'É possível disputar os interiores?' (Estevam)

Poderíamos nos inserir nos interiores e termos saltos positivos na nossa inserção e organicidade na classe trabalhadora desses locais, contribuindo positivamente para o desenvolvimento da luta de classes em prol dos trabalhadores e contra a burguesia local.

'É possível disputar os interiores?' (Estevam)
"Existem, sim, atores e grupos sociais que levam a cabo suas lutas e que possuem possibilidade de disputa de sua consciência, capacidade de organização e disposição para lutar."

Por Estevam para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Desde que passei a atuar diretamente na militância política, passei a acompanhar os debates sobre prioridades de atuação dos coletivos partidários e da UJC. Dentro dessas discussões, ouvi muitas ideias equivocadas, mas sem dúvida, uma das piores que escutei foi a visão de que era desnecessário disputar o interior do estado, já que este seria naturalmente reacionário e suas características culturais além de certos aspectos sócio-econômicos formavam uma  espécie de barreira intransponível aos partidos de esquerda, tanto os reformistas quanto os revolucionários. Como alguém que começou a militar no interior, não só venho dizer que essa ideia está totalmente equivocada, como ignorar as regiões interiores significa deixar de lado os processos de luta de classe que se desenvolvem no local, abandonando o proletariado a sua própria sorte e permitindo que a extrema-direita e os extremistas religiosos se consolidem e atuem impunes contra qualquer tentativa de mobilização do povo trabalhador.

Para provar que essa visão está errada, identifiquei a partir da minha observação e experiência de atuação na minha região (médio e baixo Vale do Paraíba), atores sociais e econômicos que desempenham papéis fundamentais nas lutas cotidianas e que valem a pena serem disputados para um projeto de esquerda, revolucionário e socialista que se pretende ser o PCB-RR.

O primeiro desses atores que gostaria de explicitar é: uma crescente juventude progressista. Desde que passei a me engajar na militância, acompanhei as manifestações de rua que se deram no período de 2020-22 englobando as campanhas Fora Bolsonaro e pela eleição de Lula. O que ficou muito claro nesse período foi a presença cada vez maior de jovens, sobretudo adolescentes, que foram às ruas expressar sua indignação com o governo fascista do momento e sua busca por uma alternativa. Uma das características desse grupo foi que sua radicalização se deu sobretudo pela internet, muitos deles assistiam vídeos do Jones, do Gaiofato, Ian Neves e sentiam a necessidade de uma organização para expressar o seu descontentamento e viabilizar suas lutas. Muitos desses jovens enfrentam problemas, tais como, a falta de transporte, habitação, questões relacionadas à opressões LGBTQIA + e não veem na única alternativa de esquerda local, o PT, uma viabilidade para colocarem suas pautas. São pessoas que têm consciência política e entendem que suas lutas não se viabilizam com a postura conciliatória e passiva do petismo local. Muitos deles gostariam de uma organização de esquerda verdadeiramente combativa mas que atualmente não existe na região.

O segundo grupo é dos professores e funcionários públicos. São, talvez, a categoria mais organizada, visto que apresentam o maior nível de sindicalizados, e  a que mais realiza protestos e greves. Na região, existe uma certa atuação da APEOESP em prol da luta dos professores, sobretudo por reajustes e pelos direitos dos aposentados.  Anos de ataques ao funcionalismo público e desmonte de direitos promovidos pelo governo estadual do PSDB alinhado às prefeituras locais definitivamente empurraram essa categoria para a esquerda e para o PT. Porém, ausência de vitórias concretas, imobilismo e políticas de conciliação promovidas  pela APEOESP e  CUT, além da falta de um posicionamento claro de oposição ao governo Tarcísio pelos parlamentares estaduais petistas ligados à pauta (Professora Bebel e cia) levarem a um crescente descontentamento da base local com suas direções. Muitos reclamam da burocracia sindical, da destruição da democracia interna e do abandono de táticas de luta em prol da judicialização de casos. Dessa forma, eu diria que, por conta desse aborrecimento, existe espaço para a disputa dessa categoria por um projeto verdadeiramente classista e de esquerda e que contemplem a suas lutas, enxergando-as num processo maior de luta anticapitalista e sem conciliação de classes.

O terceiro e último grupo é dos trabalhadores rurais. Embora estejam esparsamente distribuídos na áreas rurais da região e não tenham instrumentos organizativos de luta, são uma categoria que já demonstrou capacidade de ação e certo grau de pertencimento de classe, ao participarem de atos locais e unificados contra despejos promovidos por madeireiras e grandes proprietários de terra que tem respaldo da política local. Muitos desses trabalhadores têm líderes comunitários ligados a setores de base da Igreja Católica, que por sua vez, realiza certo trabalho de base nessas comunidades, atendendo necessidades básicas de famílias economicamente vulneráveis, acolhendo órfãos, dirigindo escolas e promovendo uma certa guia espiritual. Tirando o trabalho da igreja, não existe nenhum outro grupo que tenha uma atuação orgânica na região e isso demonstra uma oportunidade perdida de se inserir num espaço com um contexto de lutas próprias e, cujos trabalhadores possam sim ser disputados e organizados pelo nosso partido e valendo-se de nosso programa. Já tivemos no passado experiências de luta rural como as Ligas Camponesas e, mais recentemente, o MST, portanto temos um certo acúmulo que podemos utilizar para ganharmos os corações e mentes dessa gente rumo às batalhas revolucionárias.

Por fim, é perceptível que nem todas as regiões interioranas são meros mares reacionários intransponíveis. Existem, sim, atores e grupos sociais que levam a cabo suas lutas e que possuem possibilidade de disputa de sua consciência, capacidade de  organização e disposição para lutar. Acredito que, se tivéssemos recursos e pessoal o suficiente poderíamos nos inserir nos interiores e termos saltos positivos na nossa inserção e organicidade na classe trabalhadora desses locais, contribuindo positivamente para o desenvolvimento da luta de classes em prol dos trabalhadores e contra a burguesia local. Se nós, comunistas, nos propomos ser a vanguarda da classe trabalhadora não devemos abandonar setores da mesma nos valendo de opiniões incorretas, equivocadas e que não possuem respaldo concreto na realidade, devemos estar em todos os lugares, inseridos em cada luta, em cada piquete, em cada greve, em cada ocupação.  Devemos ser a verdadeira vanguarda da classe trabalhadora.