Derrotar o Centrismo (Francisco Martins Rodrigues, 1983)
O centrismo não é só uma atitude vacilante, propensa à conciliação na luta ideológica. É uma corrente política que recusa ao proletariado o direito de disputar a hegemonia à pequena burguesia.
Publicado em Tribuna do Congresso nº 18, em 28 de fevereiro de 1983. Disponível em https://anabarradas.com/.
Os artigos do camarada Raul nas duas últimas Tribunas testemunham bem o reagrupamento da corrente centrista no Partido e a sua passagem ao contra-ataque.
Começa a ver-se agora mais claro o quadro da luta que se vai travar no Congresso. A corrente centrista, após uma longa fase de confusão e de crise, pela evidência do descalabro a que levou o Partido, reanima-se com reforços frescos e lança-se de novo ao ‘‘esquerdismo” como gato a bofe. Os leões que se tinham vestido de cordeiros voltam a ser leões.
Já não se presta contas ao Partido por três anos de “grande política” eleitoralista que puseram o CC de costas viradas para a luta diária da classe operária e do povo, confundiram e amoleceram os militantes e adubaram o terreno para a segunda fracção de direita. Agora já se pode voltar à campanha contra a “estreiteza política” e caluniar as forças sãs do Partido de quererem regressar aos “esquemas doutrinários dos grupos”.
Já não se sente a obrigação de explicar por que se trocou a política de hegemonia do proletariado pela esperança ilusória no 25 de Abril do povo e no Governo de Unidade Popular. Agora já se pode voltar a alertar contra a “hegemonia da classe sobre si própria”, acusação absurda, digna das cabeças que a inventaram.
Já não se trata de reconhecer o desvio de direita. Volta-se a abrir o leque da crítica contra o sectarismo e o espontaneísmo, o doutrinarismo e o simplismo “esquerdizante”.
Já não se trata de explicar a resolução da 8ª Reunião Plenária contra Ricardo metida na gaveta, as sete reuniões de quadros do 3º Congresso, a tourada anti-esquerdista da 2ª Conferência (orquestrada por Melro), a frente comum do centro com a direita na 3ª Conferência para derrotar propostas de salvação do Partido. Agora já se pode voltar ao velho realejo deque os “esquerdistas” ajudaram a direita contra o CC. Deve ser por isso que este Congresso abriu por um confronto entre as ideias políticas da minha carta e as ideias políticas da carta de Amadeu, perante a ausência de quaisquer ideias próprias do centro…
Já não se trata de explicar porque “detectou” o 3º Congresso uma deslocação da pequena burguesia para a esquerda, porque pendurou a corrente sindical do Centro “O Trabalho”, por que aboliu a luta de classes no campo, por que lançou um “novo curso bolchevique” tão eficaz que desbolchevizou o Partido. Ninharias, tudo isso. O que é preciso é mais amplitude na política.
A corrente centrista deixa atrás de si um balanço desastroso de desvios políticos, dissolução ideológica e desmantelamento do Partido. Para não o reconhecer, inventa. E tenta intimidar, como faz o camarada Raul, com o seu apelo aos quadros proletários para que metam na ordem os “intelectuais pequeno-burgueses”, que saem da toca em que foram metidos pelo movimento de revolucionarização de 1976… O centro, campeão dos princípios, é talvez uma das maiores ironias desta polémica!
O centro está disposto a tudo para vencer no Congresso. Se pareceu por um momento autocriticar-se foi porque precisava de ganhar um compasso de espera, buscar apoios, tentar digerir a crítica de esquerda para lhe limitar os estragos, para salvar a “ordem” no Partido. Agora aí os temos de novo ao ataque, com emendas moderadoras às teses, com alguma proposta de um novo Comité Central de amplo consenso, com a terceira ou a quarta campanha anti-esquerdista.
Dir-se-á talvez que as opiniões do camarada Raul não representam a posição maioritária do CC, que ele vai mais longe para a direita do que o núcleo dirigente. É verdade. E por isso mesmo ele ascende como o opositor mais eficaz contra a crítica de esquerda e se torna o porta-voz do contra-ataque centrista. É dos livros.
Porquê esta resistência exasperada em vez da autocrítica que se impunha? Porque, como já assinalaram diversos camaradas na Tribuna, a luta em curso no Partido não é um mero debate de ideias mas uma luta de classes. Aqui está o fundo da polémica.
O centrismo não é só uma atitude vacilante, propensa à conciliação na luta ideológica. É uma corrente política que recusa ao proletariado o direito de disputar a hegemonia à pequena burguesia. É uma corrente que agita o perigo do “isolamento” da classe operária e do “sectarismo” para com a pequena burguesia, a fim de tentar casar a luta económica da classe operária em baixo com a política reformista da pequena burguesia em cima. É uma corrente que pretende rebaixar o Partido Comunista ao papel de elo de união entre o proletariado e a pequena burguesia. É uma corrente que quer transformar o Partido, de estado-maior do proletariado para a revolução, em estado-maior das “forças populares” para a democratização. É uma fase intermédia na degeneração oportunista e revisionista do Partido. Tal como aconteceu com o antigo PCP, que foi amadurecido para a degeneração revisionista por vinte anos de política centrista, em tudo semelhante, nos seus traços gerais, à que hoje domina o PC(R).
Vamos ou não puxar a classe operária para cima e empurrar a pequena burguesia para baixo? é isto que está em jogo, é isto que faz saltar a corrente centrista em ataques indignados ao “esquerdismo”. Veja-se o camarada Costa, esse outro expoente do centrismo:
- diz-se: “A classe operária deve apropriar-se da luta política por sua própria conta”. Logo ele responde: “Isso é jejum à política”.
- diz-se: “Só seremos uma corrente política se fizermos crítica constante à pequena burguesia do ponto de vista do proletariado”. “Não, responde ele, não se pode olhar as outras classes apenas pela lente do proletariado”. (Tomem nota desta frase lapidar. E toda uma corrente política e ideológica que nela se retrata).
- diz-se: “Fazer política comunista é mobilizar directamente as massas em baixo”. “Cuidado, clama ele, querem meter-nos no deserto!”.
- diz-se: “Toda a força para a criação de fortes células operárias, condição para sermos um verdadeiro Partido Comunista”. Pergunta ele: “E o que vamos fazer aos camaradas intelectuais e empregados?”.
E diz mais. Diz que hoje já não é preciso afirmar o papel histórico da vanguarda da classe operária como no tempo de Lenine, porque a pequena burguesia é incapaz de assumir a liderança. Afirmar isto, depois da experiência da crise revolucionária de 1974-75 e face ao controle actual do movimento operário pela pequena burguesia revisionista, é por si só um programa político. Oportunista. O centro está disposto a tudo para vencer no Congresso. Ninguém se admire se assistirmos ainda a desenvolvimentos surpreendentes nesta fase final do Congresso. O que também não seria inédito.
Sete anos de centrismo foram mais do que suficientes para fazer cristalizar no interior do Partido e sobretudo na sua direcção uma corrente política oposta à hegemonia do proletariado, à aliança com os pobres do campo, ao caminho da revolução violenta. Uma corrente que faz definhar o Partido e esteriliza o marxismo-leninismo em palavras mortas, de que está ausente o espírito de classe do proletariado. é esta corrente que é preciso derrotar no Congresso.