De que tipo de internacionalismo necessitamos?
De mediação tática em mediação tática o horizonte do socialismo vai se tornando um horizonte distante e um mero acessório para deixar bonito os últimos parágrafos de notas políticas e declarações, um cinismo que arrisca nos levar em direção à perda de radicalidade política e de influência.
Por José Machado, Secretário Político do Comitê Regional do PCB no Amapá
Este texto é uma contribuição sobre a questão do internacionalismo no PCB, partindo da análise de alguns textos públicos das contribuições do partido ao EIPCO e à PMAI procuro, principalmente, contextualizar o acirramento das disputas no Movimento Comunista Internacional e seus reflexos no PCB.
Um breve comentário inicial
Camaradas, o texto que apresento aqui é uma singela colaboração minha ao debate atual sobre a crise do PCB e o que nos levou a isso. Enquanto Secretário Político de uma CR que só conseguiu efetivar sua reorganização recentemente, eu assim como boa parte dos camaradas aqui no Amapá, estávamos alijados dos problemas e disputas internas que vinham acometendo nossa organização. Enquanto tal, para dar uma contribuição ao debate, busquei me informar e traçar minha crítica naquilo que percebi ter sido uma parte importante da raiz do problema: o Internacionalismo Proletário e a atitude frente à guerra.
Enquanto um jovem que gosta muito deste assunto, tendo feito inclusive uma contribuição acerca disso nas tribunas de debate e em propostas que foram encaminhadas pelo Amapá à etapa nacional do último Congresso da UJC antes de sair da organização para me concentrar mais na reorganização do PCB no estado e em minha família, tentei me manter o mais cordial e centrado nas fontes da minha pesquisa para apontar minhas críticas a partir de documentos públicos. À época, com alguma esperança de que ele pudesse de alguma forma passar pelo crivo do CC para ser publicado e abrir mais o debate, uma esperança que se perdeu nos últimos dias e agora se esgotou com a expulsão sumária de vários e valorosos camaradas do CC do PCB, portanto, venho buscar sua publicação em outros meios, mesmo incorrendo no risco de sofrer o mesmo destino de outros camaradas nas mãos da atual direção nacional do partido.
Como não uso redes sociais para me manifestar publicamente, quando o faço é um episódio raro, e por ser de um estado que à nível nacional é constantemente deixado de lado, busco o LavraPalavra para tal publicação por ser um meio já reconhecido e respeitado no nosso meio. Este texto é de minha total responsabilidade e não reflete os posicionamentos do restante dos camaradas do CR ou do PCB no Amapá, nem houve qualquer tipo de articulação com os camaradas – que considero valorosos – que estão sendo sumariamente expulsos do partido. Espero que o texto seja útil aos que o tenham acesso e contribua em algo no debate que está acontecendo, apesar de boa parte das opiniões reunidas aqui já terem sido muito bem expressas por outros camaradas.
De que tipo de internacionalismo necessitamos?
Neste ano de 2023, vimos o retorno ao debate público o tema do internacionalismo e da construção de uma nova internacional comunista, adaptada aos tempos atuais e à conjuntura pós fim da União Soviética. Internacionalmente, a guerra da Ucrânia e as ameaças do desatar de guerras em outras partes do mundo têm levado à graves distensões no movimento comunista, o que têm ameaçado (e aparentemente têm concretamente efetivado) rachar uma já frágil unidade entre partidos e, como não poderia ser diferente, levado à um aperto de crises internas que não poderiam deixar de se manifestar no nosso partido.
É neste sentido, que aparecem problemas como o que parece apontar para um setor “fracionista” ou “liquidacionista” para o nosso Comitê Central, como bem apontam os próprio texto da Comissão Política Nacional, é um processo que se dá devido ao avanço da crise do capital e ao acirramento das lutas interimperialistas. Os textos porém, creio que não por desconhecimento, ignoram o caráter mais amplo de tal processo, como os que foram bem apontados pelo camarada Euclides Vasconcellos em texto publicado no site da UJC. Em última instância, o debate até certa medida aberto que estava sendo feito nos meios oficiais do partido são um sintoma de tal processo, isso para ficarmos apenas nos textos de camaradas brasileiros, uma vez que a questão vinha trazendo um amplo debate internacional que veio mais à tona após o 22º EIPCO, em Havana.
Portanto, o que vamos buscar debater aqui é justamente o que me parece o escopo do texto do camarada Euclides Vasconcellos mencionado acima, sem, no entanto, buscar esgotar o tema ou debate, mas como um apelo aos camaradas em franco confronto político-ideológico no PCB para uma maior abertura e coragem ao encarar este debate e outros em voga do que me parece ser o estopim de uma crise mais ampla que pouco chegava às bases e militantes dos coletivos partidários. Ao meu ver, só dessa forma podemos avançar na disciplina verdadeiramente comunista, não uma obediência cega e estreita às instâncias superiores mas pelo debate crítico e franco, buscando uma disciplina consciente, princípio que a duras penas aprendi desde meu tempo de dirigente estadual da UJC.
A atual conjuntura internacional e o Movimento Comunista Internacional
Como se sabe, e como bem aponta o texto do camarada Ivan Pinheiro mencionado acima, o EICPO é um espaço bastante amplo, que reúne não só os setores do que identificamos como a ala revolucionária do MCI, de partidos como o KKE, PCM e TKP, pra ficar em alguns exemplos, como também de partidos que estão muito mais próximos politicamente da social-democracia.
Em meio a um espaço amplo desses, a declaração conjunta que marca o encontro não poderia deixar de ser alvo de disputas, o que na atual conjuntura de guerra e conflitos imperialistas acabou ficando marcado por posições que buscavam demarcar um “lado” neste conflito e foram propostas pelo Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) e pelo Partido Comunista Operário Russo (PCOR) e pelo Partido Comunista da Ucrânia. Enquanto tal, a posição seria tomando o lado Russo do conflito, sob a justificativa de luta contra o fascismo, enquanto que por outro lado, a União dos Comunistas da Ucrânia teria elaborado uma proposta que toma o lado da classe operária e denuncia as tentativas dos partidos comunistas tomarem o lado de suas burguesias neste conflito.
Esta última proposta, apesar de não comparecer em sua integridade no texto final do EIPCO, foi a apoiada por partidos como o KKE e houve no documento final uma predominância dessa linha, de apoio à luta dos povos, evitando tomar um lado no atual conflito internacional, o que posteriormente, ainda segundo o artigo de Eliseos Vagenas, gerou ataques do PCFR ao KKE. Já o texto do camarada Euclides, expõe bem outro lado da questão que se trata da troca de correspondências entre o PCOR e o TKP, descrevendo ainda alguns dissensos que uma mudança recente de posição deste partido russo causou inclusive internamente.
Enfim, longe de dar longas descrições sobre esses dissensos no MCI, o importante é identificar que estão se delimitando duas posições em conflito no entre os partidos comunistas no mundo todo e estas posições podem ser compreendidas ao se analisar esse contexto e o risco constante do desatar de novas guerras.
O PCB, ao menos oficialmente, tomou uma posição de classe frente à guerra da Ucrânia no desatar dessa posição que, poderíamos considerar, nos faz entender que o partido teria tomado a posição dos camaradas gregos e mexicanos no EIPCO e estaria de acordo com o tom geral da declaração final. No entanto, esta declaração final do EIPCO de Havana, que aconteceu em meio ao processo eleitoral para a presidência da república no Brasil não foi sequer traduzida e publicada.
Na prática, não sabemos de que lado o partido se colocou no EIPCO em votações e instâncias deliberativas do espaço, no entanto podemos ter uma indicação pela declaração do PCB no encontro. Pois vejamos:
“O imperialismo estadunidense, em processo de decadência, fica cada vez mais agressivo na luta para manter sua influência no mundo. Para tanto, promove a permanência da OTAN, realiza provocações, sabotagens, fomenta separatismos, intensifica contradições com seus adversários, como no caso da China e os ameaça, como ocorreu com a Rússia com a proposta de instalação de armas nucleares na Ucrânia.
Assim como a guerra não interessa aos trabalhadores, a agressividade da OTAN-EUA-UE tampouco interessa, essa agressividade é uma ameaça à humanidade e deve ser derrotada em todos os campos de luta, pois uma eventual vitória dessas forças representaria um passo atrás para todos os povos do mundo. Pelo contrário, uma derrota deste bloco debilitaria o imperialismo e abriria maiores espaços para a luta dos trabalhadores, incluindo da Rússia e Ucrânia.” (grifos meus)
Creio que esse trecho da declaração assinada pela Comissão Política Nacional do CC no 22º EIPCO já deixa explícita uma intenção de tomada de lado na atual guerra. Se por um lado a nota pública do partido coloca “os interesses das burguesias estadunidense e russa são evidentes nessa luta pela partilha do mundo capitalista e a guerra não interessa aos trabalhadores”, mesmo que sem colocar que interesses seriam esses, a declaração da CPN no EICPO soa vacilante ao tentar colocar uma justificativa tática ao se colocar de um dos lados do conflito por uma “debilitação” do imperialismo com a derrota militar da OTAN na Ucrânia por “maiores espaços para a luta dos trabalhadores, incluindo da Rússia e Ucrânia.”
A situação fica um pouco mais delicada quando paramos para analisar a questão da Plataforma Mundial Antiimperialista, cuja própria origem parece ser para agrupar organizações políticas em torno da tomada de lado de Rússia e China frente ao atual conflito e a ameaça latente de novas guerras, como diz seu comunicado de título “Em Direção à Plataforma Mundial Antiimperialista, a locomotiva da Revolução Mundial Antiimperialista”, datada em seu site de 14 de Outubro de 2022:
“Enquanto a crise global do capitalismo se aprofunda e o impulso de guerra imperialista se torna mais desesperado, ameaçando mergulhar a maior parte do mundo em chamas, a Plataforma foi formada para amplificar as vozes e unificar e aumentar as atividades de todos aqueles que lutam pela derrota do bloco da OTAN liderada pelos EUA. Esperamos, dessa forma, trazer claridade aos operários de todos os lugares e fazer uma significante contribuição a esta batalha histórica mundial.” (grifos meus)
Ora, talvez esse espaço tenha alterado posições e se alinhado mais aos partidos da ala revolucionária do MCI e posições que têm caracterizado-os… vejamos sua Declaração de Paris, da mesma data :
“11. Que os slogans dos verdadeiros antiimperialistas neste momento deve ser: Derrota para a aliança liderada pela OTAN! Vitória para a resistência! Sem cooperação com a guerra imperialista!” (grifos meus)
Se esta não vale por ser da mesma data, vamos observar a declaração mais recente, do encontro de Seul, do qual nosso dirigente Eduardo Serra participou :
“Que a contradição primária no mundo hoje é entre o bloco imperialista liderado pelos EUA e a massa da humanidade em sofrimento, e que a tarefa primária dos socialistas e antiimperialistas é maximizar as forças que podem ser unidas para derrotar este inimigo da dignidade humana e do progresso.” (grifos meus)
Pensando na possibilidade de o camarada Eduardo Serra estar realizando algum tipo de disputa entre os Partidos Comunistas presentes neste espaço, talvez possa valer a pena verificar sua declaração ali, assinada por ele mesmo, de título ‘A Guerra na Ucrânia têm suas origens na ação expansionista dos Estados Unidos via OTAN’.
O texto começa com uma breve análise da conjuntura nacional que diz, inicialmente, que “Lula foi eleito por uma ampla, antifascista coalisão política, incluindo a esquerda e setores da grande burguesia, que hoje compõem o governo” , após mencionar os atos golpistas do começo do ano e algumas ações emergenciais do governo para retomar a “normalidade institucional”, o texto passa a um tom bastante elogioso ao atual governo por suas ações internacionais como uma postura de não-alinhamento chegando ao seguinte ponto:
“A reaproximação do Brasil com a China é complexa, já que traz benefícios a amplos setores da burguesia Brasileira – como do agronegócio exportador – e para investimentos de companhias privadas chinesas no Brasil, mas entendemos que as relações que a China têm estabelecido com vários países no mundo, com alianças como o BRICS, instrumentos como a Iniciativa do Cinturão Econômico, a Nova Rota da Seda e a recente iniciativa por modernização, mesmo que não tenham um conteúdo socialista, contribuem para a construção de um campo não-alinhado e um mundo multipolar, com o declínio do peso dos Estados Unidos no cenário internacional, criando uma mediação que favorece as lutas de classes.”
No final, após mais uma tropicada em justificativas para a invasão russa na Ucrânia o texto se volta, em seu último parágrafo a colocar a questão da organização da luta anticapitalista contra o imperialismo, e por fim parece mencionar o Socialismo como algo protocolar. Pois, se por um lado, os motivos da burguesia russa estavam postos e claros, como diz a declaração da CPN no desatar da guerra da Ucrânia, e o próprio texto de Eduardo Serra reconhece que as relações brasileiras com a China traz benefícios à “setores da burguesia brasileira” e à interesses de “companhias privadas chinesas” – em outras palavras, a burguesia chinesa – por que adiarmos a luta direta, de classe, a qualquer interesse burguês em favor de lançar a classe operária em uma luta encarniçada em favor de um dos blocos em disputa?
Assim, trago à tona parte da polêmica lançada pelo camarada Ivan Pinheiro ao responder o camarada Boné quando este criticou a dita “falta de flexibilidade tática” de alguns partidos no seu “Desvios político-ideológicos que o MCI deve superar” que como o autor indica parece ter se direcionado justamente à ala revolucionária do MCI que o partido deveria se aproximar pelas resoluções do último congresso:
“Bem informado, o autor deve saber que a frase que cita criticamente entre aspas (“a única saída para a classe operária, e a tarefa de nosso tempo, é a luta decidida pelo socialismo-comunismo”), tem clara e comprovadamente o DNA do KKE e que seu conteúdo (ainda bem!) vem sendo incorporado e exposto por diversos “desses PCs”, entre os quais o da Turquia (TKP), do México (PCM) e dos Trabalhadores de Espanha (PCTE), que vêm se fortalecendo em seus respectivos países, ainda que em estágios diferentes de construção ou reconstrução e de peso político (de que as mediações dependem!), mas todos tendo superado o etapismo e outras formas de reformismo, como o excesso de mediação tática, que reduz a estratégia socialista a uma palavra de ordem solta e burocrática, para um futuro incerto, colocada ao final de pronunciamentos políticos sempre apenas conjunturais.
A citada frase, que define a única saída para a classe operária (haverá outra?) não é uma mera palavra de ordem voluntarista, agitativa e intempestiva, como sugere a crítica. Nela hifenizam-se corretamente as palavras socialismo-comunismo para deixar claro de que socialismo se trata, marcando diferença em relação a expressões como “socialismo e liberdade”, “socialismo de mercado”, “socialismo do século 21” ou “eco socialismo”. Além do mais, a frase criticada pelo camarada define a luta que propõe como tarefa de nosso tempo, pelo entendimento de que o agravamento da crise sistêmica do capitalismo e das contradições interimperialistas significa mais exploração do proletariado, mais repressão a rebeldias, lutas e movimentos sindicais e populares, mais guerras, mais desemprego, fome e miséria, anunciando as possibilidades e a provável proximidade da Era das Revoluções, para a qual cabe aos partidos comunistas se prepararem, desde já, para estarem à altura de suas tarefas como vanguarda.
[…] Estou certo de que ele concorda que não haja outra saída para a classe operária além do socialismo-comunismo com hífen, o que me leva a supor que faça essa crítica por considerar que esta luta não é prioritária na atualidade.” (grifos meus)
Já pedindo perdão pela longa citação de um camarada, e ainda mais um que vem sendo abertamente acusado de fracionismo pela Comissão Política Nacional, mas esse texto reúne mais indicações de que o camarada Ivan Pinheiro estava certo em sua crítica. Há uma tentativa deliberada de, pelo menos, parte do Comitê Central e da nossa Comissão Política Nacional de desviar as nossas tarefas internacionalistas daquilo que havia sido definido no XVI Congresso Nacional e que, portanto, é tarefa desta instância buscar lidar com as contradições gestadas no seu ventre buscando, no mínimo, uma reconciliação com os setores que vêm acusando de fracionista e liquidacionista e encarar os debates que se põem na atual crise interna de maneira corajosa e madura, e não precipitando mais divisões entre aqueles que se propõem a lutar pela Revolução Socialista.
Alguns pontos a mais que podem ser chamados atenção na atual possibilidade de divisão no PCB podem, inclusive, serem encontrados como algo que está acontecendo a nível internacional como bem mostra o texto do camarada Eliseos Vagenas citado anteriormente:
“Entre os partidos que apoiam a cooptação dos PCs para “alianças amplas da esquerda progressista” e aqueles que lutam pela preservação da independência política-ideológica dos PCs e o fortalecimento de seus laços com a classe operária e os estratos populares.
Entre os partidos que permanecem presos na velha estratégia de “estágios rumo ao socialismo” e apoiam a participação em governos burgueses de “esquerda”, “anti-neoliberal”, “progressista”, e de “centro-esquerda” na estrutura do capitalismo, e aqueles que rejeitaram a participação em governos burgueses e à lógica de etapas e lutam pela derrubada da barbaridade capitalista.
Entre os partidos que identificam imperialismo exclusivamente com os EUA ou alguns poderosos países capitalistas da Europa ou uma política estrangeira agressiva, e os partidos que são baseados na concepção leninista de que o imperialismo é o capitalismo monopolista, o mais alto e último estágio do sistema de exploração.
Entre os partidos que consideram que a luta por paz é inextricavelmente ligado à um “mundo multipolar” que poderia supostamente domar os EUA, fomentando ilusões sobre uma suposta “arquitetura pacífica internacional”, que é promovida pela social democracia e oportunistas, e os partidos que acreditam que o mundo capitalista não pode ser “democratizado”, que esta não pode escapar de guerras, não importa quantos “polos” tenham, e que é necessário fortalecer a luta para a derrubada do capitalismo, pela nova, sociedade socialista.
Entre os partidos que consideram que a China é um país “construindo socialismo com características chinesas” e os partidos que acreditam que o socialismo tem princípios que estão sendo violados na China, onde as relações capitalistas de produção agora prevalecem; que este país é um país do moderno mundo capitalista, que de fato está competindo com os Estados Unidos e ameaçando sua supremacia no sistema imperialista.” (grifos meus)
Pegando outras declarações do PCB na PMAI vemos novas contradições se manifestando, inclusive em termos da política nacional, vejamos a declaração assinada pelo camarada Edmílson Costa no terceiro encontro, em Caracas:
“Para o PCB, o sistema imperialista mundial está vivendo uma crise prolongada que se manifestou na estagnação econômica dos países centrais, em desemprego, em miséria, em redução dos direitos trabalhistas e confisco de salários, no desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social e em violência contra a população pobre. Como todos podem ver, até o momento os administradores do capital ainda não encontraram uma maneira de retomar o padrão de crescimento dos períodos anteriores e estabilizar a economia mundial.
Esse processo é combinado com o declínio da dominação dos EUA de um ponto de vista econômico, monetário, financeiro e político, especialmente com a ascensão da China como um poder econômico e tecnológico global. Esse declínio gerou um aumento da agressividade imperial, que está expresso em guerras contra os povos que não aceitam as imposições do Estados Unidos, em sanções políticas e econômicas, em provocações e sabotagens contra nações soberanas.
[…]
Como a história nos ensina, a efetiva mudança na correlação de forças em favor dos interesses populares dependem tanto das políticas desenvolvidas pelo governo de Lula, e, principalmente, da aparição em cena das massas organizadas que lutam pelo desmantelamento do modelo neoliberal implantado no Brasil por mais de quatro décadas e seus interesses históricos.
[…]
Camaradas, acreditamos que o Brasil está vivendo atualmente um período de luta de classes em campo aberto, com uma disputa polarizada entre dois blocos e frações de classe. De um lado as forças de extrema direita buscam constantemente romper a situação, com ações desesperadas, como a de 8 de Janeiro, mas também envenenando a situação com fake news. Do outro, as forças democráticas e de esquerda que buscam recuperar a iniciativa, remover os fascistas do aparato estatal, denunciar as atrocidades do governo Bolsonaro e consolidar as liberdades democráticas.
No outro extremo, tem uma disputa entre a burguesia e o movimento popular, cuja luta vai certamente se estender com o governo Lula. A burguesia está fazendo tudo o possível para capturar a agenda econômica do governo e manter o modelo liberal, deixando somente algumas migalhas de compensação social para o povo. O movimento social e popular e pessoas marginalizadas que em geral votaram esmagadoramente por Lula, irão lutar pelas pelas mudanças prometidas durante o período eleitoral.
[…]
Tal situação não podem ser resolvidas com medidas paliativas ou conciliação de classes, com a burguesia sendo a principal responsável por esta tragédia. Como o governo de Lula é resultado de uma frente ampla, que juntou partidos da esquerda, centro e da direita, bem como setores da burguesia, essa aliança dificulta ao governo a realização de suas promessas durante o período eleitoral.
De nossa parte, continuaremos o trabalho de base junto aos operários, a juventude e o povo pobre das periferias, na perspectiva de que somente a luta organizada nas ruas e nos locais de trabalho serão capazes de mudar a correlação de forças na perspectiva dos interesses populares. Como partido revolucionário, manteremos nossa independência política e orgânica em qualquer situação no contexto brasileiro e sempre trabalharemos para a conquista do poder popular e do socialismo.”
Aqui temos um exercício interessante de retórica para manter as aparências de movimento revolucionário enquanto aponta efetivamente para a entrega dos nossos interesses de classe, pois apesar de colocar a “independência” do PCB frente ao governo Lula, parece entender a correlação de forças e classes e a mobilização da classe trabalhadora meramente como uma forma de contrapôr as representações liberais e burguesas no governo Lula. O interessante é que o PCB, para nosso dirigente, não aparenta ser uma força capaz de mobilizar amplas massas contra os interesses burgueses do próprio governo Lula justamente próximo do momento em que mais conseguimos arrastar os setores mais atrasados das “forças democráticas” e da “esquerda” atrás de nós, nas mobilizações contra o governo Bolsonaro, onde ficou claro pra qualquer um que construiu as mobilizações em seus estados que partidos como PT, PDT ou PCdoB vinham boicotando a continuidade das mobilizações e construções de maiores calendários de lutas para cozinhar o governo Bolsonaro em fogo baixo para denunciar suas atrocidades em período eleitoral.
Na prática, vemos no texto do camarada Edmilson uma tentativa clara de rebaixar o partido ao nível de consciência das massas ao apontar a “mobilização” e a “independência” de nossa classe e partido como meros acessórios para arrastar um governo burguês a oferecer maiores concessões aos interesses populares. A crise do capital e a recente radicalização de setores burgueses que fez com que o Bolsonarismo surgisse como alternativa viável só será contraposta, de fato, com nossa bandeira surgindo como alternativa para cortar à raiz suas causas, se tornar um apêndice do governo propondo fazer o que o próprio PT não irá fazer – mobilizar a classe por maiores concessões – pouco contribuirá para a entrada em cena da classe operária como sujeito político capaz de derrubar o capital e construir o socialismo, apenas se os camaradas consideram que isto poderá ser realizado por meio da institucionalidade burguesa ou a utilizando como mediação tática (mais uma!).
De mediação tática em mediação tática o horizonte do socialismo vai se tornando apenas isso, um horizonte distante e um mero acessório para deixar bonito os últimos parágrafos de notas políticas e declarações, um cinismo que arrisca nos levar, mais uma vez, em direção à perda de radicalidade política e de influência. Dado que o crescimento recente do partido deriva muito mais de nossa atitude intransigente frente à burguesia e seu poder, e não por assinaturas inférteis de notas em defesa da “democracia” dos ricos ou alinhamentos com partidos que há muito perderam qualquer horizonte revolucionário, devemos ser firmes e manter uma verdadeira “independência” política ao denunciar o caráter burguês do governo Lula e o seu papel na desmobilização e apassivamento da classe trabalhadora, algo que já o fez em governos anteriores e o está fazendo mais uma vez.
Por fim, vale a pena citar que há partidos na construção da tal PMAI que vêm lançando constantes ataques à ala revolucionária do MCI, em especial o KKE que, enquanto tal, segue sendo o partido que mais consegue impactar na conjuntura de seu país e do MCI, isso sem falar na gritante contradição que é o PCB participar deste espaço ao lado do PSUV que vêm em uma empreitada de perseguições ao PCV. Coloco ainda como indicações os textos do PCM e KKE sobre a PMAI e suas posições.
Seja como for, é necessária uma maior abertura e coragem ao se falar sobre as Relações Internacionais do partido, especialmente em uma conjuntura como a atual, pois se há algo que a Revolução de Outubro e o velho Lênin nos ensinam é que o Imperialismo e a época dos conflitos e guerras imperialistas é a antecâmara da revolução socialista, e que não há mediação tática possível entre o proletariado e blocos monopolistas em uma situação dessas.
Referências: “Comunicado do Secretário Geral do PCB sobre os ataques públicos ao partido”, por Edmilson Costa. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/30654
“A crise do capital e o novo liquidacionismo”, pela Comissão Política Nacional do CC do PCB. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/30638
“Pois que heranças devemos reinvindicar – e o que de novo precisa surgir”, por Euclides Vasconcellos. Disponível em: https://ujc.org.br/pois-que-herancas-devemos-reivindicar-e-o-que-de-novo-precisa-surgir/
“A que heranças o Movimento Comunista Internacional deve renunciar?”, por Carlos Arthur Newlands Jr. (Boné). Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/30248
“Desvios político-ideológicos que o MCI deve superar, por Ivan Pinheiro. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/30390
“A questão LGBT e as divergências no Movimento Comunista Internacional, por Gabriel Landi Fazzio. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/30401
“22nd IMCWP, Final Declaration of the 22nd International Meeting of Communist and Workers’ Parties. Disponível em: http://solidnet.org/article/22nd-IMCWP-Final-Declaration-of-the-22nd-International-Meeting-of-Communist-and-Workers-Parties/
“On the ideological-political confrontation at the 22nd International Meeting of Communist and Workers’ Parties and the “trick” about the “anti-Russian” and “pro-Russian” sentiment”, por Eliseos Vagenas. Disponível em: https://inter.kke.gr/en/articles/On-the-ideologicalpolitical-confrontation-at-the-22nd-International-Meeting-of-Communist-and-Workers-Parties-and-the-trick-about-the-anti-Russian-and-pro-Russian-sentiment/
“Declaração Política sobre a crise militar na Ucrânia”. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/28478
“22nd IMCWP, Contribution by the Brazilian CP”. Disponível em: http://solidnet.org/article/22nd-IMCWP-Contribution-by-the-Brazilian-CP/
“Towards the World Anti-Imperialist Platform, the Locomotive of World Anti-Imperialist Revolution”. Disponível em: https://wap21.org/?p=749
“Paris Declaration: The rising tide of global war and the tasks of anti-imperialists”. Disponível em: https://wap21.org/?p=566
“Seoul declaration: The rising tide of global war in east Asia”. Disponível em: https://wap21.org/?p=3568
“The War In Ukraine Has Its Origins In The Expansionist Action of the United States Via NATO”, por Eduardo Gonçalves Serra. Disponível em: https://waporgan.org/?p=243
“Edmilson Silva Costa, Brazilian Communist Party”. Disponível em: https://wap21.org/?p=2879
“The Political stance of the Communist Party of Greece… a communist stance?”, do Partido Comunista Chileno (Ação Proletária). Disponível em: https://waporgan.org/?p=2527
“10 commandments of the most volatile opportunism and revisionism”, do Coletivo de Luta pela Revolucionária Unificação da Humanidade. Disponível em: https://waporgan.org/?p=2532
“La Plataforma Antiimperialista, un grupo provocador”, do Partido Comunista do México. Disponível em: http://www.comunistas-mexicanos.org/partido-comunista-de-mexico/2308-sobre-las-provocaciones-de-la-pam
Resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB 2 – Programa de Lutas para a implementação da estratégia socialista no Brasil. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1F_5SvtoZsxCyfsp6dx1gek0kMYEoDTvX/view