'Democracia interna e crise do PCB' (J.V.O)

A democracia interna de um partido político é fundamental como elemento de coesão interna. Unidade na divergência só é possível onde exista uma plena liberdade de crítica e polêmica nos espaços internos de qualquer organização.

'Democracia interna e crise do PCB' (J.V.O)
"A base da militância só entra em contato com o CC do partido através de deliberações de cima para baixo por meio de circulares ou quando solicitado, todo o resto é completamente desconhecido."

Por J.V.O* para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

PS: Essa tribuna eu comecei a escrever em julho, na perspectiva de ter respeitado a conferência nacional do partido em agosto e poder debater a crise em instâncias internas de forma crítica e propositiva. Como a conferência na prática foi adiada para 2025 (congresso UC + eleições 2024), fica claro o caráter oportunista do adiamento quando vem seguido de expulsões sumárias em massa e muitos outros métodos pueris. Já que, portanto, o PCB não é um partido com democracia interna, que ao menos a minha antiga e genuína preocupação com a organização à qual construí por 7 anos seja útil para o XVII congresso do partido. Sem espaço para tristeza, vamos avançar!

A democracia interna de um partido político é fundamental como elemento de coesão interna. Unidade na divergência só é possível onde exista uma plena liberdade de crítica e polêmica nos espaços internos de qualquer organização. Uma organização leninista e com centralismo democrático não pode estar ancorada numa concepção monolítica de que a unidade interna do partido é fundamentada na homogeneidade de pensamento. Tal concepção é inclusive antipolítica e não toma o sujeito humano enquanto animal político em sua essência. Um partido leninista deve garantir os espaços internos para polêmica e divergência e o respeito à unidade e o posicionamento da maioria em deliberações democráticas e garantir que tal democracia interna seja eficiente, e que não se perca em democratismos vulgares como a eterna abertura de debates e deliberações que entravem o organismo como um todo, ou a prática política de não aceitação de deliberações democraticamente eleitas pela maioria por uma minoria x ou y. Com isso permanecemos podendo afirmar que temos uma democracia interna com unidade, centralização, trabalho coletivo, algo imprescindível para travar a luta de classes.

Recentemente o partido foi alvo de polêmicas que estão no mínimo, profundamente nebulosas e que abre espaços para desconfianças e dúvidas sobre qual o caráter do nosso partido. Com a publicação do texto “Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Antiimperialista”, o camarada, insuspeito de alguém que luta e lutou pelo partido e que tem um prestígio e respeito enorme por toda militância, aponta uma série de crítica a ações realizadas por membros do CC do partido, que absolutamente ninguém saberia que estavam ocorrendo se não tivesse sido devidamente socializada. Isso poderia ser colocado em espaços internos como repasse do CC do partido, assim como a crítica poderia ser colocada em espaços internos também. Porém, a crítica foi realizada fora de espaços internos e com uma série de acusações que no mínimo abrem os olhos da militância que querem entender o que está acontecendo.

O texto aponta uma série de contradições entre as resoluções do PCB e a PMAI, assim como aponta a participação dos membros Edmilson Costa (Secretário-Geral) e Eduardo Serra (Secretário de Relações Internacionais) nessas plataformas. Em recente circular, o CC aponta que o camarada Edmilson Costa participa da plataforma como ouvinte, dando a entender que a participação objetivava apenas colher informações sobre o caráter político do espaço assim como das deliberações realizadas. Já a participação do camarada Eduardo Serra foi colocada como uma descentralização do camarada na participação do encontro, sob equívoco do mesmo e que uma nota de autocrítica desceria para toda militância. De antemão uma coisa nos fica completamente estranha: O camarada foi para a Coreia do Sul por livre e espontânea vontade sem deliberação da CPN? A circular 19/23 aponta que sim, o que no mínimo deve nos chamar atenção para questões sobre financiamento da viagem e da autocrítica do camarada em relação à participação no encontro. A autocrítica foi deliberada na circular junto com um esclarecimento do camarada Eduardo Serra, que já consta em mais de mês sem que tenha descido para a militância do partido, pois a circular foi encaminhada no dia 12/06. Ao mesmo tempo que expulsões e processos disciplinares contam com a mais absoluta celeridade.

Outro elemento que nos é fundamental para entender a polêmica está ao final do texto do camarada Ivan Pinheiro:

“Em um partido que se declara fundado no centralismo democrático, é preocupante que a sua militância, ao que parece, não saiba da participação do PCB nesta articulação e muito menos das razões políticas que a inspiraram. Afinal de contas, esses encontros mundiais não são clandestinos, tanto é assim que se realizam em locais públicos e com ampla divulgação em suas mídias, inclusive da relação das organizações presentes, dos nomes completos, fotografias e declarações dos participantes.

O centralismo democrático é uma via de mão dupla. Só tem autoridade política para exigi-lo a direção que o pratica!

Quando há falta de informação e debates e as divergências são resolvidas apenas pela via disciplinar, pelo silenciamento, “cancelamento” ou “apagamento” de camaradas e, mais ainda, quando importantes decisões são tomadas por poucos, no silêncio cúmplice e oportunista da maioria de seus pares e às escondidas do coletivo, é porque chegou a hora de rever e retificar os métodos de direção. Antes que seja tarde!”

Algumas questões aqui são de bastante relevância para análise. Na circular já citada o CC do partido coloca que “explicações sobre os processos envolvendo a Plataforma e quais elementos de nossa política de RI devem ficar restritos por questões de segurança”, porém o documento a qual os camaradas descobriram a nossa participação assim como todo o evento tem o caráter marcadamente público. Então que medida de segurança é essa que justifique o secretismo em relação à participação na plataforma? Se o evento é público e aberto, no mínimo o debate político e informações mais gerais sobre a plataforma devem ser trabalhados com toda a base da militância, os elementos de segurança não abarcam o caráter geral do evento e muito menos da nossa participação nela que pelo que foi colocado é uma participação que não tem ligação com trabalho orgânico conjunto à plataforma, ou seja, tecnicamente não existe trabalho prático do partido com a plataforma, então com que fundamento existe o secretismo? Absolutamente ninguém está reivindicando saber as questões de segurança da participação da plataforma, isso sequer foi colocado em cogitação, portanto não vejo justificativa para tamanho secretismo.

Outro elemento do texto é a colocação de que as divergências, críticas à falta de debate e negação de repasses das informações presentes nas ações são tratadas através de vias disciplinares e silenciamento. O mesmo ocorreu com o camarada Jones Manoel, que colocou da mesma forma que todos os meios internos de ter repasse e justificativas sobre a participação foram negados através de uma série de distribuição de medidas disciplinares. O que coloca o CC do partido enquanto uma instância que não só não informou a base sobre a participação na plataforma, como também cerceou todos aqueles que buscaram informações sobre. Isso, tendo os camaradas do partido participado das atividades da PMAI meses antes da polêmica existir.

A acusação do camarada é, portanto, de que o CC comporta-se enquanto uma cúpula monolítica, uma fração, que faz o que quer, conta com o silêncio oportunista dos demais membros enquanto segue em segredo participando de atividades que sequer tem um caráter clandestino e é marcadamente oportunista e social-chauvinista em suas resoluções. Isso é uma acusação grave, e precisamos de esclarecimento se é algo pertinente ou apenas equívoco da crítica. Além de que a participação na entidade já é antiga, pela participação do camarada Edmilson Costa, e ninguém soube de nada, nem sobre a plataforma, nem sobre a nossa participação nela. Se não fosse uma polêmica divulgada e traduzida em uma editora de fora do partido, polêmica essa feita por outros partidos comunistas, sequer saberíamos da PMAI, quanto mais descobrir que participamos dela? Se não houvesse a polêmica, saberíamos algum dia da participação nessa atividade? Haveria alguma autocrítica sendo realizada? Saberíamos dessa autocrítica sobre uma descentralização de caráter grave? São todas dúvidas justificadas.

Isso implica pensarmos a democracia interna, principalmente o elemento de fluxo de informações internas e transparência que são necessárias, e que o partido é abertamente precário. A base da militância só entra em contato com o CC do partido através de deliberações de cima para baixo por meio de circulares ou quando solicitado, todo o resto é completamente desconhecido. Diga-se de passagem, em farta medida essa também é a realidade da maioria dos CR’s dos estados, e só não digo todos porque não tenho contato com todos, mas imagino que seja algo mais generalizado. Ou seja, como trabalhar a perspectiva de direção coletiva quando existe um total “alheiamento” da base da militância das atividades e debates das suas respectivas direções? Se o que se critica é a falta de possibilidades concretas de solicitação de informações e explicações para instâncias superiores, como podemos exercer a democracia interna do partido?

O mais grave disso tudo, que além de colocar como crítica um possível CC oportunista e que não cumpre com resoluções congressuais, além de tratar as polêmicas e direitos de informação dos camaradas como questões disciplinares e medidas burocráticas de sufocamento, também aponta para debilidades da nossa estrutura em relação às polêmicas, divergências e transparência, criando uma estrutura de democracia interna profundamente fragilizada. Não à toa o camarada coloca que o centralismo democrático é uma via de mão dupla, se a direção não aplica, é impossível centralizar os demais camaradas se os meios para aplicá-los na prática não existem. O histórico de luta do camarada Ivan Pinheiro é inegável, assim como o seu respeito pelas estruturas partidárias que tanto lutou por manter, é muito difícil crer que o camarada tenha simplesmente escolhido descentralizar do partido com uma prática oportunista absolutamente do nada, e isso em coesão com outros camaradas com as mesmas acusações.

Inclusive, um adendo que é de relevância se colocar. No nosso ultimo congresso os membros do CC central que existia até aquele momento sequer escreveram tribunas de debates. Ficaram exclusivamente na tarefa de elaboração das teses. Não apresentaram críticas, balanços, autocríticas, abertura de polêmicas, análises, nada. O único membro do CC a escrever uma tribuna foi o camarada Golbery, que escreveu uma proposta relativa à questão agrária, os demais membros sequer cumpriram com a função de trazer debates e dar vazão a tão importante trabalho ideológico do partido. Pouco vale o argumento de que uma “conferência estava por vir”, portanto, era só aguardar ela chegar e colocar a crítica. As práticas que foram denunciadas estão equivocadas por si mesmo, pressupor que apenas um lado tenha respeito pelo centralismo democrático enquanto outro lado não o faz é incoerente, e apesar dos espaços de tribunas de debates em conferências serem importantes, eles não servem prioritariamente com a finalidade de centralização, denúncia e solicitação de informações. Utilizar a desculpa da conferência quando há uma imediata descentralização do partido e as vias corretas foram travadas é puro oportunismo. Não é assim que um partido com centralismo democrático deveria funcionar. Parece-me uma forma profundamente conveniente de se pensar a polêmica e a democracia interna do partido. E não temos uma tribuna de debates permanente, o que aumentar ainda mais o grau de conveniência desse posicionamento, e é algo que, por exemplo, a UJC já resolveu e contamos hoje com tribunas permanentes. Como é possível gritar por centralismo democrático, respeito às instâncias e unidade com esse tipo de prática? Não estamos em um partido Leninista e revolucionário para que ele se torne mais uma instância de ação alienada em nossa vida.

Bom, camaradas, para além dos devidos esclarecimentos sobre a questão ser necessária, é hora de avançarmos sobre questões de democracia interna para que nunca mais esse tipo de coisa aconteça dentro da organização. A primeira delas é que precisamos de um melhor fluxo de informação e transparência das instâncias de direção sobre as suas reuniões. As atas das reuniões do CC devem descer para o grosso da militância, assim como as do CR para cada região respectiva. Temos uma série de deliberações congressuais e complexas resoluções e na maior parte do tempo sequer sabemos das prioridades, do que ta sendo debatido, de qualquer deliberação, e qualquer coisa que seja de relevância para o partido saber. Ficamos completamente no escuro quanto a essas questões, e, por exemplo, vários encaminhamentos congressuais (lembram do documento indicativos ao CC? Nada foi encaminhado em dois anos) sequer sabemos se foi debatida, encaminhada, qual a prioridade deles, absolutamente nada. E não dá camaradas, ficar eternamente refém de esperar anos e anos até termos outros congressos para coisas que precisam de celeridade para ser resolvidas. A disciplina “cega” tem seus momentos de necessidade, mas não deve ser a regra geral, sob o risco de tornar-se uma defesa bastante oportunista dessa disciplina por parte de direções. Como disse, o alheiamento em relação às direções existe, e devemos dar resolução a essas questões. Portanto, é relevante que criemos a cultura política de socializar com a militância os debates e encaminhamentos das direções em relação às suas pautas. É algo que a UJC, por exemplo, fez desde que saímos do congresso nacional da juventude, compartilhou a composição da direção e os primeiros debates que foram colocados com o grosso da militância, e surtiu um impacto muito positivo no funcionamento geral da organização. Isso também abre espaço para que a militância proponha pautas e enriqueça os debates colocados.

O que não pode ocorrer com possibilidade de acarretar no erro de acabar acatando a “basismos” e “democratismos”?

  1. Todo tipo de informação com potencial criminalizador para a instância ou uma questão de segurança com relação policial-jurídica deve ser conservada oculta em todos os documentos. Também pode ser utilizada artifícios como ocultação de nomes ou pseudônimos, assim como alguns detalhes que se lidos por agentes externos pode acabar em problemas de segurança para o partido e seus militantes.
  2. As deliberações da direção devem ser respeitadas e aplicadas pelo conjunto da militância sem vacilações. Apenas o debate sobre as questões deliberadas e debates travados pelas direções devem ser feitas de forma aberta com instrumentos internos para isso, mas sem espaço para descentralizações. Caso a discordância tome proporções maiores de grande polêmica interna, a direção pode informar à base a proposição de ativos, encontros, conferências, balanços, ou qualquer espaço deliberativo de maior amplitude, respeitando a dinâmica da luta de classes e a impossibilidade de que isso sirva como forma de travar atividades práticas que estejam sendo tocadas, paralisando o partido.
  3. A base também pode solicitar esses espaços maiores de deliberações e debates para a direção, sempre respeitando o fato de que esses espaços devem ser realizados em momentos oportunos que não entrave as atividades no partido, nem que seja algo corriqueiro e constante para não se tornar instâncias constantes que não respeitem as resoluções congressuais.

Prevejo que essa minha tribuna seja lida por muitos como uma tribuna que preza pelo democratismo, basismo e para criar desconfianças internas, alimentando disputas fratricidas, liquidacionistas, fracionistas, seja lá o termo da moda escolhido. Sinto muito, camaradas, mas a desconfiança já existe ao mesmo tempo em que medidas concretas para “solucionar” a questão também existem e são bastante ponderadas. Argumentos de secretismo são insuficientes, nem tudo que se debate é questão de segurança, polêmicas não coincidem unicamente com anos congressuais ou devem ser limitadas a elas, polêmicas fragmentadas por repartição hierárquicas de instâncias são limitadas e em farta medida perdem potencial resolutivo, monolitismo oportunista sempre é uma possibilidade concreta e devemos por isso ter formas corretas de vigilância e transparência, confiança tem limites e não deve ser usada de forma oportunista para pressupor uma fé cega, já existe nas propostas formas de se blindar de basismo e democratismos que atrapalhem a atuação prática, unitária e centralizada; não temos nada a perder com as propostas apresentadas aqui.

Maiores elaborações quanto a isso podem ser úteis, longe de querer exaurir o estatuto da questão por aqui, mas demonstrar a justeza de determinados instrumentos, demarcar bem o que estou querendo colocar, blindar a contribuição de possíveis interpretações oportunistas, e retirar a polêmica central de disputas fratricidas internas e colocar em âmbito político para que possamos dar vazão a uma questão de relevância para manter unidade e prezar pela democracia interna do partido, caso contrário as questões podem ganhar proporções complicadas.

O movimento comunista internacionalmente já teve todo tipo de problema relativo ao monolitismo de seus partidos. Morte de polêmicas e debates internos, engessamento do marxismo, falta de incentivo à elaboração científica, rachas constantes, alienação da práxis política, burocratismo, expurgos, perseguição política, tendências e grupos oportunistas, liquidacionismo, entre outras questões há muito conhecidas e debatidas. Temos hoje o luxo de termos mecanismos fáceis, rápidos e baratos de transparência, assim como de debates internos e constantes de tribunas com certo grau de segurança. Não utilizar desses novos mecanismos é apostar no “espírito de círculo” como sempre colocou Lênin, e limitar polêmica e luta ideológica a instâncias restritas e fechadas de forma excessivamente nuclearizada.

Ninguém está questionando o centralismo democrático, muito menos relevando questões de segurança, ou dizendo que mesmo que contemos com maior abertura democrática a ordem burguesa não tenha suas contradições, assim como também a sempre possibilidade de fechamento de regime. Porém utilizar dessas questões para limitar a democracia interna do partido é algo de muita gravidade, e “sofrer por antecipação” não é uma forma ponderada de organizar um partido e muito menos argumento válido, e é sempre importante pra todo marxista que conheça a história do movimento se preocupar com o monolitismo e ter sempre vigilância interna com a estrutura partidária e a atuação de seus camaradas. Afinal, nossas resoluções políticas só podem manter-se firmes quando podem ser defendidas, e isso pressupõe que no mínimo, abertura para debates, informações e cobranças seja a regra dentro de uma organização partidária. Se nós cobramos transparência de instituições burguesas que nos são antagônicas e completamente hostis, é então no partido comunista que devemos abrir mão dessas questões fundamentais? Não é por aí que eu penso. E essa tribuna vai no sentido de contribuir com o debate sobre essa questão.

Saudações Comunistas!

*UJC-PE