'Disputar o passado é construir o futuro: sobre o "movimento comunista brasileiro"' (Teylor)
Discordo que o PCB seja um partido natimorto, como afirmou o camarada Pedro Alcântara no mês de agosto de 2023, mas também discordo que “o Partido de Marighella, Olga e Prestes e tantos outros” algum dia tenha sido a voz da vanguarda brasileira que ele tanto se autoproclama há dez décadas.
Por Teylor para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário
Existe, e não é de hoje, um longo debate historiográfico que questiona a data de 25 de março de 1922 como marco fundador do movimento comunista no Brasil. Ele parte do princípio que o evento acontecido no Rio de Janeiro nesta data fundou um Partido, e não desconsidera – pelo contrário, ressalta – a existência do que havia de comunista no país antes do grupo anarcossindicalista avançado fundar o que o Século XX consagrou como PCB.
Um dos maiores vícios da bibliografia pecebista na qual mergulhei nos últimos anos é colocar o Partido não só como protagonista, mas como ator de monólogo. Isto, é claro, é combatido ferozmente em pesquisas ligadas a outras organizações que nasceram dos muitos rachas na história do PCB ou caminharam paralelas a este, que buscam dar as páginas da história às suas linhas políticas, e de forma sólida em pesquisas sérias que debatem a real influência do Partido Comunista Brasileiro na luta de classes e pautam o que houve de comunista no país para além da organização legitimada pelo V Congresso da Internacional.
Naturalmente, por outras vias e por outras razões, este movimento também aparece na bibliografia liberal e anticomunista que busca desqualificar e deslegitimar o PCB. Curiosamente, nem mesmo os órgãos da repressão que tinham como principal objetivo desarticular e exterminar o movimento comunista no país davam ao PCB tantos louros quanto o pecebismo atribui a si mesmo.
Discordo que o PCB seja um partido natimorto, como afirmou o camarada Pedro Alcântara no mês de agosto de 2023, mas também discordo que “o Partido de Marighella, Olga e Prestes e tantos outros” algum dia tenha sido a voz da vanguarda brasileira que ele tanto se autoproclama há dez décadas.
Sempre achei curioso o fato da militância do PCB – e isso nos inclui – ter dificuldade em fazer qualquer saudação mínima a comunistas no Brasil que não viveram e morreram pela espada devotando fidelidade às suas fileiras. Paira no ar uma sensação política de que o Partido fora tão atacado e cindido em sua história que uma das tarefas da reconstrução revolucionária iniciada em 1992 é protegê-lo como imaculado, tendo sua história centenária como grande legitimadora para quaisquer ações. Isso não quer dizer que a organização construída de 1992 a 2023 tenha se furtado a fazer algumas autocríticas históricas, mas faz notar um espírito sectarista e saudosista nas operações políticas mais simples no campo da história e da memória.
Quais as questões de princípios que balizaram e balizam as diferentes linhas revolucionárias no país? Por que a avaliação das direções da POLOP a respeito da inserção da Petrobras mudou após a transformação em COLINA? E por que a Companhia Siderúrgica Nacional tem a ver com a aproximação com a VPR para formar a VAR-Palmares? Quais as relações entre o fim do Bloco Operário-Camponês, a Frente Negra Unificada e Laudelina Campos Melo? E por que essa relação está diretamente ligada ao fim da ditadura varguista? Entendem o que quero dizer? A história da luta da classe trabalhadora brasileira, imbricada com a do PCB mas muito maior que ela, vive em simbiose com a formação econômico-social da nação. E elas pariram nós, comunistas, que já nascemos em banhos de sangue.
Mas “e o Vasco?”, como disse camarada G.J. perguntando como é que isso nos afeta aqui e agora e o que é que faremos a partir disso. Nós, camaradas, rachamos na negativa, negando o PCB-CC para o bem e para o mal. E não faço sequer questão de mantermos a sigla: sabemos o que não somos, mas ainda não somos nada. O que deve existir, então, é o entendimento de que herdamos, para o bem e para o mal, muito mais do que os cento e dois anos do PCB. Somos, gostem ou não, não só as guerrilhas de Trombas e Formoso e Porecatu, não só a Coluna, o Levante de 35 e a histórica bancada parlamentar comunista, mas também o Araguaia, a Dissidência da Guanabara, o MR-8 e toda lutadora e lutador que se tornou mártir do movimento comunista brasileiro ou morreu pacificamente com a revolução pulsando no coração.
Para o futuro ouso desejar, sob o risco de ser taxado de rebaixado, que com a guarda alta e o peito aberto, cada militante de nossas fileiras e especialmente a juventude possa conviver e aprender com os mais experimentados e orgânicos quadros do MST, que absorva in loco os acúmulos dos trabalhos da CUFA, que veja de perto as direções petroleiras em comando de greve ou a mesa diretora de uma assembleia da categoria da enfermagem. Que ocupe tantos espaços nas trincheiras da luta de classes a ponto de aprender a ler as linhas e entrelinhas da conjuntura política onde quer que pise.
O próprio PCB não pode bater no peito para bradar sua história marxista-leninista de vitórias, mas o faz, e faz questão de dizer o quanto foi mais revolucionário, que formulou a linha mais correta e o quanto sofreu com os erros de percurso. Ah, se não fossem os azares do destino! A tarefa de um Partido Comunista, como me ensinou uma das camaradas mais valiosas com quem já militei, é fazer a revolução. Em cento e dois anos não fizemos. Esta mesma camarada está afastada, como muitas de nossas figuras de direção, por não aguentar mais o desgaste de lutar contra moinhos de vento. O que está em jogo neste XVII Congresso (Extraordinário)? Sei lá.
Ser o instrumento político para fazer a revolução brasileira exige, entre uma infinidade de outras coisas, a flexibilidade de se apropriar da totalidade do movimento comunista brasileiro até então, de compreender e apreender o conjunto do debate crítico do pensamento social brasileiro para separar o joio do trigo e desenhar o projeto revolucionário para o futuro do Brasil. Exige maturidade política que só a construção multilateral nas trincheiras da luta de classes proporciona. Contar a história do movimento comunista brasileiro exige fôlego, mas construí-la daqui para frente exigirá coragem e disposição.