'Dirigismo: pra que te querem?' (Thali e Bérnie)

O velho PCB acabou criando na militância um certo fetiche em submissão, uma militância, por muitas vezes, inativa no que concerne à construção do Partido. Muitos desejam que alguém os dirija para que o Partido, em abstrato, pense em tudo e desça apenas suas ordens.

'Dirigismo: pra que te querem?' (Thali e Bérnie)
"Se “é força, ação, não tem conciliação, Partido Comunista é pra fazer revolução” também é necessário que força, ação e asco a conciliação sejam também características do Militante Comunista, de nossos Camaradas, só assim para sermos, em nosso cerne “pra fazer revolução”."

Por Thali e Bérnie para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Este texto é, sobretudo, sobre nosso receio de que as práticas que desgostamos por parte de dirigentes, estas que discorreremos em outra tribuna, sejam na verdade originadas na base de nossa organização. Essa tribuna é sobre camaradagem e militância ou a ruína de ambas.

“O Partido fará!”

Após o lançamento de nossa tribuna “Somos um novo Partido!” floresceu em nós um sentimento estranho sobre um modelo de pensamento-ação que já permiava outras práticas que vínhamos tendo desde antes de nossa crise: o Dirigismo enquanto desejo. Muitos camaradas comentaram sobre o fato da mudança de nome de nossa organização “já estar sendo pensada” ou disseram “irá mudar” como algo natural e, indiretamente, que não devemos parar para pensar, como se o Partido não fosse constituído por nossas práticas. Notem camaradas, num contexto em que a estrutura organizativa passa por mudanças e não somos legalizados, ou seja, não somos regulados por uma estrutura legal, só uma coisa nos diz que, realmente, existimos, Lenin bem sintetiza essa coisa em sua frase “A prática é o critério da verdade”. Camaradas, só existimos na ação e fazemos não só na participação de 1001 atos ou construção de diversos eventos, fazemos também na construção interna, no questionamento, fazendo formulações, por esse caminho se avança, não por achar que “o Partido fará”, Não achando que o Partido é um Leviatã.

Nesse sentido, relendo a tribuna “O Partido não é um Leviatã” do Camarada Zenem, encontramos o cerne de todo esse incômodo com o desejo de nossas bases, há uma grande quantidade de nossos militantes que parece querer que o Partido aconteça e só mande neles. Desta forma de pensamento só resta uma progressão lógica nas últimas potências, bem representada no trecho do texto do Camarada Zenem, uma fidelidade religiosa ao Partido. E assim, os militantes revolucionários vão abaixando suas cabeças como súditos para o novo soberano, o Partido Comunista — que no fim nada mais será que a expressão da vontade de alguns poucos burocratas.”

Submissão e fetiche em ser dirigido

Dirigismo, dentre tantos significados, se expressa em nossa organização (e na nossa ex-organização também) como uma força atropeladora do andamento das tarefas, debates, formulações, força essa resumível a um desvio viciado que caminha numa lógica extra hierárquica onde o de cima manda e o debaixo obedece, nem sempre o debaixo tendo noção do quão tomado pela opinião ou autoridade do de cima ele está. (Basicamente, parafraseando um hit do conune: um vai mandar, o outro obedecer, qual a diferença da base pro cc?)

A cultura política em que fomos forjados enquanto militantes, no velho PCB, sempre foi permeada pelo dirigismo, ensinando, mesmo que não diretamente, que deveríamos ser passivas, apenas aguardar as ordens, ser dirigido por aqueles que “pensam”. Durante todo o processo de cisão esse problema foi duramente criticado, entretanto muito se falou (e menos ainda se fez) sobre os que dirigiam e pouco dos que queriam ser dirigidos. O velho PCB acabou criando na militância um certo fetiche em submissão, uma militância, por muitas vezes, inativa no que concerne à construção do Partido. Muitos desejam que alguém os dirija para que o Partido, em abstrato, pense em tudo e desça apenas suas ordens. De alguma maneira ambígua, muitos querem a revolução e vários de nossos militantes não desejam pensá-la.

As consequências desse desejo desenfreado são muitas, dentre elas, nos salta aos olhos: a morte da formação de quadros críticos; o abandono de um caráter revolucionário da organização, caso as dirigências cometam desvios; o definhamento do vinculo político da militância - a camaradagem; um caráter mandonista perpetrado em cada pedacinho da nossa organização; etc.

MilitantesXAtivistas - CamaradasXAliados

A militante comunista e escritora estadunidense Jodi Dean discorre em seu livro “Camarada: Ensaio sobre o pertencimento político” sobre a diferenciação do Aliado e do Camarada. Essa distinção aponta sobre uma responsabilidade política e crítica do Camarada, tendo em vista sua posição como um igual, como um divisor de trincheiras, já o Aliado é essa figura de pouca politização e que, de alguma maneira, se encontra em um lugar de privilégio em relação a luta social na qual ele se alia, visto que ele não é um protagonista desta, ele está de fora de alguma maneira. Como nós, militantes comunistas, já sabemos, a luta de classes não é algo que escolhemos ou não estar dentro. Não existem aliados, nesse sentido da escritora, na luta de classes, podem sim haver companheiros, mas a camaradagem é o grau máximo do pertencimento político, este que é um instrumento para a revolução e o horizonte de desejo para a forma de sociabilidade dentro de nossa organização.

Da mesma maneira que a escritora escreve sobre essa dicotomia acredito que seja possível o estabelecimento de uma segunda dicotomia, intimamente ligada à primeira, a dicotomia entre Militante e Ativista. O ativismo, podemos analisar por nossa experiência com a Indústria Cultural, principalmente a ligada aos EUA, é de um tom e viés muito mais liberal, ativista é de uma ONG, é um reivindicador de direitos dentro das Instituições, o Ativista não pensa uma nova sociedade ou uma ruptura com o Sistema Capitalista e todas  as suas facetas. Já o Militante tem uma causa ampla, uma responsabilidade. Existe uma forte relação entre o Camarada e o Militante, eles são dotados de responsabilidade política, coerência e, para o bom funcionamento deles enquanto tecnologia, um precisa do outro.

O que nos salta os olhos nesse momento é parte significativa de nossa militância recaindo para uma ação-pertencimento política cada vez menos Camarada-Militante e cada vez mais Aliado-Ativista, desvio esse originado na acriticidade e inação frente à iniciativa crítica sobre a construção do Partido e às formulações de nossa linha. Um sintoma desse desvio, que não é nada mais do que a corrosão da Camaradagem enquanto laço real, é, por exemplo, a desilusão, mesmo que parcial, com a militância e uma razoável desistência desta, seja por mais inatividade, afastamento ou desligamento. Obviamente, existem outros  fatores para esses distanciamentos, mas não podemos tirar a parcela de culpa da maneira como estamos fazendo operar parte da militância deles.

Sobre a Banalização do sentido de “organizar-se”

Muito se ouve de alguns youtubers de esquerda sobre a necessidade da organização política de nossa classe, essa ideia está correta, necessitamos mesmo de um alcance maior da estrutura partidária por toda nossa classe e não só “amigos” ou simpatizantes do Partido. Entretanto, a noção de organização colocada por esses youtubers é rasa. O retorno a Lenin faz-se urgente, sua adaptação para um período onde as tecnologias da comunicação tenham avançado tanto, porém, isso não pode vir acompanhado de uma ideia de organização abstrata onde valha tudo (até só conversar num servidor de Discord).

A noção vazia de organização só trás uma ideia de Ativismo-Aliado para nossa organização isso não basta, chegando, inclusive, à atrapalhar. Precisamos organizar nosso ódio, mas precisamos fazer isso guiados pela ciência imortal do proletariado, o Marxismo-Leninismo. Urge a necessidade de tornar o nosso, tão poderoso, Marxismo-Leninismo como mais do que uma identidade de quem gostou da Revolução Russa ou dos frutos da URSS e outras experiências que se inspiraram nela. O Marxismo-Leninismo é nossa bússola e dele pariremos a revolução proletária.

A inação e a 'militância’ vazia nos levaram à menos que nada, nossa derrota.

Se o Partido somos nós, está na hora de construí-lo

Para nós a perda de ânimo com as tribunas e a certa permissividade com o atropelamento de debate são um sintoma da passividade que corrói-nos organizacionalmente por dentro. Precisamos tomar para nós o Partido que tanto nos orgulhamos, ou pelo menos falamos isso, de estar brigando por a quase meio ano, essa construção é nossa e a tarefa histórica que nos é atribuída não pode ser concretizada em passividade e submissão, somente por questionamento e um ânimo revolucionário.

Se “é força, ação, não tem conciliação, Partido Comunista é pra fazer revolução” também é necessário que força, ação e asco a conciliação sejam também características do Militante Comunista, de nossos Camaradas, só assim para sermos, em nosso cerne “pra fazer revolução”.