Discurso de Lula na Assembleia Geral da ONU expõe contradições da política externa brasileira

A vocação diplomática de nossa política externa não exaure as belas frases e discursos idealistas, que mascaram o papel de destaque que o Brasil cumpre na cadeia imperialista e no reforço do próprio sistema que gera a desigualdade e a guerra.

Discurso de Lula na Assembleia Geral da ONU expõe contradições da política externa brasileira
O presidente Lula na abertura da AGNU. Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert. Reprodução: Lula.

Por Redação

No dia 24/09/2024, o presidente Lula pronunciou o discurso de abertura para a 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), mais importante espaço deliberativo da organização internacional. Em seu discurso, o presidente defendeu o avanço do “multilateralismo” como solução para a catástrofe climática, as guerras e a desigualdade internacional, apresentando ao final uma proposta de reformar a ONU para aumentar sua capacidade de intervenção e reforçar o diálogo e cooperação internacional.

Se apresentando numa posição de mediação e liderança para inclusão dos “países em desenvolvimento” e das ex-colônias, Lula apontou diversas contradições do atual cenário internacional e fez importantes acenos ao povo palestino, que esteve representando por uma delegação na Assembleia pela primeira vez, e à Cuba, condenando o tenebroso embargo imposto ao país. Porém, a vocação diplomática da atual política externa brasileira não ultrapassa as belas frases e discursos idealistas, que buscam mascarar o papel de destaque que o Brasil cumpre na cadeia imperialista global e no reforço do próprio sistema que gera a desigualdade e a guerra.

Ao tratar do genocídio em Gaza, Lula inicia o tópico condenando a operação Tempestade Al-Aqsa, da resistência palestina, como ato de “fanáticos terroristas”. Como se este genocídio tivesse começado apenas no 7 de outubro do ano passado, ignorou as décadas de brutal opressão da ocupação sionista contra o povo palestino. E, mesmo já tendo caracterizado a situação em Gaza como genocídio e, no próprio discurso, admitir que se trata de “punição coletiva”, com maioria de mulheres e crianças entre as 40 mil vítimas da ofensiva sionista, a política externa brasileira segue mantendo relações diplomáticas e econômicas com Israel, financiando a sua ocupação.

Na realidade, duas semanas após o discurso de Lula, seu próprio Ministro da Defesa, José Múcio, criticou a “interferência ideológica” no caso em que, sob pressão do movimento de solidariedade à Palestina, o governo recuou da compra de 36 blindados da empresa israelense Ellbit, numa licitação bilionária. Afinal, as armas que a entidade genocida de Israel usa contra os palestinos são as mesmas que o governo brasileiro usa contra os trabalhadores nas favelas – e a burguesia brasileira não esconde seu interesse em manter e aprofundar relações com a ocupação sionista, afinal, a guerra é um mercado bastante lucrativo.

Lula também apresenta o Haiti como exemplo de crise que exige intervenção da ONU. Porém, esconde que dentre as causas da atual crise política e social no Haiti está justamente a intervenção da ONU no país, e o completo fracasso da operação MINUSTAH, intervenção militar da ONU no Haiti vergonhosamente chefiada pelo Exército Brasileiro durante os governos petistas. Na conta da intervenção, que durou 13 anos, estão as mortes de dezenas de haitianos, centenas de acusações de abuso sexual, uma epidemia de cólera e a chegada de armamentos pesados nas mãos de facções criminosas que, hoje, lutam pelo poder no país.

Esta política contraditória condiz diretamente com o “multilateralismo” defendido pelo presidente. Afinal, a intervenção internacional no Haiti, chefiada pelo governo Lula, é mais uma expressão das relações interdependentes dos países nas diversas posições da cadeia imperialista, legando ao Brasil, na disputa por melhores posições na dinâmica capitalista, uma função subimperialista no cenário internacional, tornando nosso país responsável pela perpetuação do ciclo de violência e desigualdade característico do capitalismo em seu estágio imperialista.

Também na questão climática o discurso apresenta uma posição vazia. Apesar de dizer que luta “contra quem lucra com a degradação ambiental”, isto não condiz com a política do governo brasileiro: enquanto os servidores do IBAMA e do ICMBio são combatidos em sua luta por melhores salários e condições mínimas de trabalho, a burguesia do agronegócio ganhou o maior Plano SAFRA da história e o governo retomou negociações para a construção da BR-319, trazendo enorme prejuízo à áreas preservadas para inflar os lucros astronômicos dos latifúndios.

Por fim, apesar de anunciar a intenção de tributar os lucros bilionários e os “ultra-ricos” e denunciar que os trabalhadores pagam mais impostos do que a burguesia, o governo Lula promove, a toque de caixa, uma reforma tributária sobre o consumo, que onera de forma regressiva os trabalhadores, enquanto protela a proposta de uma reforma da tributação direta sobre a renda, que poderia onerar progressivamente os mais ricos.

No fim das contas, o discurso de Lula na ONU apenas revela os limites de sua política “social-liberal”, em sua política interna, e “multilateral”, na política internacional. Apesar de pronunciar belas frases, o governo Lula-Alckmin segue cúmplice do imperialismo e da burguesia em sua ofensiva contra a classe trabalhadora de todo o mundo. Frente a esse discurso, os comunistas seguirão reafirmando que a única maneira de romper as correntes do capital, que levam à fome, à guerra e à crise climática, é a tomada do poder pelos trabalhadores e a construção do socialismo.