'Ditadura da beleza, cultura da magreza e o capitalismo: Quem lucra com nossas inseguranças?' (Andressa Bacin)
Assim como fizeram nos séculos de caça às bruxas, por terem controle sobre seus corpos e sua sexualidade e reprodutividade, agora somos, todos, mas principalmente as mulheres, reféns desses padrões, que todos os dias lançam algo novo no mercado inalcançável para a classe trabalhadora.
Por Andressa Bacin para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Olá, camaradas! Seria impossível esgotar esse debate em um texto breve, mas ele tem a função de começar a instalar esse debate tão importante entre nós.
O padrão de beleza é sempre determinado pela classe hegemônica. Partindo desse princípio, poderíamos falar de como esse padrão muda ao longo dos séculos, segundo quem detém o poder aquisitivo.
Mas porquê mulheres são mais associadas a esses padrões?
Se pensarmos etimológicamente, beleza é característica de objeto, não é mera coincidência essa associação visto a visão social que se tem da mulher na sociedade capitalista.
Vivemos sob um bombardeio constante da mídia hegemônica, principalmente com a ascensão da internet e produção e veiculação infinita de conteúdo sobre a supervalorização da estética do corpo.
Conteúdo que na sua grande maioria não é real, pois se faz uso de artifícios para mudar a imagem na tela, photoshop, filtros, maquiagem, cirurgias plásticas, etc.
Nós, mulheres da classe trabalhadora, na sua imensa diversidade, não encaixamos nessa chamada beleza hegemónica. Um modelo europeu, branco, magérrimo, com o cabelo liso e loiro, olhos claros e sem deficiência.
Isso parece um tema menor se comparado aos graves problemas que temos enfrentado interna e externamente, mas a verdade é que, pessoas morrem todos os dias tentando se moldar a esse padrão de beleza.
Pesquisando para desenvolver esse texto, me deparo por exemplo, com a volta da tendência “heroin chic”, que foi dominante nas passarelas nos anos 90, tendo como principal representante Kate Moss, modelos extremamente magras, com aparência adoecida, simulando uma adição às drogas são romantizadas nos editais de moda.
Tudo isso gera adoecimento físico e psíquico, como no meu caso, que desenvolvi bulimia e anorexia aos 18 anos, estive internada na CTI por vários dias e depois em uma ala psiquiátrica lutando pra sobreviver, definhando em vida, só pele e osso.
Na época, pouco ainda se falava dos transtornos alimentares, o que levou à que eu sofresse uma série de violências por parte de profissionais de saúde, conhecidos e familiares.
A minha geração cresceu vendo como Regina George se vinga de Cady em meninas malvadas por tê-la feito engordar. Essa influência da cultura pop burguesa reforça ativamente esse modelo inatingível.
Então, na minha mentalidade em desenvolvimento, se Regina George era bonita e popular e eu não era como ela, logo eu não era bonita.
Logo na primeira infância, temos contato com bonecas, todas iguais até poucos anos. Absorvemos desde muito cedo essa cultura.
A magreza virou uma mercadoria e precisa ser vendida nos meios de comunicação, não importa o quão destruída a pessoa esteja psíquica e fisicamentente, o importante é ela estar magra. E assim um infinito de referências da cultura pop vão criando modelos nocivos.
A beleza é um sistema monetário e uma arma política de controle social para excluir sistematicamente.
Marcas de roupa e lojas são pouco acessíveis para corpos reias, passamos pela frustração de não cabermos em nada constantemente. Essa é a mensagem de que, ou nos adequamos ao estabelecido ou não teremos o direito básico de nos vestir.
Com um clique se encontram milhares de Blogs anas e mias (referênciss à anorexia e bulimia), onde milhares de mulheres compartilham entre si formas punitivistas de emagrecer mais.
Plataformas como Twitter, tik tok, Instagram, as quais não possuem nenhum tipo de filtro sob o conteúdo publicado nesse sentido, são prisões geradoras de traumas, culpa e vergonha.
A superação desses estereótipos é uma das barreiras importantes para a libertação das mulheres e essa indústria sabe disso, não à toa, se criou o estereótipo da "feminisfa feia".
A rigidez e crueldade com as quais a gente se olha no espelho são marcantes desde muito cedo, elas já condicionam nossa autoestima na primeira infância
Vivemos na era da estética do plástico como reflexo da ostentação.
Assim como fizeram nos séculos de caça às bruxas, por terem controle sobre seus corpos e sua sexualidade e reprodutividade, agora somos, todos, mas principalmente as mulheres, reféns desses padrões, que todos os dias lançam algo novo no mercado inalcançável para a classe trabalhadora.
Me deparei em uma consulta em um posto de saúde, com uma menina de 6 anos que não queria comer para não engordar, pois era amedrontada com isso no seu entorno familiar. 6 anos!
Esquecemos que magreza não é sinal de saúde mas ninguém questiona os hábitos da pessoa magra, a condena e o questionamento são somente pro IMC fora do número estabelecido por uma medicina gordofóbica.
Em pleno 2023 ainda temos concursos de miss e modelos, que são verdadeiras indústrias multibilionárias de padronização sistemática de mulheres jovens. Como se pudesse existir um só modelo de ser humano.
A cultura da dieta também é algo preocupante, já que sem acompanhamento de profissionais competentes, podem causar graves problemas à saúde.
Tudo isso, também fomenta, um mercado ilegal de medicamentos emagrecedores, que têm efeitos adversos gravíssimos podendo levar à morte.
A nossa sociedade também tem pavor ao envelhecimento, basta ligar a TV ou acessar as mídias, que saltam propagandas de produtos antiage. Isso aprisiona mulheres à uma inútil corrida contra o tempo e contra si mesmas. Enquanto o envelhecimento do homem é festejado como sinal de crescimento e maturidade, o da mulher é repreendido.
Até quando a gente vai se punir para atingir uma perfeição que nunca chega?
Então, quem determina o que é bonito ou feio? Isso está diretamente associado à classe. Quem é considerado bonito é quem tem dinheiro suficiente para pagar por essa beleza. Quanto mais distante ela estiver da classe trabalhadora, mais ela é considerada padrão.