'Disciplina consciente' (Geraldo)
Que a repressão vai cair ferozmente em cima do nosso lombo é certeza absoluta. Mas o resultado disso depende de nós. Se estivermos preparados, vamos enfrentar isso com a grande possibilidade de não sermos destruídos. Se não estivermos preparados, com certeza seremos humilhantemente destruídos.
Por Geraldo para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Este pequeno texto tem como objetivo tratar da disciplina, não das regras de funcionamento do PCB-RR. E, cá prá nós, falar de disciplina é fazer luta ideológica!
Primeiramente, para a redação desse texto, preciso informar que vou fazer uso da Língua Portuguesa, a nossa língua materna, e, dentro dos meus limites, da riqueza que essa língua nos oferece, mas também envolvido com os poucos percalços existentes nessa língua, que nos impedem de falar e escrever mais corretamente, mais de acordo com a realidade concreta. Espero que isso seja levado em conta pelos leitores para evitar discussões polêmicas sobre algum tema, que seja até correto. Costumo falar e redigir, nos meus limites, sem intenção de ferir quem quer que seja, de forma objetiva, concreta, direta.
Então, vamos ao assunto: para os jovens, principalmente, quando se fala em disciplina, pelo senso comum, o entendimento se limita à disciplina imposta pelos pais, pelos professores, pelas autoridades.
Eles mandam e os filhos, os alunos e os cidadãos obedecem. Se não obedecerem, sofrem algum castigo. O normal é não conhecerem as regras, mas têm de obedecer. Esse é o procedimento normal da sociedade em que vivemos.
Depois, os jovens vão encontrar, em qualquer tempo e lugar, regras a serem obedecidas para que possam participar, se manifestar, ou simplesmente estar presentes. Por exemplo, no cinema, no teatro: se você fizer barulho durante o filme ou o espetáculo, vai ser posto para fora da sala; na sala de aula: se você ficar conversando com algum colega durante a aula, será repreendido pelo professor; no trânsito: se você ultrapassar o limite de velocidade, certamente vai ser multado... Há muitíssimos outros exemplos de regras da sociedade que temos de obedecer para não sermos punidos. Podemos conhecer algumas regras, a maioria não, não conhecemos a maioria das regras, só as obedecemos.
Encontrei na internet uma definição interessante do verbo “obedecer”: “Obedecer indica o ato de cumprir ordens, de se submeter à vontade dos outros ou de atender a alguma coisa. É, assim, sinônimo de acatar, atender, cumprir, seguir, ouvir, respeitar, satisfazer, sujeitar-se e submeter-se, entre outros.” É uma palavra, uma palavra que constroi uma situação concreta que exige submissão. Na sociedade, o cidadão se submete às regras mesmo sem compreendê-las, até mesmo sem conhecê-las.
Em relação à prática revolucionária, aos revolucionários, a coisa é diferente!
Um Partido Revolucionário tem regras e precisa ter regras para sua prática política funcionar e, até, no limite, para não ser destruído ou não se autodestruir. E seus militantes e quadros – vejam bem: o militante, o quadro é o Partido – têm de obedecer a essas regras = o Partido tem de obedecer às regras do Partido, o Partido, o militante, o que tem de ser disciplinado. Estamos falando de disciplina, com uma diferença fundamental em relação à disciplina da sociedade do capital: não é imposta, não é autoritária, é uma disciplina consciente. O militante, o quadro deve conhecer, tem de conhecer, conhece tudo sobre a prática política para saber que é preciso ter regras e que é preciso cumprir as regras, que é preciso ter disciplina de forma consciente. Isso faz parte da construção do militante, do quadro, faz parte da construção do Partido Revolucionário.
Inicialmente, deve ficar absolutamente claro que participar da luta de classes –– a luta revolucionária, cujo objetivo, resumidamente, é destituir a burguesia do poder, assumir o poder e estabelecer uma nova ordem societária, substituindo o capitalismo pelo socialismo ––, repetindo, participar da luta de classes é trabalho voluntário. Ninguém é obrigado a fazer, a assumir esse trabalho. Mas, quando se dispõe a fazer, a assumir, a pessoa tem de deixar sua vida de trabalhador, de estudante, de empregado ou desempregado, de morador de rua ou de filhinho de papai etc. e assumir, com prioridade em relação a todas as outras atividades, sua nova vida, de militante revolucionário, de quadro.
Quem não estiver disposto a assumir isso, passar a vida na luta revolucionária, abrir mão dos privilégios que poucos desfrutam na sociedade burguesa, encarar extremas dificuldades na vida da prática política revolucionaria, enfrentar o capital, a opressão e a repressão do capital contra os lutadores da revolução, se não estiver disposto a estar aberto para crescer dentro do PC, junto com o PC, a recomendação para essas pessoas é de não se envolver, não assumir nenhum compromisso com a luta revolucionária, pois, com certeza, não vai cumprir suas tarefas, com certeza vai pular fora mais cedo ou mais tarde.
Eu participei de uma organização de luta contra a ditadura. A organização não era militarista. Fazíamos um trabalho de conscientização e organização dos trabalhadores, com prática voltada para levantar os problemas no chão da fábrica e tentar organizar os trabalhadores para alguma atividade contra a barbárie imposta,uma greve, por exemplo. Prática hoje dificílima, quase impossível de se fazer na época. Atualmente, poucos militantes têm alguma noção disso, a noção do que seja viver sob a tirania do tacão da ditadura, a noção de fazer luta revolucionária sob a tirania do tacão da ditadura. Por menor que seja a prática política, como a que fazíamos: era uma prática extremamente importante e difícil e arriscada de fazer. Ditadura para quase todo mundo hoje é só teoria. Nem o governo do fascista pode ser comparado com a barbárie da ditadura militar como foi a de 1964 (digo assim porque todo governo capitalista é uma ditadura do capital), com seus vários ditadores, cada um pior do que o outro. Hoje somos um PCB-RR na condição, com reservas, claro, da legalidade. Mas, nós, lutadores revolucionários, quadros que somos, quadros que pretendemos ser, que precisamos ser, que vamos ser, precisamos compreender profundamente o papel, o comportamento das classes dominantes para manter seu poder, o que as classes dominantes chegam a fazer para manter o seu poder. Podemos encontrar essas informações ao estudarmos o fascismo, o nazismo, a ditadura chilena, a ditadura argentina, principalmente a ditadura brasileira. Procurem na internet o que fez a ditadura brasileira, principalmente no período de Médici. No Chile, vejam o que Pinochet fez por lá; por exemplo, a ditadura não gostou da criação musical de Victor Jara e torturou-o por dias e destruiu suas mãos antes de assassiná-lo. Vejam matéria em: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/06/victor-jara-um-gigante-da-musica-que-a-selvageria-de-pinochet-nao-conseguiu-calar
Para as classes dominantes não existe limite algum em termos concretos, ideológicos, morais ou qualquer coisa que seja para manter seu poder. Eles fazem de tudo. E, nós, Partido Revolucionário, precisamos fazer tudo o que for preciso e tudo corretamente para não nos expor desnecessariamente à repressão das classes dominantes. Para isso, para qualificar e fortalecer o Partido e os militantes e quadros, temos a formação político-ideológica, temos a política de segurança, temos a política de quadros, temos o exemplo histórico do Partido, temos o exemplo da luta de militantes e quadros históricos e uma documentação preciosa.
Em relação ao nosso assunto, um dos fundamentos mais importantes para essa prática política revolucionária foi, é e será a disciplina. Na época da ditadura, ou tínhamos disciplina, disciplina consciente, ou era queda na certa. Queda era sinônimo de tortura e quase sinônimo de assassinato. Hoje, o PCB-RR está na legalidade, quase aceito com reservas pelo Estado burguês. Mas isso não quer dizer que amanhã ou depois de amanhã a coisa vai ser a mesma. Quanto mais a luta de classes se intensifica, mas a repressão se intensifica. É assim que funcionada a sociedade do capital: o trabalhador tem de aceitar a barbárie de cabeça baixa, pois, se tentar levantar a cabeça, o capital vai dar pancada, vai prender, vai tortura, vai assassinar.
Hoje é diferente. As classes dominantes estão mais “tolerantes”. Uma das razões disso é que elas conhecem bem os problemas das esquerdas e sabem que, por isso, pelos grandes problemas atuais das esquerdas, a esquerda faz pouca coisa, nem sua luta pela sua demanda tem alguma repercussão mais importante, não colocando em risco os privilégios das classes dominantes, não colocando em risco seu poder. Mais, as esquerdas lutam por demandas, não lutam por poder. Isso diferencia e diminui a qualidade do seu embate com as classes dominantes. Os trabalhadores estão desorganizados, isolados, quase cada um por si, estão sem consciência de classe, estão dominados pela ideologia burguesa, principalmente pelo misticismo, suportam a opressão, a miséria, a barbárie do capital contando com a salvação divina, suportam até a repressão quando não aguentam mais e fazem qualquer coisa espontaneamente, sem resultados. E seus sindicatos estão controlados pelas leis burguesas e pela repressão, com a ajuda dos eternos “judas”, os traidores, os pelegos. E as classes dominantes estão felizes com isso e fazem o que querem. A esquerda não sabe o que faz, os comunistas estão patinando. Ou seja, a luta social está minguada; a luta de classes organizada e com consciência de classe está emperrada, por enquanto está no papel e pouca gente sabe o que é isso.
Mas, vejamos: se for correta a afirmação de que nada dura para sempre, essa situação não vai durar para sempre. Um dia, isso certamente, mais cedo ou mais tarde, vai mudar, vai mudar porque estamos fazendo o nosso trabalho político para mudar – mesmo que bem no início desse trabalho político e ainda com muitos problemas a resolver – e os trabalhadores vão sair dessa, vão lutar e colocar em risco os privilégios das classes dominantes. Tenho absoluta certeza disso. Consequentemente, as classes dominantes também vão mudar seu comportamento, vão acionar ferozmente a repressão e isso vai cair principalmente em cima do nosso lombo, dos revolucionários. Precisamos estar preparados para isso. Que a repressão vai cair ferozmente em cima do nosso lombo é certeza absoluta. Mas o resultado disso depende de nós. Se estivermos preparados, vamos enfrentar isso com a grande possibilidade de não sermos destruídos. Se não estivermos preparados, com certeza seremos humilhantemente destruídos.
A participação na luta de classes transforma radicalmente as pessoas; o sujeito que ontem estava sem destino, hoje é um militante, os militantes de hoje possivelmente serão os quadros de amanhã, as pessoas que eram ideologicamente pequeno-burguesas e até burguesas ontem, hoje são comunistas, a sociedade burguesa já foi transformada em sociedade socialista. Essa prática, a luta de classes, transforma tudo, principalmente transforma totalmente as pessoas. E as pessoas precisam ter ciência disso e nunca prejudicar esse processo. No começo, uma forma de não prejudicar esse processo é entender o que é ser militante, ser quadro e o que é luta de classes. No caso deste texto, entender, em razão do palco em que trabalhamos, sentir profundamente o que é disciplina e a necessidade absoluta da disciplina consciente.
Precisamos estudar, estudar, estudar e, por fim, estudar mais ainda, fazer a formação político-ideológica criteriosamente e praticar criteriosamente o estudo individual.
Nós, quadros da luta revolucionária, somos o que Che Guevara, assim como outros lutadores, chamou de “homem novo”, ser humano novo. Somos a base da constituição da sociedade socialista. Isso nos honra e nos dá uma imensa responsabilidade.
Somos revolução e “Uma revolução só pode ser filha da cultura e das ideias” (Fidel Castro, 1999).
Geraldo – outubro 23
Agradeço ao camarada Ivan Pinheiro pelas considerações que fez ao texto, dando-me mais segurança para entregá-lo ao PCB-RR para ser usado no processo de formação político-ideológica.