Desoneração da folha de pagamentos retira R$ 18 bi do orçamento público e coloca no bolso dos empresários
As empresas privilegiadas não contribuem com o orçamento público, e os investimentos em saúde, educação, assistência social e outros são ameaçados pelo Novo Arcabouço Fiscal, que coloca as metas de superávit fiscal à frente dos compromissos com o crescimento econômico e a distribuição de renda.
Por Redação
O Congresso Nacional aprovou, em agosto de 2023, a prorrogação das desonerações da folha de pagamento até 2027, através do Projeto de Lei 334/2023, do senador Efraim Filho (União Brasil-PB). Estima-se que, com isso, 17 setores empresariais deixarão de pagar R$ 18,4 bilhões em impostos. Sem qualquer comprovação da eficácia dessa isenção no crescimento econômico, o governo federal decidiu vetar o projeto em sua integralidade em novembro.
A ação do governo provocou imediatamente uma reação em larga escala dos lobistas em Brasília, dos parlamentares e das próprias associações patronais. Em sessão conjunta no Congresso em dezembro, senadores e deputados derrubaram o veto, não apenas garantindo os interesses dos grandes empresários, mas dando uma das maiores demonstrações de força do legislativo contra o governo desde que Lula assumiu seu terceiro mandato.
As desonerações da folha de pagamento foram anunciadas ainda no governo Dilma (PT) e instituídas com a Lei 12.546/2011, que modificou a redução das contribuições previdenciárias patronais, de 20,0% na folha de pagamento dos funcionários, por uma alíquota de 1,0% a 4,5% sobre o faturamento das empresas.
Em 2011, um artigo publicado na Folha de S. Paulo chamado “Um acordo pela indústria brasileira”, contou com a assinatura do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), instituição tradicional do patronato brasileiro, e das centrais sindicais Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical. No texto, lê-se que “este é o momento para que os diferentes atores desse processo – trabalhadores, empresários e o governo – formem um grande consenso acerca da política industrial nos rumos da economia.”
As desonerações faziam parte do “Plano Brasil Maior”, que tinha como objetivo aumentar a competitividade da indústria nacional. A lógica parecia bem simples: supostamente, através da redução de tributos aos patrões, os custos de produção das empresas cairiam e, dessa forma, haveria um maior incentivo para investimentos, crescimento da economia e contratação de mais funcionários, agora, menos “onerosos” para as empresas.
Inicialmente, as desonerações tinham prazo de validade até dezembro de 2014, como uma medida emergencial. Mas a lei passou por sucessivas prorrogações que estenderam os privilégios dos setores contemplados ano após ano.
A política de isenções dos impostos não logrou resultados ao longo do governo Dilma e mesmo depois, após o golpe de 2016, quando houve a manutenção desses benefícios às empresas. Certamente fracassou em estimular a expansão da indústria brasileira que, segundo dados do IBGE, registrou variação média negativa do seu PIB em -0,3% ao longo de 2011 a 2022. Assim, essas medidas apenas reduziram os custos das empresas, que utilizaram esse subsídio do governo para recompor suas margens de lucro, sem gerar novos empregos ou renovar o parque industrial.
No período mais recente, o veto presidencial do governo Lula provocou a reação de diversos setores do empresariado, com declarações de sindicatos patronais que ficaram surpresos com essa atitude. As associações empresariais ligadas aos setores beneficiados, como calçados, têxtil e construção civil, emitiram notas criticando a decisão.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerias (FIEMG) publicou que “avalia como positiva prorrogação da desoneração da folha de pagamento”. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), apontou que “a derrubada do veto presidencial ao projeto que estende a desoneração da folha de pagamentos até 2027, ocorrida no Congresso Nacional na tarde do dia 14, animou a indústria calçadista nacional.”
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) aprovou a derrubada do veto, dizendo que “o Congresso Nacional demonstrou sensibilidade e compromisso com a geração de empregos ao derrubar o veto à desoneração da folha de pagamentos. A decisão representa um passo crucial para fortalecer o setor produtivo brasileiro e estimular a abertura de postos de trabalho.”
As justificativas do governo federal para o fim das desonerações tributárias estão alinhadas com a política fiscal estabelecida pelo governo Lula através do ministro Fernando Haddad, explicitadas no Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Segundo dados da Receita Federal, a desoneração custou R$ 9,4 bilhões aos cofres públicos em 2023. Assim, a retomada da cobrança destes tributos seria parte do esforço para atingir o “déficit zero” e impedir que os gatilhos estabelecidos pela própria NAF sejam acionados, o que causaria uma retração do orçamento público no próximo ano.
Entre os deputados e senadores, o PL votou em bloco contra o veto, seguido pelo MDB, PP, União Brasil, PSD e Republicanos. As bancadas do PT, PSOL e PCdoB reagiram favoravelmente à medida do presidente Lula.
Haddad comentou logo após a sessão do Congresso que irá procurar formas de mediar a situação, através de um “meio-termo”. Assim, em 28 de dezembro o ministro anunciou a Medida Provisória 1.122/23, que recompõe as alíquotas para 10% a 15% já em 2024, elevando-se para 12,5% a 16,25% em 2025 e assim sucessivamente até encerrar 2027 em 17,25% a 18,75%.
Os defensores do empresariado no Congresso reagiram negativamente, com comentários do relator do projeto de lei da desoneração no Senado, Angelo Coronel (PSD): “O Congresso voltará em fevereiro e tem a prerrogativa de devolver a MP ou derrubá-la num curto espaço de tempo, caso não venha a atender os segmentos que foram beneficiados. Os segmentos já fizeram seus planejamentos e agora vem uma mudança, isso cria um abalo muito grande”.
Associações de empresários dos setores beneficiados emitiram posições muito próximas a do senador. A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) que afirmou que a atitude do governo cria “insegurança jurídica”.
O líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (sem partido), declarou que o governo está disposto a debater sobre um novo projeto de lei, que substituiria a MP. Em janeiro, o ministro Haddad se reuniu com o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD) para apresentar os números de perda na arrecadação e discutir sobre possíveis soluções para o impasse.
Sem maiores esforços por parte do governo, o cenário mais provável é que as desonerações continuem após o veto inicial, com a tendência sucessiva de subordinação do governo federal aos interesses imediatos da grande burguesia. Ao mesmo tempo, os trabalhadores do serviço público federal tiveram um reajuste salarial de apenas 9% (parcelado em duas vezes) após anos seguidos de arrocho salarial.
Segundo projeções da Receita Federal, essas renúncias fiscais por parte do governo devem custar um total de R$ 18,4 bilhões – mais do que o dobro do investimento do governo em 2023 com assistência social, que foi da ordem de R$ 9,4 bilhões. Esse valor que os empresários deixam de entregar aos cofres públicos representa 10,8% de todos os gastos com o Bolsa-Família no ano passado, estimados em R$ 169,1 bilhões.
Outros mecanismos importantes aos trabalhadores brasileiros, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAFE), obteve um orçamento de apenas R$ 67 milhões em 2023. O Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA), importante ferramenta para combater a fome que atinge milhões de brasileiros, registrou uma execução orçamentária de R$ 250,5 milhões em 2023. Os desembolsos da União no mesmo ano com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), registrou R$ 38,2 bilhões.
Enquanto as empresas privilegiadas pela isenção deixam de contribuir com bilhões de reais para o orçamento público, e os investimentos em saúde, educação, assistência social e outros são ameaçados pelo Novo Arcabouço Fiscal e sua lógica neoliberal, que coloca as metas de superávit fiscal à frente dos compromissos com o crescimento econômico e com a distribuição de renda.