'Dos Comunistas que mataram aula' (Thali e Bérnie)

Especificamente neste contexto, a baderna e a desordem são por si só revolucionárias. O que seria a bagunça, hoje, se não uma subversão da ordem burguesa? A nossa revolução, camaradas, precisa ser bagunça, precisa de desordem, precisamos matar aula!

'Dos Comunistas que mataram aula' (Thali e Bérnie)
(Referência da Imagem) - Primeira passeata da Memória da Revolta de Stonewall

Por Thali e Bérnie para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Em seu texto “Esquerda “cringe”? Por uma esquerda que matou aula”, Maíra Marcondes Moreira aponta para uma ideia de subversão possível dentro da esquerda hoje. Fruto dessa fagulha pensamos algumas contribuições para pensar um modo de ação comunista que subverta lógicas dominantes e que, sobretudo, possa realmente construir a revolução brasileira.

Nosso texto não busca, de forma alguma, um radicalismo performático, mas sim trazer para a nossa práxis revolucionária aspectos que cativem mais e cooptem o povo para nosso projeto de sociedade comunista.

Crítica a estética social-democrata

Durante o texto Maira Marcondes apresenta criticas a estética social-democrata, de uma esquerda certinha, aquela que nunca matou aula. Ao fazer uma análise é possível encontrar como, de diversas formas, essa estética permanece viva dentro de nossas fileiras e ideais, ditos, revolucionários.

Aderimos acriticamente a postura de uma esquerda certinha, aquela que faz tudo certo (como boa cristã) e através disso chegara ao tão sonhado socialismo. Ignorando o papel dos comunistas na subversão de toda a ordem burguesa, nos apegamos a simbolos de experiências passadas, sem pensar em formas de criar uma estética revolucionária brasileira a qual o povo está inserido, onde ele não só se encontra, mas  também constrói ativamente.

A realidade é de que, a esquerda brasileira é cringe e, também, incapaz de se comunicar com pessoas fora do seu campo político (se limitando ao tão falado: pregar para convertido), e mesmo que muitos vangloriem o trabalho agitativo de “coletivos” virtuais, como a Soberana TV, como se através desses estivessemos nos aproximando de ter condições para iniciar a revolução, porém, a realidade é bem diferente, como bem apontado pelo camarada Jones Manoel no vídeo “O SOCIALISMO CRESCE?”, ainda estamos longe de vislumbrar um crescimento significativo do campo revolucionário no Brasil. Apenas através da construção de uma nova estética, a estética comunista brasileira, a estética subversiva, a estética dos que mataram aula e quebraram regras poderemos começar a avistar a revolução em nosso horrizonte.

Heresia Teórica

Há pelo menos um século dentro dos espaços de construção teórica do marxismo existe certo preciosismo com o que se lê. Desde críticas aos “hereges” que ousaram misturar Freud e Marx ou a Nise da Silveira expulsa do PCB por “trotskysmo” (sintoma do preciosismo teórico do Partido) até à atualidade onde os comunistas tem sua própria lista de “Index Prohibitorum” como vocês devem se lembrar.

Hoje em dia essa rigidez teórica (diferente de rigidez metodológica) aponta como outro uma ampla gama de campos do pensamento: a Teoria Queer, o PutaFeminismo, os Identitários, a Psicanálise (olha ela aqui denovo), os considerados Pós-Modernos (estes aqui talvez sendo o maior dos espantalhos do preciosismo teórico), os Pós-Estruturalistas, qualquer pensador com alguma proximidade com o Anarquismo, dentre muitos outros. Ou seja, o velho “desvio pequeno-burguês” (que até hoje insiste em renascer) agora acusam de “Pós-Moderno”.

Em seu texto “Sobre Psicanálise e Marxismo: uma heresia?” Heribaldo Maia aponta que “A história do marxismo é a história de assimilações”. Nem nós, nem Heribaldo inventamos isso, quem primeiro nos demonstra essa tese não é ninguém menos que Lenin em “As três fontes e as três partes constituintes do marxismo”. O pensamento de Marx não teria a potência revolucionária e nem a sua cientificidade sem assimilar o pensamento de: Smith, Ricardo, Feuerbach, Hegel e dos socialistas utópico.

Posto tudo isso, torna-se fundamental que abandonemos este preciosismo, se quisermos criticar autores e formulações de pensamento temos que lê-los antes, não podemos criticar um pensamento simplesmente por usar ou não um autor que gostamos ou não. Isso, por fim, poderá nos trazer um enriquecimento de formulações absurdamente mais qualificadas sobre diversos temas  (que podem nos colocar em espaços de disputas novos, como é o com a Teoria Queer), além de nos colocar a disposição para mais laços políticos com quem está mais do nosso lado do que contra.

Quebrar com o pacto de preciosismo teórico que nos ronda há mais de um século é matar a aula da “Santa Inquisição Marxista” e, assim, construir uma base teórica (com rigorosidade teórica marxista-leninista) que, realmente, dê conta de  irromper com o velho, que tarda à morrer e fazer nascer o novo, a revolução brasileira.

Meritocracia revolucionária (?)

Dentro da Escola se propaga um discurso, meritocrata por natureza, de que se você fizer tudo direitinho, entregar todos os trabalhos, estudar bonitinho pra todas as provas, fazer faculdade, estudar constantemente e seguir essa linha fixa e perfeita da sociabilidade capitalista, você terá um bom emprego, uma família feliz (mononuclear e cishétero) e uma boa casa. Esse mito da Meritocracia da perfeição de cada ato se perpetua, também, na organização revolucionária.

Dentro da esquerda dita revolucionária esta ideia se expressa na forma de uma meritocracia organizacional, onde apenas fazendo tudo certinho cresceremos até chegar na revolução. Aderindo uma postura advinda do pensamento cristão de ser sempre honesto e humilde, assim deixamos de construir com as nossas próprias mãos e com o afinco revolucionário devido a revolução brasileira. Esperamos, sempre, que as “condições materiais” (afinal, segundo alguns, ter ideias e imaginação é idealismo), que tantas vezes parece mais “correlação de forças”, venham naturalmente como fruto de um trabalho árduo que será recompensado (por Deus talvez?).

Nesse âmbito, um aporte teórico que pode nos iluminar o caminho de ação e entendimento da realidade é o “materialismo aleatório” de Louis Althusser. Em termos simples, o materialismo aleatório sugere que, embora haja leis gerais e estruturas sociais subjacentes que influenciam o desenvolvimento histórico e as mudanças sociais, também existem elementos contingentes e imprevisíveis que podem desempenhar um papel significativo. Althusser reconhece que a história não segue um curso linear predeterminado, mas é afetada por acidentes, eventos imprevistos e ações individuais que não podem ser totalmente explicados pelas estruturas sociais.

O materialismo aleatório traz para nós que devemos estar prontos para a revolução, em constante ação revolucionária sem deslizes à qualquer lógica social-democrata, mas que compreendamos que, mesmo tudo estando construído com uma precisão perfeita, à revolução pode não vir naquele momento, a imprevisibilidade existe, culpar os militantes comunistas constantemente por isso ou viver em lamentações nos faz correr o risco de sobrecargas que apenas agradam a lógica social do estágio pós-fordista do modo de produção capitalista, o neoliberalismo.

Desejo pós-capitalista

Na atualidade uma imensa maioria dos comunistas não parecem compreender a mudança da sociabilidade que uma ruptura com o capitalismo e a construção do socialismo-comunismo podem ocasionar. Parecem acreditar que será um panfleto de testemunha de Jeová só que incluindo mulheres podendo usar calças, LGBTs, negros, asiáticos, indigenas e PcDs. Essa imaginação de uma forma de nossa utopia revolucionária(no sentido de ser nosso horizonte) que mantém um mundo bonitinho só que com a detenção dos meios de produção pela classe trabalhadora é reacionária e fruto do puro sulco do Realismo Capitalista.

O fundador do termo Realismo Capitalista, Mark Fisher, não nos deixou desarmados contra esse aspecto central da sociabilidade do pós-fordismo, ele criou também o seu avesso, o seu Nemesis, o Comunismo Ácido. Nomea-o assim em referência à produtos químicos industriais, psicodélicos e vários sub-gêneros de dance music e tem nesse conceito uma enxurrada de proposições políticas, servindo-se dele para análise, luta e imaginação ou, colocando nos termos do autor, Desejo Pós-Capitalista. Logo, tira-se daí a compreensão de que para se construir uma revolução e depois o socialismo-comunismo é preciso acidez, corrosiva e delirante, ambas na prática e no desejo.

Essa acidez destruidora de formas e estruturas sociais derivadas da forma mercadoria deve ser nossa bússola. Os comunistas precisam compreender que a construção de uma sociedade comunista vem, também, do fim da família, a abolição da binariedade de gênero, dentre outras mudanças de nossa sociabilidade. Disso nasce a questão de que trazer o Desejo Pós-Capitalista para nossa práxis hoje é fazer um movimento parecido com à análise de Amanda Palha em seu texto “Transfeminismo e Construção Revolucionária”, onde ela aponta como contraponto ao pensamento de Lenin sobre a mulher, onde ele fixava, de alguma maneira, a categoria da mulher no lugar da maternidade, Amanda nos oferece um contraponto à figura da mãe, sem apaga-lá, a prostituta como um outro eixo da análise da categoria da Mulher.

Nossas análises precisam de insubmissão das formas sociais que nos tem subjetivado a vida toda, isso é a acidez comunista, como uma maneira de “matar aula” dessas estruturas.

Baderna ou revolução - uma falsa polêmica

Na porca, para não usar palavras piores, nota em resposta da Coordenação Estadual do LGBTcomunista SP aos militantes dissidentes que aderiram à Reconstrução Revolucionária encontra-se o trecho “(...)como sabemos: LGBT não é bagunça; e somos LGBTs organizadas(…)”, isso despertou em nós uma questão séria, estamos tod>E<s organizades demais! Isso, de forma alguma vai no sentido de criticar a organização revolucionária, mas de dizer que organizado na nota do Coletivo vem em oposição à “bagunça”. Note, bagunça tem como significados possiveis “desordem” e “confusão”, camaradas, vocês querem ser militantes da ordem?

Esta ideia tem diversas problemáticas, mas, sem duvidas, uma das que mais nos salta os olhos é como este pensamento tem notas de assimilacionismo, talvez, um “assimilacionismo vestindo vermelho”. Resumidamente o assimilacionismo:

”(...) consiste na primazia, no predomínio e imposição de uma cultura sobre outras. Isso pode acontecer no interior de uma comunidade política particular e também em âmbito internacional. Passando pelo colonialismo, neocolonialismo e por último na globalização.” (Fernandez, 2003)

Esse assimilacionismo trazido pelo Coletivo se expressa de forma razoavelmente oculta, entretanto, sua problemática é nítida não trazemos as contribuições do pensamento dos dissidentes do sistema sexo-gênero-desejo para o marxismo, assim como, por tantas vezes, não trazemos do pensamento antiracista, do feminismo e do anti-capacitismo, tentamos torna-los marxistas, mas não tentamos tornar o marxismo em feminista, anticapacitista, transviado e nem antiracista.

Além disso, o caráter do que se entende por ordem hoje, esta que tentam defender, é burguês em seu cerne. Assim sendo, colocar baderna como contrária à revolução é uma falsa polêmica. Especificamente neste contexto, a baderna e a desordem são por si só revolucionárias. O que seria a bagunça, hoje, se não uma subversão da ordem burguesa? A nossa revolução, camaradas, precisa ser bagunça, precisa de desordem, precisamos matar aula!

Um chamamento

Esse texto desenvolvemos, a partir de nossas inquietações e aporte teóricos, o básico do que entendemos como tarefas e problemas da nossa e de outras organizações partindo de uma necessidade de insubmissão e fuga de velhas formas que a esquerda como um todo vem repetindo e falhando. Então, vale entender esse texto como um chamamento para a insubmissão, para que se formule mais nesse caminho e para que “matemos aula” no cotidiano de nossa militância.


Referências

Moreira, Maira M. Esquerda “cringe”? Por uma esquerda que matou aula. Jacobin Brasil, Brasil 23, Agosto de 2023. Disponível em: https://jacobin.com.br/2023/08/esquerda-cringe-por-uma-esquerda-que-matou-aula/.  Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Manoel, Jones. O SOCIALISMO CRESCE?. YouTube, 09/04/2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7sGbK2ou7jw. Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Manoel, Jones. Precisamos criar uma estética comunista brasileira. YouTube, 09/04/2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V3Kejtw-AVo . Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Althusser, Louis. A corrente subterrânea do materialismo do encontro. 1982 Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/critica20-A-althusser.pdf. Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Maia, Heribaldo. Sobre Psicanálise e Marxismo: uma heresia?. LavraPalavra, Brasil 14, Junho de 2022. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2022/06/14/sobre-psicanalise-e-marxismo-uma-heresia-ou-um-debate-sobre-falsas-premissas/ Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Lenin, V. I. . As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. Brasil: Expressão Popular. 2003

Maia, Heribaldo. HeriOpina | Marxismo, Psicanálise e a Santa Inquisição marxista. YouTube, 04/04/2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PYOGC4zlOQM. Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Fisher, M. . Realismo Capitalista: É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?. Brasil: Autonomia Literária. 2020

Galvão, Antônio. Do realismo capitalismo ao comunismo ácido. Brasil Autonomia Literária 2023

Colquhoun, Matt.  Comunismo ácido. LavraPalavra, Brasil 15, Outubro de 2018. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2018/10/15/comunismo-acido/ Acesso em: 19, Novembro de 2023.

Palha, Amanda.  Transfeminismo e Construção Revolucionária. Traduagindo, Brasil 8, novembro de 2022. Disponível em: https://traduagindo.com/2022/11/08/amanda-palha-transfeminismo-e-construcao-revolucionaria/ Acesso em: 19, Novembro de 2023.

LGBTComunista-SP. LGBT Comunista-SP em defesa do PCB. LGBT Comunista, São Paulo 20, Outubro de 2023. Disponível em: https://lgbtcomunista.org/2023/10/20/lgbt-comunista-sp-em-defesa-do-pcb/.

Acesso em: 19, Novembro de 2023.FERNÁNDEZ, Encarnación. Cómo conjugar universalidad de los derechos y diversidad cultural? Persona y Derecho, Navarra, v. 49, p. 393-444, 2003. Disponível em: http://dadun.unav.edu/handle/10171/14395. Acesso em 19 nov. 2023.