'Dualidade de poder?' (Mariana Pedroso)
Se “do rio que tudo arrasta se diz violento”, seremos sim, violentos com “as margens” que nos comprimem, se esta violência for sinonímia ao processo de Reconstrução Revolucionária.
Por Mariana Pedroso para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários.” (Heráclito de Éfeso)
“Ó, sim, senhores, vocês são livres não só para nos convidar, mas também para ir aonde bem quiserem, ainda que para um pântano; achamos até que o verdadeiro lugar de vocês é justamente o pântano, e estamos prontos, na medida das nossas possibilidades, a lhes prestar assistência na sua mudança para lá. Mas antes larguem as nossas mãos, não se agarrem a nós e não manchem a grandiosa palavra liberdade, porque nós também somos “livres” para ir aonde quisermos, livres para combater não só o pântano, mas também aqueles que se desviam para o pântano!” (Lênin – O Que Fazer?)
Para contextualizar minha primeira contribuição para as Tribunas, inicio o debate com o trecho do filósofo grego pré-socrático de 400 a.C., considerado o “pai da dialética”, e o trecho de Vladímir Ilitch Ulianov, nossa referência revolucionária marxista, mais contemporâneo. Desloco para o centro a dialética já que observo que, este conceito, no Movimento Comunista, tem ficado “empoeirado no canto da sala”, valendo-se muitas vezes apenas do “materialismo” e do “histórico” dentro de nossa organização.
Diante de todos os acontecimentos que nos trouxeram até aqui, nesta etapa da Reconstrução Revolucionária, percebo que estamos muito conscientes de nossa história e de que nossas debilidades estão no campo material, imersas no modo capitalista de produção; porém, estamos “inconscientes” de certas questões que parecem “invisíveis” no processo: o debate aberto, a troca de ideias e a formulação constante e de preferência coletiva, dialogando de fato com as demandas do movimento da luta de classes.
Heráclito expõe que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois já não somos os mesmos e a água não é a mesma. Somos o que somos; a água é a água. O que muda, é que caem nossos cabelos, trocam nossas células da pele, ficamos metabolicamente mais velhos, assim como a água carrega diferentes partículas, micro-organismos, diferentes peixes nadam ali. A metáfora, meio romântica, serve para revelar que as transformações são as únicas certezas. O que é a substância não são as circunstâncias.
Por falar em circunstâncias, estávamos “acostumados” com algumas até tranquilas. Pode parecer ridículo dizer isso, sendo que a “leva” de militantes que ingressaram do Governo Dilma I para cá (década de 2010) no Complexo Partidário do PCB, passarem pela iniciação na vida militante, depararam-se com as mais cruéis contradições e enxergam, a partir de uma visão que podiam não ter antes, a face mais criminosa do sistema capitalista, inclusive como isto se desenrola em suas próprias vidas, causando enorme sofrimento biopsicossocial.
Afirmo que estávamos acostumados com circunstâncias “mais tranquilas” no modo de organização propriamente dito do Complexo Partidário. A verdade é que todos nós caímos num “conto do vigário” que nunca cessava de ser contado, reproduzido e endossado. A tal “cultura política”, de política nada tem e culturalmente, com certeza, é um dos piores exemplos. “Dormimos no barulho” da crise, que, tal qual uma parede infiltrada que não demonstra manchas nem rachaduras, cede em determinado momento, expondo sua podridão.
Assim como “cansamos” de tecer análises sobre o capitalismo e suas contradições, precisamos tecer análises sobre nossas contradições internas, que dizem respeito aos militantes e sua relação com a organização, sendo todo o cenário permeado pelas contradições capitalistas. Enfatizando a questão da dialética, esta é o meio para lidar com as contradições, palavra tão comum em nossa vida política, mas tão fácil quanto mencioná-las, é difícil saná-las. A atual “quebra de centralismo-democrático” protagonizada por alguns camaradas de maior relevância pública, seguida por outros camaradas da base, ao denunciar tantas irregularidades internas, “erra” na mesma medida em que acerta e muito, pois é imprescindível para inflamar o movimento, que serviu como um “efeito dominó”, agrupando uma espécie de “egrégora” insatisfeita com a situação do PCB, a famigerada e subentendida ala esquerda.
Há muito vivemos sob os escombros dessa implosão “invisível”. A militância comunista no Brasil tem um caráter sintomático de seita, além do mandonismo, o burocratismo que facilita o boicote, os desvios à direita e a reprodução das opressões capitalistas em seu seio. Toda essa “obra às avessas” nos coloca para refletir que a consequência é uma militância acuada, medrosa acerca da polêmica pública, sem arcabouço emocional para lidar com as críticas, praticamente infantilizada. Asfixiamos diante de nossas próprias contradições, desconhecendo que o melhor remédio para respirarmos é a organicidade do Partido.
Somente tem medo do debate inflamado, articulado, vivo, quem não absorve que a consciência do Partido é a movimentação constante de ideias e atitudes partindo da militância e entre a mesma. Os militantes são a parte consciente do Partido. A consciência funciona como um ente que corrige os automatismos que estão destoantes, errôneos, “complexificados” em estruturas que um dia podem ter nos servido, mas que já não servem mais. Há alguns que se banham em floreios e em palavras rebuscadas, evidenciando, por vezes, apenas um malabarismo argumentativo para esconder as falácias e erros grotescos do “CC & cia”, além do esvaziamento do debate. Por outro lado, há outros que se privam tanto de receber quanto de fazer críticas, promovendo uma blindagem imobilista.
Lênin, em “O Que Fazer?”, decodifica o inconsciente partidário, expõe as “tripas” polemica, mas não levianamente, gerando um manual de como lidou politicamente com os desafios do processo revolucionário russo, estes ainda comuns atualmente, com conteúdo semelhante apesar da forma muitas vezes diferente. Destaquei um trecho do excerto “O Pântano”, já que nossos alicerces atuais encontram-se bem “pantanosos”. Encontramos um PCB degenerado, que há tempos sangra internamente, irrigando irregular e destrutivamente todos os órgãos, estes representados por todo o “Complexo Partidário” e seus militantes.
Se “do rio que tudo arrasta se diz violento”, seremos sim, violentos com “as margens” que nos comprimem, se esta violência for sinonímia ao processo de Reconstrução Revolucionária. Tivemos sumárias e intermitentes contrações que facilitaram este “parto”, este momento que ninguém quer vivenciar, mas que é necessário para continuarmos existindo enquanto comunistas no Brasil. À medida que as contradições capitalistas se acirram, desmascara quem de fato está convicto de que o socialismo, o poder popular e o horizonte comunista (e sua concretização) são a única saída viável para a humanidade/planeta Terra, e quem ainda demonstra-se vacilante diante deste cenário e da ferramenta “Partido Comunista”.
Concluo com a noção de que nada adianta termos a legenda se não tivermos garra e convicção na luta, se não possuirmos o espírito de camaradagem (não amizade) e o cuidado com a segurança e o psicológico da militância, o exercício verdadeiro e constante de banir a reprodução das opressões capitalistas internamente, a profissionalização constante e paulatina, renovando nossa atuação para esta próxima etapa de luta no Movimento Comunista Internacional, rumo à Revolução Brasileira. Viva à Reconstrução Revolucionária!