lula fazer um discurso de que os países desenvolvidos são responsáveis pela crise climática, ele mantém as correlações já existentes com esses países e aumenta elas. Faz uma fala decolonial de um lado  e faz um acordo com governo francês para produzir energia nuclear de outro.  A agenda desse governo e de seu ministério do Meio ambiente é desenvolver a  Amazônia de maneira sustentável. Claro que os dois tem diferenças, Marina Silva é mais comprometida com as leis ambientais, mas ela trai a classe igualmente, começou fazendo isso no Acre. Esse capitalismo verde resultou em desmatamento,  produção pecuarista em larga escala e monocultora, restringindo as possibilidades de sobrevivência dos campesinos. Enquanto entrega terras da união e reservas à iniciativa privada, afastando as comunidades tradicionais.

E O PARTIDO?

No texto Leninismo climático e transição revolucionária Kai Heron e Jodi Dean defendem a necessidade do partido como vanguarda  para pautar a emergência climática e pautar uma transição ecológica justa no presente, porque as transições políticas e ecológicas seriam o caminho para o comunismo. Atestam que a COP 26 demonstrou como o pensamento capitalista está mais avançado do que a esquerda sobre a questão da transição energética. Mas o mais impressionante do texto dessas camaradas é que em uma perspectiva dialética elas veem nos elementos dos procedimentos da COP26,  um apontamento para um horizonte comunista, pois trazem a necessidade da transição.

A transição geopolítica e energética que esse evento propôs é  limitada, pois, beneficia as potências imperialistas, porque não toca nos combustíveis fósseis utilizados pelos países desenvolvidos. Então, para as autoras, a COP falha por não desenvolver os acordos que deveriam evitar a catástrofe ecológica. Mas esse evento foi essencial por atestar que não há muito tempo para frear os desastres.  

As críticas e paralelos que as autoras fazem com Parenti, Andreas Malm e o coletivo OWC para pensar a emergência climática nos fazem refletir o que fazer agora para construirmos a transição, tanto política quanto ecológica. 

Se para Parenti não dá mais tempo para pensar uma revolução socialista ou anarquista e a única maneira é mudar o próprio capitalismo, para Andreas Malm a justiça climática só acontecerá após a tomada de poder pelo povo. Mas para as autoras os dois  erram, um por desconsiderar a revolução e o outro por prorrogar a transição. Elas também apontam para o que já falei anteriormente, estamos mitigados entre planos verdes para conter a crise e os desastres realizados por grandes empresas, onde o capital lucrará de todas as formas. Isso faz com que as  transições no capitalismo nunca se realizem. Pensemos sobre a transição energética no Brasil que conta com energias eólicas na Caatinga, onde destroem ainda mais o meio ambiente e executa a organização indígena de seus territórios.  

O ponto que Parenti erra é o que nossos ecologistas liberais também erram, esquecem que o capitalismo destrói qualquer forma de vida e inibe qualquer resistência (se ele tivesse lido Iberê não defenderia isso). Mas o que Parenti acerta e  outros ecologistas também, é que não há mesmo tempo para evitar o colapso, a hora é agora. E nessa linha que as autoras debatem a proposta leninista para o clima. 

Infelizmente não tenho tempo para escrever e organizar essa tribuna de uma maneira mais clara, mas o interessante seria refletir esses escritos de Heron e Dean a luz das nossas experiências já evidenciadas no Acre e na Amazônia, pensando o que faremos de maneira nacionalizada que é o que mais me interessa. 

Como iremos pensar a emergência climática, os biomas e a transição ecológica e revolução depende de como estamos construindo esse partido. Se ele será um partido que pensa a classe trabalhadora a partir do sudeste e divide suas tarefas mal e não forma quadros para além de uma região, adeus para nós. Mas sobre a nacionalização do partido, as tribunas O que é o federalismo e como se expressa entre os comunistas do camarada Euclides e Sobre o Estado de São Paulo e a nacionalização do camarada Victor evidenciam muito bem o nosso problema enquanto partido. A partir dessa ideia, evidencio alguns aspectos: Construir quadros para além do eixo sul-sudeste será nosso ponto de partida. Construir nossas propostas para agora, pensar nossa transição enquanto revolução e nossas ações que vão desde ações comunitárias e solidárias aos exilados e imigrantes climáticos até nossa unidade tática com diversos movimentos, comunidades, oprimidos e passa pela realização de atos simbólicos e revolucionários é nosso ponto de encontro necessário.

NÃO TEM UMA CONCLUSÃO

Um ponto importante que as autoras colocam é a necessidade do leninismo climático se inspirar nas lutas dos povos indígenas e nas lutas do movimento revolucionário no mundo. Para nós da América do Sul isso significa tudo, para os Amazônicos pensar  a luta dos povos indígenas  significa nossa vida. Conseguirei terminar comentando sobre o meu ponto de partida: povos amazônicos. Não precisamos construir nada do zero, o ‘novo homem socialista’ está aí. Temos bases de um movimento resistente que não é homogêneo e tem muitas contradições, mas é o único que resistiu ao governo Lula de 2013, ao governo Bolsonaro e que tá tendo seus direitos usados como moeda de troca exatamente agora. Os caminhos enraizados no saber indígena e suas crenças são necessárias. Temos base de um movimento camponês, seringueiro, extrativista e quilombola. Já discutimos as condições que o capitalismo coloca todo o movimento, mas isso não significa que tudo morreu e estamos incapacitados de agir. Temos que manter o que temos e reconstruir o que perdemos. 

Não há possibilidade de termos uma proposta radical para frear os efeitos climáticos senão tivermos acúmulos sobre os movimentos socioambientais no Brasil e na América latina.  Não percamos de vista os acúmulos que a pequena experiência de Burkina Faso e os desdobramentos de Cuba puderam contribuir com essa questão.

Que construamos uma aliança tática com movimentos, comunidades, pessoas e partidos.  O único movimento revolucionário que atua na Amazônia agrária hoje é a LCP que se situa basicamente em Rondônia, é importante fazermos alianças tática com eles. Temos que ter em vista que não podemos se restringir a movimentos que pensam exatamente como queremos. Nós não devemos ficar em uma desavença eterna com os Ecossocialistas, reivindicando termo correto, ainda mais após saber que nem todo comunista é Thomas Sankara discursando na Primeira Conferência pela Proteção da Árvore e da Floresta. A questão é que é muito mais efetivo criticar a prática do movimento (se houver) do que ficar preso a uma crítica teórica eterna, sem desenvolver ação imediata nenhuma. Porém, parece cômodo ‘bater’ nos Ecossocialistas enquanto defendem um desenvolvimento dos ‘recursos’ naturais dessa terra.

Além das frentes, associações e conselhos das comunidades tradicionais. É necessário para nós do norte uma aproximação com a CPT, seus agentes são em grande número nessa região.  Por estar presente em vários territórios, eles sabem da sub notificação do número de bovinos, dos acordos verdes que os fazendeiros fazem com os estados, das milhares de multas que os latifundiários nunca pagam, do número de conflitos agrários. Os dados, o diálogo, aproximação, seja o que for, será necessário se quisermos fazer alguma coisa.


Notas

[1]Esse culturalmente boliviano se refere a questão de que povos originários existentes nesse território tinham mais semelhanças culturais com os povos que viviam na parte boliviana

[2] “Colocação” é uma expressão conhecida no Acre que diz respeito a uma média extensão de terra,  que cabe a casa do extrativista e as plantações de subsistência, rodeadas pela floresta. Cada colocação é formada por pelo menos três “estradas de seringa”. 

[3]  ideias desenvolvimentistas de várias formas estiverem presentes na amazônia desde o final do século XIX. Vale lembrar que aqui não pretendo descrever uma história geral do Acre. 

[4] CARVALHO, Antônio Henrique Martins de. A Propaganda Oficial no Acre e o Reforço de uma Identidade Florestal. 2014. 77 p. Dissertação (Mestrado em Educação Agrícola). Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 2014, p. 9.

[5] são pequenas plantações.

[6] “Disso resultou a discursivização de uma nova identidade coletiva, onde seringueiros, ribeirinhos, castanheiros, pescadores artesanais, juntamente com inúmeras nações indígenas, se autodenominaram “defensores da floresta” e, fora do marco tradicional de controle político-clientelista e do modelo sindical reivindicativo moderno, criaram o conceito de reserva extrativista, auxiliando a implantação de suas primeiras unidades em 1990” (ALEGRETTI, 2008).

[7] Diz o líder seringueiro Osmarino: “Os ambientalistas que na época chegaram se chamavam ecologistas. Ninguém sabia o que isso significava. Quando ouvi falar de ecologia pela primeira vez, achei que era um doce... Então você podia ouvir 'defender o meio ambiente', e eu falei com o Chico Mendes e disse: 'nós não estamos defendendo só o meio ambiente, estamos defendendo tudo, queremos defender o ambiente inteiro'. O interesse deles era um, o nosso era outro. Eles defendiam o equilíbrio ambiental, a gente defendia a sobrevivência da população. Mas nós pensamos que se eles defendessem nossa floresta, poderíamos nos aliar (AMÂNCIO citado por Carvalho 2014, p.95).”

[8] Diz Dercy Teles: Na verdade, o Chico não era ambientalista ou um ecologista propriamente dito, mas ele defendia a permanência da floresta e dos trabalhadores que sobreviviam dela, automaticamente, ele defendia o meio ambiente. Mas, na verdade, o foco da luta dele mesmo era as condições de vida para as pessoas que nasceram, cresceram e viveram da floresta. Tanto que, a gente idealizou a Reserva Extrativista Chico Mendes como um modelo de reforma agrária específico para os seringueiros. Porque os assentamentos, esses tradicionais que o governo já fazia, a gente já sabia que não funcionavam. Aqui, o primeiro assentamento que o governo fez no estado do Acre, que foi o governador Jorge Kalume, no final dos anos 1960, você pode perguntar, ninguém conhece, porque os bem-sucedidos vão comprando os lotes dos menos sucedidos.

[9] Líderes dos movimentos extrativistas construíram o partido, inclusive Chico Mendes.

[10] Essa expressão é pensada por Daniel Iberê que vê o capitalismo imperialista como uma serpente de terras longínquas. 

[11] Alusão a fala de Daniel Munduruku   "Nós formamos mesmo a última fronteira de resistência que o capitalismo brasileiro ainda não conseguiu superar".