'Devemos abandonar o conceito de interimperialismo e seus derivados - definitivamente!' (Matheus Cardoso)

Ao cairmos nessa armadilha e rebaixarmos teoricamente a nossa compreensão assimilando prefixos como esses, reduzimos a noção de que o Imperialismo já é esse estágio de guerra entre as burguesias nacionais pelo controle do capital financeiro e atribuímos isso a [...] países que "não gostamos".

'Devemos abandonar o conceito de interimperialismo e seus derivados - definitivamente!' (Matheus Cardoso)
"É óbvio que, em uma guerra, burguesias nacionais vão se alinhar a determinados blocos, por uma série de fatores de identificação, chauvinismo-nacionalista, etc. Isso não nos dá o direito de assimilar um verbete que não exprime o movimento real que os Estados e suas burguesias nacionais fazem nesse processo de desenvolvimento do capitalismo."

Por Matheus Cardoso para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Recentemente, realizamos a etapa de célula do XVII Congresso no organismo em que faço parte, e que me orgulho muito dos militantes que pude conhecer, trabalhar e fazer amizade ao longo desses anos. Nessa etapa, fizemos algumas discussões sobre os variados temas que se encontram no caderno de teses, e uma das que apareceu diz respeito às formulações que se apoiavam na leitura da conjuntura internacional e na assimilação do termo “interimperialista”, e, em menor grau, “subimperialista”, que aparecem nas teses em O mundo contemporâneo e a posição do Brasil na cadeia imperialista do Programa do PCB-RR e em Sobre o imperialismo contemporâneo nas Resoluções de Estratégia e Táticas.

Para não atiçar mais do que deveria a curiosidade de quem estiver lendo, na etapa de célula fiz a defesa pela supressão dos termos “interimperialista” e “subimperialista”, ora alterando para termos cientificamente mais corretos, ora suprimindo apenas. Os camaradas que estavam no espaço, ao menos nessa etapa, se sentiram convencidos pelo meu posicionamento e explicação das motivações. Eu mesmo não me senti satisfeito em como apresentei minha opinião e decidi escrever essa tribuna, aproveitando que seria um local adequado para apresentar isso não só aos militantes da célula que faço parte, como todo o conjunto da militância no país.

Essa tribuna então é o resultado de algumas pesquisas feitas por mim, para que os camaradas que foram convencidos possam se sustentar nas etapas posteriores, ou mesmo passarem a discordar da reflexão que trouxe, e para que tantos outros militantes possam tomar ciência do rebaixamento teórico a que estamos incorrendo. 

Pretendo dividir esse texto em duas partes, tanto por falta de fôlego nesse momento (ainda atrasado com o TCC), como por acreditar que os argumentos que trarei por si só se bastam nesse momento, sendo 1) O rebaixamento teórico que o termo traz, ainda que a análise de conjuntura eu considere acertada e 2) Passamos a assimilar esse conceito para tentar nos demarcar do outro Partido, mas sem um aprofundamento satisfatório e as implicações na utilização do termo.

Sobre a noção leninista do Imperialismo (e porque abandonar o conceito “interimperialismo”)

Antes de mais nada, para aqueles militantes que ainda não tiveram a oportunidade de estudar mais a fundo sobre a categoria “imperialismo”, é necessário evidenciar uma coisa: O Imperialismo não é um termo criado por Lênin, sequer tem bases iniciais no marxismo. 

É verdade que tantos marxistas que não Lenin contribuíram ativamente para a análise do imperialismo, com definições próprias e até mesmo conflitantes entre si, como Rosa Luxemburgo, Kautsky, Trotsky, Bukharin (além daquelas teorias formuladas no pós-guerra), contudo, a análise do Imperialismo e a sua própria definição partem de economistas burgueses ligados à frações da classe que eram contrárias aos monopólios que passaram a se forjar, contraditoriamente, a partir da livre concorrência do “capitalismo clássico”. Lenin chega a mencionar alguns em seu livro, mas dialoga muito mais com John Atkinson Hobson, um economista liberal.

Quando reivindicamos a noção leninista do Imperialismo, devemos ter em mente o estágio do desenvolvimento do capitalismo à época e em que a sua teoria se diferencia das demais. Hobson, como tantos outros liberais, mas também o próprio Marx conseguiram observar a tendência da livre concorrência de gerar monopólios, e disso ter implicações negativas para as democracias e, no caso dos liberais como Hobson, de se preocuparem com uma crítica moralista do fenômeno.

Com essa tendência aos monopólios e, logicamente, na implicação dessa forma, a saber, a substituição dos investimentos produtivos pela financeirização da economia, os estudiosos e críticos do imperialismo levantavam desde sempre a questão da exploração de uma nação pela outra. O ministro das finanças da República de Weimar, Rudolf Hilferding, enxergava na Doutrina Monroe dos EUA um exemplo do capital financeiro agravando a divisão territorial do mundo, já iniciada antes pelo colonialismo europeu.

Qual é, então, o destaque que a teoria leninista do imperialismo possui em relação a todas as demais teorias, mesmo entre marxistas? É precisamente o fato de que todos os demais teóricos reconhecem a ação de países específicos, em determinado estágio de desenvolvimento do seu capitalismo monopolista, possuindo preferência pela adoção de “políticas imperialistas”. Lenin, munido do método materialista histórico-dialético, descobre que não se trata da “preferência de uma nação”, mas sim consequência do estágio de desenvolvimento do capitalismo. 

A tendência ao imperialismo e, assim, a cadeia imperialista (e esse termo acaba sendo mais preciso para descrever o fenômeno, e aparece em nossas teses), é um dado inevitável do desenvolvimento do capitalismo, fazendo com que todos os Estados por todo o globo participem desse estágio. Portanto, mesmo assumindo papéis diferentes na cadeia imperialista, tanto um país como o Djibouti como os Estados Unidos fazem parte do Imperialismo. Com isso, não discordo e acho necessário um estudo mais aprofundado das polêmicas que estamos travando. A China está nessa cadeia imperialista, assim como a Rússia e qualquer outro Estado, seja capitalista, seja socialista, atuando de formas antagônicas, é verdade, mas nenhuma que seja possível vislumbrar ainda a quebra das correntes do Imperialismo. 

O que é importante para nós é compreender e atuar sobre os fenômenos que se apresentam, fazendo críticas ao multipolarismo, que concordo que não é uma alternativa “anti-imperialista”, como alguns camaradas podem pensar, mas a possibilidade que alguns países “emergentes” (outrora colônias que passaram a ter algum destaque na economia mundial) passaram a ter de competir pela partilha do poder econômico por parte das burguesias nacionais para além de suas fronteiras territoriais.

Por que a minha recusa com o termo “interimperialismo”, “subimperialismo” e afins? Fui procurar, seja através de artigos acadêmicos, reportagens de jornais partidários marxistas, tanto brasileiros quanto internacionais, mas sem encontrar uma explicação satisfatória quanto ao uso do termo. Foi no próprio texto de Lênin, no entanto, que se encontra de onde vem esse termo.

No capítulo IX, intitulado “Crítica do Imperialismo” do Imperialismo de Lênin, o camarada faz uma dura oposição ao Kautsky e à noção do ultraimperialismo. Para Kautsky, assim como muitos outros teóricos do imperialismo, ainda que críticos, faziam a leitura de que seria possível uma espécie de “paz mundial” por intermédio de uma coalizão de nações imperialistas e de burguesias que explorariam o mundo e partilhariam unidos o capital financeiro. Nas palavras de Kautsky:

Não poderá a política imperialista atual ser suplantada por outra nova, ultraimperialista, que, em vez da luta dos capitais financeiros entre si, estabelecesse a exploração comum de todo o mundo pelo capital financeiro unido internacionalmente? Tal nova fase do capitalismo, em todo caso, é concebível. A inexistência de premissas suficientes não permite resolver se é realizável ou não. (Kautsky apud Lenin, 2021, p.197)

Importante relembrar que essa noção não só é equivocada, uma vez que as duas guerras mundiais do século XX, e, caso ocorra, a terceira guerra, foram/será motivadas por disputas das burguesias nacionais em conflito entre si pelo controle do fluxo do capital financeiro mundial, como, para Lênin, Kautsky traz essa abordagem ao se afastar do marxismo e se comprometer com oportunistas e sociais-chauvinistas em seu contexto.

Para aprofundar sua crítica, Lenin compara a teoria de Kautsky com a de Hobson, vejam só, a do Interimperialismo, onde o camarada acusa o primeiro de apenas substituir o sufixo “inter” por “ultra”, mas que isso não contribui para nenhum avanço científico, apesar da sua pretensão. Em Hobson:

O cristianismo consolidado num número limitado de grandes impérios federais, cada um deles com colônias não civilizadas e países dependentes, parece a muitos a evolução mais legítima das tendências contemporâneas e, além disso, tal desenvolvimento permitiria alimentar as maiores esperanças numa paz permanente sobre a base sólida do interimperialismo. (Hobson apud Lenin, 2021, p.198)

Não é necessário dizer que, embora seja mesmo uma figura contraditória dentro do liberalismo, para o que a maioria de nós está acostumado ao ver um liberal do fim do século XIX/início século XX, Hobson, nem pretensamente, como Kautsky, possuía comprometimento com o proletariado.

Indicar o início de um termo, no entanto, não me parece satisfatório para indicar que devemos removê-lo do nosso vocabulário (pelo menos no sentido de apoiarmos essa concepção), já que, apesar da sua utilização inicial, hoje passa a ter outro caráter, não mais de paz e cooperação, mas agora de conflito.

Continuei na minha busca e me deparei com esses termos, tanto em inglês, quanto espanhol e em português. “inter-imperialist rivalry”, “rivalidad interimperialista” e “conflitos/guerra interimperialista”. Lamento informar, mas não será possível fazer uma exposição tão interessante, porque esses termos não possuem qualquer rigor e amparo, seja na academia, seja nos jornais partidários que consultei. 

Ao negarem o multipolarismo como uma alternativa ao imperialismo (posição justa), caem no azar de não qualificarem direito as críticas, rebaixando a noção de estágio que Lenin traz e, aí sim, se afastando do leninismo, e, por consequência, do marxismo. Uma definição breve e certeira do Imperialismo aparece no início do capítulo VII, intitulado “Imperialismo, estágio particular do capitalismo”, onde ele define:

[...] Imperialismo é o estágio monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais e, por outro, a partilha do mundo é a transição de uma política colonial que se estendeu sem obstáculos às regiões não apropriadas por nenhuma potência capitalista para uma política colonial de posse monopolista dos territórios da Terra, já inteiramente repartida. (Lenin, 2021, p. 159 - 160)

Ao cairmos nessa armadilha e rebaixarmos teoricamente a nossa compreensão assimilando prefixos como esses, reduzimos a noção de que o Imperialismo já é esse estágio de guerra entre as burguesias nacionais pelo controle do capital financeiro e atribuímos isso a um punhado de países que “não gostamos”. É óbvio que, em uma guerra, burguesias nacionais vão se alinhar a determinados blocos, por uma série de fatores de identificação, chauvinismo-nacionalista, etc. Isso não nos dá o direito de assimilar um verbete que não exprime o movimento real que os Estados e suas burguesias nacionais fazem nesse processo de desenvolvimento do capitalismo.

Hobson não possuía compromisso com a classe trabalhadora de seu tempo, Kautsky, com o tempo, foi se verificando que também não possuía esse interesse. E nós, quais são os nossos interesses e compromissos? 

Espero que a exposição, ainda que corrida e insuficiente dado o grau de seriedade que o tema exige, tenha convencido alguns camaradas.

Diante do processo do racha, novas formulações para o caderno de teses e o XVII Congresso e mesmo a leitura do cenário mundial, além dos acenos que fazemos para determinados partidos, seja em território brasileiro, seja no Movimento Comunista Internacional (MCI), eu consigo entender o por quê de assimilarmos esse conceito acriticamente, que é o que pretendo tratar a seguir.

A necessidade de nos demarcarmos enquanto Partido

Antes mesmo do racha, vimos ao longo dos últimos dois anos posicionamentos no mínimo intrigantes dos nossos antigos dirigentes. Quem não se lembra das comemorações em rede social (Facebook, principalmente) do nosso ex-secretário geral, Edmilson Costa, ao início da guerra entre a Rússia e Ucrânia, quase como se estivéssemos prestes a observar o renascimento da URSS?

Para a maioria de nós, militantes da base, só conseguimos conectar todo esse estranhamento quando fomos apresentados às denúncias de descumprimento das teses do XVI Congresso e das leituras equivocadas que os dirigentes estavam fazendo, das movimentações que estavam tomando à revelia do que fora decidido anteriormente pelas bases do PCB.

O racha nos impôs a necessidade de nos demarcarmos, ou seja, não só realizar as críticas necessárias à organização anterior, mas de “fechar” assuntos que até então estavam “em aberto”, seja sobre alguma questão interna, relações inter partidárias ou sobre o MCI. Quantos de nós não conversamos com algum militante do Partido que simplesmente repetia “ah, essa questão ainda está em aberto no partido, camarada”?

O problema é a qualidade com que fechamos as coisas em aberto e os acenos que fazemos com isso. No Brasil, por exemplo, nos distanciamos cada vez mais do campo democrático-popular, o que é muito interessante ao meu ver, mas estamos nos aproximando de setores ligados ao trotskismo (como as correntes minoritárias do PSOL que citamos no caderno de teses), Trotsky, fazendo um adendo, com uma noção muito próxima a do Kautsky sobre o Imperialismo, ainda que tenha contribuído bastante com a sua noção de desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.

Achei muito contraditório e confesso que não esperava ver o PCR aderindo à essa concepção, já que eles abertamente seguem a linha do centralismo teórico. De toda forma, tenho minhas ressalvas a esse partido tanto por dificuldades com construções conjuntas ao longo da minha trajetória de militância quanto por pouca estima com a pouca qualidade na formação e apropriação teórica de seus militantes.

Do ponto de vista do MCI, o PCB-RR não esconde o seu favoritismo para a construção com partidos como o KKE, TKP e PCPE, assim como alguns dos nossos camaradas que consomem muito do que é produzido pelo PSL (dos EUA, por favor), todos esses, por sinal, aderindo à noção de interimperialismo em seus jornais.

Quando esses partidos aderem a essa noção, não será uma expressão do nacional-chauvinismo que aparece como necessidade de angariar força e apelo através de uma concepção falsa? Aproveitar a propaganda anti-China e anti-Rússia que as mídias hegemônicas europeias fazem para distorcer a realidade e realizar esse malabarismo teórico? Deixo claro que, nesse momento, estou fazendo apenas especulações.

Caberia um estudo mais aprofundado para verificarmos as motivações para, de repente, assimilarmos um conceito tão frágil, ainda que não tenhamos qualquer pretensão de resolver as questões que os PCs de outros países têm em suas tomadas do poder político, é fundamental que tenhamos a capacidade de operar uma análise confiável da realidade para que atuemos nela de maneira acertada.

Motivações não faltam para que surjam essas concepções dos comunistas europeus. Todos esses partidos são de países em plena decadência econômica do bloco imperialista tradicional, e, dadas as recentes polêmicas envolvendo o KKE e a postura reacionária que esse partido tem tomado em diversas pautas, não soaria estranho para mim essa redução do leninismo e um retorno às concepções que tratam do Imperialismo como um fenômeno particular, depositando esse equívoco em um termo como “interimperialismo”.

De toda sorte, não nego que tenhamos sim que ter contato, ao menos em primeiro momento, com quaisquer Partidos Comunistas, mas não precisamos demarcar essas alianças através de assimilações preguiçosas de compreensões falsas da realidade para isso.

Se então decidamos por seguir essa análise falsa da realidade, quase que cristã, moralista, então eu tenho um lema que talvez seja mais justo para essa situação: quem com porcos se mistura, farelos come.

Algumas considerações

Camaradas, eu peço desculpas por escrever de forma apressada, dando margem para alguns possíveis delírios - que sei que podem acontecer, principalmente na segunda parte desse texto - mas, como disse antes, eu estou realmente muito atrasado com o TCC, que devo entregar no final desse semestre, tanto que estou para pedir afastamento dos organismos que atuo para focar nisso agora.

De toda forma, escrevi isso para que alguns camaradas possam se identificar pelo menos com alguma parte do que sistematizei até então e poderem defender ou mesmo criticar a minha posição. Pelo mesmo motivo de toda essa correria é que eu também não parei para sistematizar as referências da forma apropriada que consultei e deixaria no final da tribuna. Mas como disse, consultei o livro do nosso querido calvo, uma matéria do PCR, algumas matérias do KKE, TKP e PSL, um texto que encontrei no LavraPalavra do PCPE e alguns artigos em inglês buscando por “inter-imperialist” no google acadêmico.

Espero que me perdoem por faltar com uma sistematização melhor.