Departamento de Comunicação Social da UFS é largado às traças pela Reitoria
As condições que temos (ou melhor, não temos) e estamos submetidos no DCOS são realmente vergonhosas, degradantes, humilhantes e angustiantes, principalmente levando em conta o fato de estarmos numa universidade que se orgulha de constar em rankings como a sexta melhor do país e segunda do Nordeste.
Por João Paulo Guimarães*
Nós estudantes, professores, técnicos e trabalhadores terceirizados do Departamento de Comunicação Social (DCOS) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) convivemos e sofremos diariamente com as consequências do histórico e sistemático sucateamento do departamento, com apenas algumas poucas concessões feitas num período da gestão do reitor Angelo Antoniolli (2012-2020); mas intensificado novamente com o seu sucessor, Valter Joviniano, reitor biônico nomeado por Bolsonaro após um golpe antidemocrático, articulado por Angelo e desferido contra a comunidade acadêmica e seus interesses [1].
Ao menos desde a entrega do atual prédio do DCOS, em 2014, fruto da luta de estudantes e professores que, revoltados e esgotados com o abandono estrutural, ocuparam a reitoria em 2011 demandando condições básicas de ensino e trabalho, nada então foi feito por ambos os reitores citados acima (assim como por nenhum outro ao longo da história do departamento). Uma vez que, algumas das nossas necessidades enquanto estudantes e trabalhadores foram negociadas à época, a reitoria aparentemente entendeu que os problemas estariam eternamente sanados, nos relegando novamente à precarização e ao completo abandono em que o DCOS se encontra atualmente, algo que também acontece com nossos colegas do Departamento de Artes Visuais e Design (DAVD) na UFS.
Precisamos destacar também que o prédio entregue pela UFS ao DCOS deveria ser temporário, já que nas negociações que ocorreram com a ocupação de 2011, a universidade cedeu à pressão dos estudantes e, em um processo de intermediação feito pelo Ministério Público Federal, foi estabelecido um prazo para a construção do novo Complexo de Comunicação Social [2], que, aí sim, supriria grande parte das nossas necessidades estruturais para uma formação de qualidade. É evidente que complexo nunca sequer saiu do papel, e a universidade desde então não oferece as condições básicas para o mantimento do ensino e do trabalho qualificados no departamento.
Uma formação crítica e de qualidade em comunicação social, significa ter acesso às ferramentas necessárias para compreendermos nossas futuras habilitações e profissões enquanto um meio para auxiliar o povo trabalhador e oprimido a formar uma consciência crítica que caminhe no sentido da transformação radical da sociedade e da emancipação humana, ou seja, visando nossas necessidades e interesses coletivos. Enquanto comunicadores sociais, precisamos atuar para denunciar e lutar contra a exploração e todas as formas de opressão, não para servir como instrumentos de mediação social do sistema capitalista e seus representantes e agentes.
A formação de comunicadores populares e críticos foi sistematicamente dissolvida no início dos anos 2000, pelos governos Lula I e II, com a separação do curso de Comunicação Social e suas habilitações em cursos distintos [3] (no nosso caso: Cinema e Audiovisual, Jornalismo e Publicidade e Propaganda). Visando assim, a elaboração de metodologias e programas de ensino que não enxergam a comunicação enquanto um tronco comum, tratando-a como algo exclusivamente setorizado e tecnicista, servindo somente para atender as demandas do mercado de trabalho e dos grandes monopólios de comunicação.
Atualmente, comparando ao período que antecede a ocupação de 2011, praticamente voltamos à estaca zero. As condições que temos (ou melhor, não temos) e estamos submetidos no DCOS são realmente vergonhosas, degradantes, humilhantes e angustiantes, principalmente levando em conta o fato de estarmos numa universidade que se orgulha de constar em rankings como a sexta melhor do país e segunda do Nordeste. A lista de problemáticas é absurdamente extensa, mas para dar alguns exemplos: em cada curso do nosso departamento, há uma média baixíssima de 10 professores efetivos, o que gera uma sobrecarga dos docentes e dificulta a oferta de disciplinas obrigatórias e optativas que precisamos para nos formar.
A situação do prédio principal do DCOS e da Rádio UFS também é alarmante. Muitas salas estão inutilizáveis por mofo; com as chuvas, as salas alagam e partes do teto estão cedendo. Sem contar a falta de estruturas específicas e básicas, considerando que os cursos do departamento trabalham diretamente com as linguagens sonora e visual.
No caso de equipamentos como câmeras e computadores que executem, ainda que de forma básica, as tarefas minimamente necessárias (ou que ao menos liguem), a situação é ainda mais revoltante. Não é nem um pouco incomum encontrar nos laboratórios, grupos de quase dez estudantes dividindo um único computador ou câmera para execução de atividades que deveriam ser realizadas em um número muito menor de pessoas para uma melhor aprendizagem dos processos e sistemas, afetando diretamente a qualidade das aulas e também as possibilidades de formas de avaliação proposta pelos professores.
Nesse caso, a situação é tão grave que as disciplinas laboratoriais estão prestes a deixar de ser ofertadas, por conta da ausência de equipamentos e da precariedade dos que existem e estão teoricamente disponíveis aos estudantes. Quanto aos trabalhadores terceirizados, não é raro que levem de casa itens básicos como papel higiênico e produtos de limpeza para realização do seu trabalho, dado o nível do abandono.
Poderíamos, literalmente, fazer uma lista ainda mais extensa e específica das necessidades dos estudantes, professores, técnicos e trabalhadores terceirizados. Mas na verdade, essa seria só mais uma das dezenas feitas e enviadas às inúmeras instâncias administrativas da universidade. Em 2023, a chefia do DCOS encaminhou à reitoria um documento com 40 páginas [4] sintetizando as maiores dificuldades estruturais e materiais do departamento, além de apresentar um histórico das solicitações enviadas exaustivamente e demonstrar a constância de respostas negativas, automáticas e genéricas, sem relação alguma com as demandas. O documento citado entra na mesma lista que expõe a falta de respostas ou as devolutivas automáticas frente às solicitações.
Os professores também solicitam frequentemente reuniões com o alto escalão da reitoria para conversar diretamente sobre a situação e são constantemente ignorados. E mesmo com as poucas que acontecem, os ganhos são insignificantes. As últimas “conquistas” do departamento são migalhas, absolutamente aquém dos mínimos qualitativos e quantitativos adequados, entregues para abafar a situação: algumas câmeras, que não cumprem as nossas especificidades; e um bebedouro (sim), que só foi entregue após inúmeras solicitações e denúncias de estudantes e professores.
Estamos cientes dos cortes na educação pública e das tentativas de privatização promovidas pelos governos de Temer e Bolsonaro. Também sabemos que o Novo Teto de Gastos do governo Lula III terá impactos significativos no orçamento, no funcionamento pleno das universidades e nas políticas de assistência e permanência estudantil.
Porém, nada disso justifica o nível da atual situação do DCOS. Ora, o cargo de reitor não é meramente burocrático, mas político. E o dirigente máximo da instituição precisa se pronunciar, perante o Governo Federal, em defesa dos interesses da comunidade universitária. Se o atual reitor da UFS não é um golpista que defende a austeridade neoliberal e a privatização do ensino superior público, qual é a razão para o silêncio? Por que não critica as políticas neoliberais do atual e antigos governos federais, que constrangem o orçamento das universidades públicas e destroem os sonhos de milhões de estudantes de origem proletária e popular? Por que não reivindica ativa e publicamente, pelos meios proporcionados pela posição que ocupa, recursos financeiros para a manutenção da infraestrutura dos departamentos e prédios da UFS, ou então para expansão das políticas de permanência e assistência estudantil?
O fato é que o DCOS foi e é, historicamente, largado às traças na UFS, e mais atualmente, pelas gestões de Angelo Antoniolli e Valter Joviniano. Nesse cenário, o que impera na UFS é a seguinte situação: enquanto alguns cursos e departamentos tem um investimento constante em materiais, equipamentos e infraestrutura, além de um corpo de professores muito além da demanda interna, os cursos que não seguem à risca uma formação mercantilista e tecnicista são sistematicamente sucateados. Não se trata aqui de negar um investimento qualitativo na formação dos primeiros, mas de compreender como o orçamento da universidade é gritantemente dividido de forma desigual, privilegiando alguns e precarizando intensamente outros.
As condições de formação e a ausência de adequadas políticas de assistência e permanência na universidade também impactam diretamente na desmobilização política dos estudantes. A constante luta pelas condições mínimas de sobrevivência nos leva para a UFS exaustos, sobrecarregados e angustiados, sem perspectivas de um futuro em que essas condições sejam suprimidas e sem conseguir realizar qualquer atividade que não seja obrigatória.
Os anos em que o Diretório Acadêmico de Comunicação Social (DACS) ficou inativo também contribuíram para essa desmobilização. Infelizmente, os estudantes não conseguem identificar um nítido horizonte de mudança por meio da mobilização e da organização da luta coletiva, além de não se enxergarem como atores sociais do seu tempo. No entanto, essa inércia e conformismo são extremamente danosos para o nosso futuro enquanto estudantes e trabalhadores. A retomada do DACS, que infelizmente está sendo feita por poucas mãos, é importantíssima nesse sentido. Precisamos lutar e disputar, por todos os meios, para conquistar condições dignas para o exercício do ensino, da pesquisa e da extensão, para que os professores, técnicos e terceirizados possam trabalhar e nós, estudantes, possamos nos formar comunicadores críticos, comprometidos com a classe trabalhadora.
Avaliamos também que o possível processo de separação do departamento em três distintos (com cada curso criando seu próprio departamento) pode desarticular e fragmentar ainda mais a nossa unidade e dinâmica de luta enquanto professores e estudantes, além de jogar a última pá de terra no processo de dissolução da Comunicação enquanto um necessário tronco comum. Sendo isto, um fruto direto da derrota da Comunicação Social diante da burocracia da universidade, que não garante condições básicas para o funcionamento administrativo, acadêmico e material do DCOS. Nos obrigando a entrar em “disputas” internas constrangedoras entre os cursos por vagas de professores, equipamentos ou qualquer migalha enviada pela universidade. E sem um levante como o de 2011, é exatamente o que a reitoria golpista deseja para continuar dividindo estudantes e professores enquanto sucateia e desmonta a Comunicação Social na UFS.
Além disso, é preciso lembrar que o atual reitor conseguiu a aprovação da Resolução n°44/2022 numa reunião do Conselho Universitário em 2022. A tática é semelhante à utilizada no caso do DCOS: limitar a possibilidade de articulação de estudantes, professores e técnicos na luta em defesa dos interesses do conjunto da comunidade universitária. De acordo com essa resolução, rejeitada por unanimidade em assembleia da ADUFS [5], o peso dos votos seria dividido da seguinte maneira: professores (70%); estudantes (15%) e profissionais técnico-administrativos (15%). Repudiamos essa resolução antidemocrática e lutaremos junto às entidades pelo respeito à Consulta Pública e o pela paridade entre os setores da comunidade acadêmica.
O DCE, a ADUFS e o SINTUFS comprometeram-se a realizar uma Assembleia Geral Universitária para deflagrar o processo da Consulta Pública e em breve novas informações devem ser publicizadas nesse sentido. Nesse momento crucial para a UFS, o engajamento de cada estudante nas lutas e mobilizações, inclusive nos processos da consulta, é fundamental! Precisamos conscientizar e politizar os estudantes, deixando evidente para a comunidade acadêmica que a atual reitoria, além de golpista, é inimiga da educação pública, gratuita, universal e de qualidade. A situação do DCOS prova exatamente isso. E sabemos também como a precariedade está presente em outros departamentos e em outros campi.
Através dessa matéria, o Núcleo UFS da União da Juventude Comunista busca amplificar a voz dos estudantes, professores, técnicos e terceirizados do DCOS, manifestando nossa solidariedade também a todes do Departamento de Artes Visuais e Design, cujas condições estruturais são tão ou mais dramáticas que as do DCOS. Nos comprometemos a contribuir diretamente com a luta dos estudantes e trabalhadores desses e outros departamentos, pois defendemos que só através da unificação das lutas e da mobilização ativa da maioria da comunidade acadêmica, os estudantes, junto aos professores, técnicos e trabalhadores terceirizados teremos conquistas reais e duradouras para toda a Universidade Federal de Sergipe!
*João Paulo Guimarães é estudante de Cinema e Audiovisual no DCOS/UFS, militante da União da Juventude Comunista (UJC) e membro do Diretório Acadêmico de Comunicação Social – DACS/UFS
Referências
[2] https://www.ufs.br/conteudo/2266-estudantes-v-o-desocupar-a--re.
[3] https://issuu.com/enecos/docs/2010_-_cartilha_-_somos_todos_comunica__o_social.
[4] https://drive.google.com/file/d/1OcWKxkWyn3bal6KY4JC-173jUTCaO9kz/view?usp=drivesdk.
