Discurso em defesa da tática da Internacional Comunista

Em certos períodos, não há nenhuma necessidade de grandes organizações. Mas, para vencer, devemos ter a simpatia das massas. […] O que é essencial para ganhar e manter o poder não é somente a maioria da classe trabalhadora, mas também da maioria dos trabalhadores e explorados da população rural.

Discurso em defesa da tática da Internacional Comunista

Por V. I. Lênin

Proferido em 1 de Julho de 1921 no III Congresso da Internacional Comunista [1].

Transcrito a partir da coletânea Estratégia e tática da hegemonia proletária.


Camaradas, lamento muito ter de limitar-me à autodefesa (Risos). Digo que lamento muito porque, depois de me deparar com o discurso do camarada Terracini [2] e as emendas apresentadas por três delegações, gostaria muito de passar à ofensiva, porque contra as concepções defendidas por Terracini e por essas três delegações são necessárias, propriamente falando, ações ofensivas [3]. Se o congresso não lançar uma ofensiva decidida contra esses erros, contra essas idiotices “de esquerda”, todo o movimento está condenado a perecer. Essa é a minha profunda convicção. Mas nós somos marxistas organizados e disciplinados. Não podemos nos satisfazer com discursos contra alguns camaradas. A nós, russos, essas frases de esquerda já nos provocam náuseas. Somos homens de organização. Ao elaborar os nossos planos, devemos atuar organizadamente e nos esforçar para encontrar uma linha justa. Naturalmente, não é segredo para ninguém que as nossas teses são um compromisso. Mas por que não tem de ser assim? Entre os comunistas, que já convocaram o III Congresso e estabeleceram princípios básicos bem definidos, os compromissos, em determinadas condições, são necessários. As nossas teses, propostas pela delegação russa, foram estudadas e preparadas com o maior cuidado e são resultado de longas reflexões e reuniões com as diversas delegações. O seu objetivo é traçar a linha fundamental da Internacional Comunista, e elas são necessárias principalmente agora, depois de termos não apenas condenado formalmente os verdadeiros centristas, mas também de os expulsarmos do partido. Tais são os fatos. Devo defender essas teses. E agora, em que aparece Terracini dizendo que devemos prosseguir a luta contra os centristas, e segue escrevendo como se deve conduzir essa luta, eu digo que se essas emendas denotam uma determinada tendência, é necessário lutar impiedosamente contra essa tendência, porque, caso contrário, não há comunismo nem Internacional Comunista. Estou surpreso que o Partido Comunista Operário da Alemanha não tenha assinado essas emendas (Risos). De fato, ouçam o que defende Terracini e o que dizem essas emendas. Começam assim: “Na página 1, coluna 1, linha 19, é preciso cortar: ‘A maioria …’” A maioria! Isto é terrivelmente perigoso! (Risos) E mais adiante: em vez das palavras “teses fundamentais” deve-se inserir “objetivos”. Teses fundamentais e objetivos são duas coisas distintas: quanto aos objetivos, até os anarquistas estarão de acordo conosco, porque também eles são partidários da abolição da exploração e das diferenças de classe.

Ao longo da minha vida me encontrei e conversei com poucos anarquistas, mas já os vi o suficiente. Por vezes, consegui alcançar um acordo com eles quanto aos objetivos, mas nunca quanto aos princípios. Princípios não são o objetivo, nem o programa, nem a tática, nem a teoria. Tática e teoria não são princípios. O que nos difere dos anarquistas quanto aos princípios? Os princípios do comunismo consistem no estabelecimento da ditadura do proletariado e no uso da coerção do Estado durante o período de transição. Tais são os princípios do comunismo, mas não o seu objetivo. E os camaradas que fizeram essa proposta cometeram um erro.

Em segundo lugar, diz-se: “É preciso cortar a palavra ‘maioria’”. Leia-se todo o trecho:

“O III Congresso da Internacional Comunista empreende a revisão das questões da tática em condições em que, em toda uma série de países, a situação objetiva se acirrou no sentido revolucionário, e em que se organizou toda uma série de partidos comunistas de massas, que no entanto, em parte nenhuma tomaram em suas mãos a direção efetiva da maioria da classe operária.”

Então, querem cortar a palavra “maioria”. Se não podemos ter acordo a respeito de coisas tão simples, não entendo como podemos trabalhar juntos e conduzir o proletariado à vitória. Então, não é de estranhar que também não possamos chegar a um acordo na questão dos princípios. Me mostre um partido que tenha ganho já a maioria da classe operária. Terracini não pensou sequer em citar qualquer exemplo. De fato, tal exemplo não existe.

Então, querem substituir a palavra “princípios” por “objetivos”, e cortar a palavra “maioria”. Não, obrigado! Não faremos isso. Nem mesmo o partido alemão, que é um dos melhores, possui a maioria da classe operária atrás de si. Isso é um fato. Nós, que temos pela frente a luta mais dura, não temos receio em dizer essa verdade, mas há aqui três delegações que querem começar por aquilo que não é verdade, porque se o congresso cortasse a palavra “maioria”, demonstraria assim que quer uma inverdade. Isso é absolutamente claro.

Segue-se depois esta emenda: “Na página 4, coluna 1, linha 10, ‘deve-se cortar’ as palavras ‘Carta Aberta’ [4], etc.” Já ouvi hoje um discurso no qual encontrei o mesmo pensamento. Mas ali isto era perfeitamente natural. Trata-se do discurso do camarada Hempel, membro do Partido Comunista Operário Alemão. Dizia ele: “A ‘Carta Aberta’ foi um ato de oportunismo.” Com infinito pesar e para minha maior vergonha, já tinha ouvido semelhantes concepções em particular. Mas quando no congresso, depois de debates tão prolongados, se qualifica a “Carta Aberta” de oportunista, isto é uma vergonha e uma infâmia! E eis que chega o camarada Terracini, em nome de três delegações, e quer cortar as palavras “Carta Aberta”. Para que serve, então, a luta contra o Partido Comunista Operário Alemão? A “Carta Aberta” é um passo político exemplar. Assim consta em nossas teses. E devemos defender isto incondicionalmente. Ela é exemplar como primeiro ato de um método prático para atrair a maioria da classe operária. Quem não compreender que na Europa – onde quase todos os proletários estão organizados – devemos conquistar a maioria da classe operária, está perdido para o movimento comunista, nunca aprenderá nada se em três anos de revolução ainda não aprendeu isto.

Terracini diz que na Rússia vencemos apesar de o partido ser muito pequeno. Está descontente com o facto de se dizer a propósito da Tchecoslováquia aquilo que se diz nas teses. Há aqui 27 emendas, e se me ocorresse criticá-las, teria de falar pelo menos três horas, como fizeram alguns oradores... Declarou-se aqui que na Tchecoslováquia o partido comunista conta com 300.000 a 400.000 membros, que é necessário atrair a maioria, criar uma força invencível e continuar a atrair novas massas operárias. Terracini está pronto para o ataque. Diz ele: se o partido já tem 400.000 operários, por que devemos querer mais? Cortar! (Risos) Tem receio da palavra “massas” e quer fazê-la desaparecer. O camarada Terracini compreendeu muito pouco da revolução russa.

Na Rússia éramos um partido pequeno, mas conosco estava também a maioria dos Sovietes de deputados operários e camponeses de todo o país. (Exclamam: “Exatamente!”) Onde se tem isso? Conosco estava quase metade do exército, que contava então com pelo menos 10 milhões de homens. Tem-se a maioria do exército? Me indiquem um só país assim! Se essas concepções do camarada Terracini são partilhadas por mais três delegações, então algo está errado na Internacional! Então devemos dizer: “Alto lá! Precisamos de uma luta decisiva! Caso contrário, a Internacional Comunista está perdida.” (Agitação na sala)

Com base na minha experiência, devo dizer, embora ocupe uma posição defensiva (Risos), que o objetivo do meu discurso e o seu princípio é a defesa da resolução e das teses propostas pela nossa delegação. Naturalmente seria pedantismo dizer que não se pode alterar nelas nem uma letra. Tive de ler um bom número de resoluções e sei bem que em cada linha se poderiam introduzir excelentes emendas. Mas isso seria pedantismo. E se agora declaro, apesar de tudo, que, no sentido político, não se pode alterar nem uma letra, é porque as emendas apresentam, em minha opinião, um caráter político perfeitamente definido, porque nos conduzem a um caminho nocivo e perigoso para a Internacional Comunista. Por isso, eu e todos nós, e a delegação russa, devemos insistir para que não se altere nas teses nem uma letra. Nós não condenamos apenas os nossos elementos direitistas – nós os expulsamos. Mas se, assim como Terracini, as pessoas fazem da luta contra os direitistas um esporte, devemos dizer: “Basta! Caso contrário, o perigo será muito grave!”

Terracini defendeu a teoria da luta ofensiva [5]. As célebres emendas propõem a esse respeito uma fórmula que ocupa de duas a três páginas. Não há necessidade de lê-las. Sabemos o que está escrito nelas. Terracini disse claramente qual é a questão. Defendeu a teoria da ofensiva, apontando as “tendências dinâmicas” e a “passagem da passividade à atividade”. Nós, na Rússia, já temos experiência política suficiente na luta contra os centristas. Há quinze anos atrás levantamos a luta contra os nossos oportunistas e centristas, assim como contra os Mencheviques, e vencemos não só os Mencheviques mas também os semi-anarquistas.

Se o não tivéssemos feito, não teríamos condições de manter o poder em nossas mãos por três anos e meio, nem sequer por três semanas e meia, e não poderíamos reunir aqui congressos comunistas. As “tendências dinâmicas” e a “passagem da passividade à atividade” não são mais do que frases que os Socialistas-Revolucionários de esquerda lançaram contra nós. Agora eles estão nas prisões, defendem ali os “objetivos do comunismo” e pensam na “passagem da passividade à atividade”. (Risos) Não é possível argumentar como se argumenta nas emendas propostas, porque nelas não há nem marxismo, nem experiência política, nem argumentação. Desenvolvemos nas nossas teses a teoria geral da ofensiva revolucionária? Terá Radek [6] ou qualquer outro de nós cometido semelhante idiotice? Falamos da teoria da ofensiva em relação a um determinado país e a um determinado período.

Da nossa luta contra os Mencheviques podemos citar casos que mostram que já antes da primeira revolução se encontravam pessoas que duvidavam que o partido revolucionário devesse lançar uma ofensiva. Se tais dúvidas acometiam um social-democrata qualquer – assim como nos chamávamos à época – lutávamos contra ele e dizíamos que era um oportunista, que nada compreendia do marxismo nem da dialética do partido revolucionário. É, de fato, possível para um partido decidir se a ofensiva revolucionária é ou não admissível em geral? Para encontrar tais exemplos no nosso país, é preciso voltar quinze anos atrás. Se há um centrista ou um centrista disfarçado que conteste a teoria da ofensiva, é preciso expulsá-los imediatamente. Este problema não pode suscitar discussões. Mas é uma vergonha e uma ignomínia que agora, depois de três anos de existência da Internacional Comunista, ainda discutamos sobre as “tendências dinâmicas” e a “passagem da passividade à atividade”.

Nós não discutimos sobre isso com o camarada Radek, que elaborou juntamente conosco estas teses. Talvez não tenha sido de todo acertado iniciar na Alemanha debates sobre a teoria da ofensiva revolucionária, quando não estava preparada uma verdadeira ofensiva. Não obstante, a Ação de Março [7] é um grande passo em frente, apesar dos erros dos seus dirigentes. Mas isso não significa nada. Centenas de milhares de operários lutaram heroicamente. Por muita que tenha sido a coragem com que o Partido Comunista Operário Alemão tenha lutado contra a burguesia, devemos dizer o mesmo que disse o camarada Radek num artigo russo referente a Hölz. Se qualquer um, até mesmo um anarquista, luta heroicamente contra a burguesia, isso é, claro, uma grande coisa; mas é um verdadeiro passo adiante se centenas de milhares lutam contra a provocação vil dos social-traidores e contra a burguesia.

É muito importante ser crítico aos erros. Começamos com isso. Se qualquer um, depois de uma luta em que centenas de milhares participaram, se levanta contra essa luta e se comporta como Levi, então deve ser expulso. E é isso que foi feito. Mas devemos traçar uma lição a partir disso. Realmente nos preparamos para uma ofensiva? (Radek: “não nos preparamos sequer para a defesa.”). De fato, somente os jornais falavam de uma ofensiva. Essa teoria aplicada à Ação de Março na Alemanha em 1921 [8] estava incorreta – temos que admitir isso – mas, no geral, a teoria da ofensiva revolucionária não é de todo falsa.

Fomos vitoriosos na Rússia, e com tal facilidade, porque preparamos nossa revolução durante a guerra imperialista. Essa foi a primeira condição. Dez milhões de trabalhadores e camponeses na Rússia foram armados, e nossa palavra de ordem era: uma paz imediata a qualquer custo. Fomos vitoriosos porque a vasta massa de camponeses estavam revolucionariamente dispostas contra os grandes proprietários de terra. Os Socialistas-Revolucionários, partidários da II Internacional e da II 1/2 Internacional, eram um grande partido camponês em Novembro de 1917. Eles exigiram métodos revolucionários, mas, como verdadeiros heróis da II Internacional e da II 1/2 Internacional, careciam de coragem para agir de um modo revolucionário. Em Agosto e Setembro de 1917, dissemos: “Na teoria, estamos lutando contra os Socialistas-Revolucionários como fizemos antes, mas na prática, estamos preparados para aceitar seu programa porque somente nós somos capazes de colocá-lo em prática.” Fizemos exatamente o que dissemos. O campesinato, hostil conosco em Novembro de 1917, depois de nossa vitória, que enviou uma maioria de Socialistas-Revolucionários para a Assembleia Constituinte, foi ganho por nós, se não ao cabo de alguns dias – assim como eu equivocadamente esperava e previa – no curso de algumas semanas. A diferença não era grande. Você pode apontar qualquer país na Europa onde puderam ganhar a maioria camponesa ao longo de algumas semanas? Talvez a Itália? [Risadas] Se se diz que fomos vitoriosos na Rússia apesar de não temos um grande partido, isso apenas prova que aqueles que o dizem não entenderam a Revolução Russa e que possuem absolutamente nenhum entendimento de como se preparar para uma revolução.

Nosso primeiro passo foi criar um Partido Comunista de verdade, para saber com quem iríamos falar e em quem podíamos confiar completamente. A palavra de ordem do I e II Congressos foi “Abaixo aos Centristas!”. Não podemos esperar dominar sequer o ABC do comunismo, a menos que por todo o canto e pelo mundo todo demos pouca atenção aos Centristas e semi-Centristas, que na Rússia chamamos de Mencheviques. Nossa primeira tarefa é criar um partido genuinamente revolucionário e romper com os Mencheviques. Mas essa é somente uma escola preparatória. Já estamos convocando o III Congresso, e o camarada Terracini continua dizendo que a tarefa da escola preparatória consiste em caçar, perseguir e expor os Centristas e semi-Centristas. Não, obrigado! Já fizemos isso por tempo o suficiente. No II Congresso, dissemos que os Centristas eram nossos inimigos. Mas devemos avançar de verdade. O segundo estágio, depois de se organizar um partido, consiste em aprender a se preparar para a revolução. Em muitos países não aprendemos sequer como assumir a liderança. Fomos vitoriosos na Rússia não apenas porque a maioria indiscutível da classe trabalhadora estava do nosso lado (durante as eleição em 1917, a maioria esmagadora dos trabalhadores estava conosco contra os Mencheviques), mas também porque metade do exército, imediatamente depois de nossa tomada do poder, e nove décimos dos camponeses, ao longo de algumas semanas, vieram para o nosso lado; fomos vitoriosos porque adotamos o programa agrário dos Socialistas- Revolucionários ao invés do nosso próprio, e o implementamos. Nossa vitória se baseia no fato de que realizamos o programa Socialista-Revolucionário; é por isso que nossa vitória foi tão fácil. É possível que vocês no Ocidente tenham tais ilusões? É ridículo! Apenas compare as condições econômicas concretas, camarada Terracini e todos vocês que assinaram as emendas propostas! Apesar do fato de a maioria ter rapidamente vindo para o nosso lado, as dificuldades nos confrontando após nossa vitória foram muito grandes. No entanto, vencemos porque mantivemos em mente não apenas nossos objetivos, mas também nossos princípios, e não toleramos em nosso Partido aqueles que mantiveram silêncio a respeito dos princípios, mas falaram sobre objetivos, “tendências dinâmicas” e a “transição da passividade à atividade”. Talvez devamos ser culpados  por preferir manter tais cavalheiros na prisão. Mas a ditadura é impossível de qualquer outra maneira. Devemos nos preparar para a ditadura, e isso consiste em combater tais frases e tais emendas. [Risadas] Por toda a parte nossas teses falam das massas. Mas, camaradas, precisamos entender o que se entende por massas. O Partido Comunista Alemão, os camarada da ala-Esquerda, fazem mau-uso dessa palavra. Mas o camarada Terracini também, e todos aqueles que assinaram a essas emendas, não sabem como o termo “massas” deve ser lido.

Estou falando há muito tempo; portanto, gostaria de dizer somente algumas palavras sobre o conceito de “massas”. É um conceito que muda de acordo com as transformações na natureza da luta. No começo da luta, bastou somente alguns milhares de trabalhadores genuinamente revolucionários para garantir falar com as massas. Se o partido tiver sucesso em trazer para a luta não somente seus membros, se também tiver sucesso em estimular o povo sem-partido, está bem no sentido de ganhar as massas. Durante nossa revolução, houve situações em que vários milhares de trabalhadores representaram as massas. Na história de nosso movimento, e de nossa luta contra os Mencheviques, vocês encontrarão muitos exemplos em que vários milhares de trabalhadores em uma cidade bastavam para dar um claro caráter de massa para o movimento. Tem-se uma massa quando vários milhares de trabalhadores sem-partido, que normalmente vivem uma vida filisteia e arrastam-se por uma existência miserável, e que nunca ouviram nada sobre política, começam a atuar de um modo revolucionário. Se o movimento se espalha e se intensifica, gradualmente se desenvolve em uma verdadeira revolução. Vimos isso em 1905 e 1917 durante três revoluções, e vocês também terão de passar por tudo isso. Quando a revolução foi suficientemente preparada, o conceito de “massas” se torna diferente: vários milhares de trabalhadores não mais constituem as massas. Essa palavra começa a denotar algo mais. O conceito de “massas” passa por uma transformação tal que implica a maioria, e não simplesmente uma maioria somente de trabalhadores, mas a maioria de todos os explorados. Qualquer outra forma de interpretação não é permissível para um revolucionários, e qualquer outro sentido da palavra se torna incompreensível. É possível que mesmo um partido pequeno, o partido Britânico ou Americano, por exemplo, depois de ter minuciosamente estudado o curso do desenvolvimento político e se tornado familiarizado com a vida e costumes das massas sem-partido, em um momento favorável evoque o movimento revolucionário (camarada Radek apontou para a greve dos mineiros como um bom exemplo [9]). Você terá um movimento de massas se um tal partido vier a frente com suas palavras de ordem em um tal momento e tenha sucesso em fazer com que milhões de trabalhadores o sigam. Eu não negaria por completo que uma revolução pode ser iniciada por uma partido muito pequeno e trazida a um desfecho vitorioso. Mas deve-se ter um conhecimento dos métodos pelos quais as massas podem ser conquistadas. Pois essa preparação completa da revolução é essencial. Mas aqui temos camaradas vindo a frente com a afirmação de que deveríamos desistir imediatamente da demanda por “grandes” massas. Eles devem ser confrontados. Sem uma preparação completa não se conquistará vitória em nenhuma país. Um partido bastante pequeno é suficiente para liderar as massas. Em certos períodos, não há nenhuma necessidade de grandes organizações.

Mas para vencer, devemos ter a simpatia das massas. Uma maioria absoluta nem sempre é essencial; mas o que é essencial para ganhar e manter o poder não é somente a maioria da classe trabalhadora — eu uso o termo “classe trabalhadora” no sentido europeu-ocidental, isto é, no sentido do proletariado industrial — mas também da maioria dos trabalhadores e explorados da população rural. Vocês pensaram nisso? Encontramos no discurso de Terracini sequer um indício sobre esse pensamento? Ele fala apenas de “tendência dinâmica” e da “transição da passividade à atividade”. Ele dirige sequer uma única palavra para a questão da alimentação? E ainda assim, os trabalhadores exigem seu abastecimento, embora possam aguentar muitas coisas e passar fome, assim como vimos na Rússia até certo ponto. Devemos, portanto, conquistar para o nosso lado não somente a maioria da classe trabalhadora, mas também a maioria dos trabalhadores e explorados da população rural. Vocês se prepararam para isso? Quase em lugar nenhum.

E assim, repito: devo defender sem reservas nossas teses e me sinto obrigado a isso. Não apenas rejeitamos os Centristas como os expulsamos do Partido. Agora, devemos lidar com outro aspecto, que também consideramos perigoso. Devemos dizer aos camarada a verdade da forma mais polida (e em nossas teses está colocada de modo gentil e compreensivo) para ninguém se sinta insultado: estamos confrontados agora por outras questões mais importantes que o ataque aos Centristas. Tivemos o suficiente dessa questão. Já se tornou, de certa forma, entediante. Ao invés disso, os camaradas devem aprender a travar uma luta revolucionária de verdade. Os trabalhadores alemães já começaram isso. Centenas de milhares de proletários naquele país estiveram lutando heroicamente. Qualquer um que se oponha a essa luta deve ser imediatamente expulso. Mas depois disso, não podemos nos engajar em palavreados vazios, mas devemos imediatamente começar a aprender a partir dos erros cometidos como organizar melhor a luta. Não devemos esconder nossos erros do inimigo. Qualquer um que tenha medo disso não é revolucionário. Pelo contrário, se declararmos abertamente para os trabalhadores: “Sim, cometemos erros”, significará que eles não serão repetidos e que seremos mais aptos a escolher melhor o momento. E caso durante a própria luta, a maioria do povo trabalhador provar estar do nosso lado – não somente a maioria dos trabalhadores, mas a maioria de todos os explorados e oprimidos – então deveremos ser vitoriosos de verdade. [Aplausos prolongados]


Notas

[1] O III Congresso aconteceu em Moscou, de 22 de Junho a 12 Julho de 1921. Seus 605 delegados (291 com direito a voz e voto, e 314 com direito a voz) representaram 103 organizações de 52 países, a saber: 48 Partidos Comunistas, 8 Partidos Socialistas, 28 Ligas de Juventude, 4 organizações sindicais, 2 Partidos Comunistas de Oposição e 13 outras organizações. Os 72 delegados do Partido Comunista Russo foram liderados por Lênin.

O III Congresso teve grande influência na formação e desenvolvimento de jovens Partidos Comunistas. Prestou grande atenção à organização do Komintern e às táticas nas novas condições internacional do movimento comunista. Lênin teve de combater o desvio Centrista e o dogmatismo “Esquerdista”, a hipocrisia e sectarismo pseudo-revolucionário “Esquerdista”.

Na história do movimento comunista internacional, o III Congresso é conhecido pelas seguintes conquistas: definiu as táticas fundamentais dos Partidos Comunistas; definiu a tarefa da conquista das massas sob a direção do proletariado, fortalecendo a unidade da classe trabalhadora e implementando a tática da Frente Única.

[2] Umberto Terracini (1895-1983): advogado e líder comunista italiano. Entrou para a juventude socialista muito jovem, então membro da ala esquerda internacionalista da social-democracia italiana antes da guerra de 1914-18. Amigo de Gramsci, participou com ele na criação do jornal L'Ordine Nuovo em 1919 e na fundação do Partido Comunista Italiano em 1921. Membro do CC do PCI, delegado ao III Congresso da Internacional Comunista e eleito para seu Comitê Executivo, apesar de sua oposição às táticas da Frente Única dos Trabalhadores. Foi detido e encarcerado várias vezes em prisões fascistas entre 1926 e 1943. Criticou a política stalinista em 1939, o que lhe valeu a expulsão do PCI. Foi membro do Conselho Nacional para a Libertação Nacional da Resistência Italiana. Após a libertação, reintegrou-se ao PCI, onde passou a integrar a direção e elegeu-se senador em 1948, assento que ocupou até a sua morte.

[3] Trata-se das emendas das delegações alemã, austríaca e italiana ao projeto de teses sobre a tática apresentado pela delegação russa ao III Congresso da Internacional Comunista.

[4] Trata-se da “Carta Aberta” do Comitê Central do Partido Comunista Unificado da Alemanha dirigida ao Partido Socialista da Alemanha, ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, ao Partido Comunista Operário da Alemanha e a todas as organizações sindicais. Nessa carta, publicada em 8 de Janeiro de 1921 no jornal Die Rote Fahne (Bandeira Vermelha), o PCUA chamava todas as organizações operárias, socialistas e sindicais para a luta comum contra a reação, que se tornava cada vez mais forte, e contra a ofensiva do capital contra os direitos vitais dos trabalhadores.

[5] A essência da teoria da luta ofensiva ou “teoria da ofensiva” proclamada em Dezembro de 1920 no Congresso de Unificação do Partido Comunista da Alemanha e da ala esquerda do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha consistia em que o partido devia aplicar uma tática de ofensiva sem levar em consideração a existência das premissas objetivas necessárias para intervenção revolucionária e o fato de o partido comunista ser ou não apoiado pelas amplas massas de trabalhadores. Esta linha foi uma das causas da derrota da ação do proletariado da Alemanha em Março de 1921. A “teoria da ofensiva” tinha também adeptos entre os elementos “de esquerda” da Hungria, da Tchecoslováquia, da Itália, da Áustria e da França. No III Congresso da Internacional Comunista, os partidários da "teoria da ofensiva" procuravam que ela fosse colocada na base das resoluções sobre a tática da Internacional Comunista. Lênin, nas suas intervenções no Congresso, revelou o caráter falso e aventureiro dessa “teoria”; o congresso aprovou as propostas de Lênin acerca da preparação paciente e da conquista da maioria da classe operária para o lado do movimento comunista.

[6] Karl Berngardovich Radek (1885-1939): ingressa no Partido Socialista Polaco em 1902, adere ao POSDR em 1903 e, no ano seguinte, ao movimento social-democrata do Reino da Polônia e da Lituânia. Em 1917 junta-se aos Bolcheviques. É eleito para o CC (1919-24): mas milita no grupo dos “Comunistas de Esquerda”, que se opõem ao tratado de Brest-Litovsk. Membro do Comitê Executivo do Komintern (1920-24): torna-se trotskista em 1923. Preso em 1936, é um dos principais arguidos do processo do “Centro Anti-Soviético Trotskista Paralelo”. Em Janeiro de 1937 é condenado a dez anos de prisão, onde virá a falecer.

[7] Trata-se de uma ação armada do proletariado da Alemanha em Março de 1921. Aterrorizada pela influência cada vez maior dos comunistas sobre as massas, a burguesia alemã decidiu provocar a vanguarda revolucionária do proletariado para uma revolta armada prematura e mal preparada, para assim destruir as organizações revolucionárias da classe operária. Em 16 de Março, sob o pretexto de lutar contra os criminosos de direito comum, que pretensamente provocavam greves, o chefe da polícia prussiana, o social-democrata Herzing, deu ordem para que nas empresas da Alemanha Central fossem introduzidos destacamentos da polícia. Essas ações provocatórias das autoridades originaram uma forte indignação entre os operários, e começaram os choques com a polícia. A maioria de esquerda do CC do Partido Comunista Unificado da Alemanha, partindo da chamada “teoria da ofensiva”, empurrava os operários para o caminho de uma insurreição prematura. Em 17 de Março, o CC do PCUA adotou uma resolução na qual se dizia que “o proletariado é obrigado a aceitar o combate”, e apelou para o proletariado da Alemanha para uma greve geral com o objetivo de ajudar os operários da Alemanha Central. No entanto, a maioria da classe operária não estava preparada para a ação e não participou nos combates; só na Alemanha Central a ação tomou o caráter de luta armada. Durante a Ação de Março, o jovem Partido Comunista da Alemanha cometeu uma série de erros. Apesar da luta heróica dos operários, a Ação de Março foi esmagada.

[8] A respeito da Ação de Março, ver também Lukács, Espontaneidade das massas, atividade do Partido, em A Responsabilidade social do filósofo, Lavrapalavra, 2021, p. 39-50.

[9] A greve dos mineiros na Grã-Bretanha, durou de Abril a Junho de 1921, em protesto contra as intenções dos proprietários de minas de cortar salários. Mais de um milhão de trabalhadores participaram na greve, com todos os mineiros participando.