'Crítica à seção ‘Sobre o Movimento Negro’, nas teses do XVII Congresso Extraordinário do PCB-RR' (Núcleo Zona Norte – São Paulo)
Se há uma manifestação do liberalismo nos movimentos de grupos como o movimento negro, o que sabemos e o que faremos sobre isso? Da mesma maneira, o que estamos organizando em relação às nossas inserções nesses movimentos?
Por Núcleo Zona Norte – São Paulo para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Durante as etapas de base e regional do XVII Congresso do Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária (PCB-RR), o núcleo Zona Norte – São Paulo, vem por intermédio da Tribuna de Debates expor críticas ao caderno de teses.
É importante ressaltar que apesar de estarmos apresentando críticas principalmente às seções de Estratégia e Tática e Movimento Negro, nos posicionamos de maneira crítica também às teses sobre Movimento Feminista, Movimento LGBT, Movimento Indígena e de Juventude, por acreditarmos que todos em comum possuem um problema central de trazer, de maneira completamente dispersa e rasa, poucas questões históricas de cada movimento, e também pouca leitura crítica sobre os desdobramentos mais recentes que afetam cada um desses grupos. Apesar de ser a última semana de envio de tribunas, convidamos a militância para refletir sobre as lacunas que existem não só nas resoluções que propomos, mas também nas nossas inserções em cada um desses movimentos.
A fim de facilitar a leitura do texto, reproduzimos a seção sobre Movimento Negro do Caderno de Teses disponibilizado para as etapas do XVII Congresso:
§85 O Movimento Negro Brasileiro é caracterizado como o conjunto de movimentos sociais, políticos e culturais protagonizado pela população negra e aliados não-brancos e não-negros. Sua gênese é parte indissociável da luta de classes no Brasil, já que as bases das organizações da classe trabalhadora brasileira foram as primeiras organizações negras, criadas em torno do enfrentamento à condição de escravizados e visando à reformulação das relações sociais e embate contra o modo de produção escravista colonial. A partir dos quilombos, terreiros, associações de trabalhadores negros e irmandades, os negros e negras no Brasil sempre se organizaram coletivamente buscando a alteração de sua realidade, conseguindo não só infligir grandes danos ao modo de produção escravista colonial como capitaneando as primeiras greves durante a formação do proletariado brasileiro.
§86 Como fruto de relações de trabalho e econômicas baseadas na divisão racial do trabalho, o Movimento Negro se articula ao longo da história na forma de diversas organizações, desde organizações pluriclassistas até organizações proletárias.
§87 Tais organizações, assim como o conjunto da população negra brasileira, foram responsáveis pelo combate ao mito da democracia racial, escancarando por meio de sua agitação o perfil negro da maioria da população deste território; pelo resgate da memória cultural e de luta dos negros e negras; por influir na legislação e políticas públicas de combate ao racismo e na preservação das contribuições religiosas e artísticas negras no Brasil.
§88 Assim, na pluralidade do que hoje é o movimento negro, um partido comunista no Brasil e seus militantes devem se atentar para o potencial revolucionário de sua organização, se inserindo em suas fileiras combatendo o identitarismo liberal que a ideologia burguesa dissemina amplamente nesse meio com um antirracismo classista revolucionário, que aponte para a construção de uma sociedade socialista e para a superação social da categoria “raça” enquanto um marcador de desigualdades e hierarquias.
A partir da leitura das teses pré-existentes, há uma reflexão cabal sobre o que se espera de um congresso, assim como o caderno de teses resultante desse processo: o que queremos com a construção da nossa Estratégia e Tática? Para responder, urge a necessidade de retomarmos alguns conceitos basilares à nossa reconstrução revolucionária, bastante elucidados por Lenin (1905):
“Por tática de um partido entende-se a sua condução política, isto é, o caráter, a orientação e os procedimentos de sua atuação política. O congresso do partido adota resoluções táticas para definir de modo preciso a conduta política do partido no seu conjunto em relação às novas tarefas ou em vista de uma nova situação política.”
Se o congresso e as resoluções táticas que surgem daí devem definir com precisão nossa conduta e atuação política, precede-nos então a necessidade de examinarmos, com bastante exatidão, alguns pontos centrais à nossa luta:
- As classes que compõe a sociedade brasileira e o conjunto de relações mútuas entre todas elas;
- A correlação de forças existente no terreno político e seus métodos de enfrentamento de classes;
- Os movimentos em um contexto dinâmico e internacional, não o restringindo somente à realidade local ou um dado momento histórico específico;
- A análise histórica dos movimentos, não abarcando somente o passado, mas também as atualidades e possíveis apontamentos futuros sobre tal.
Dados esses pontos, declaramos que o Caderno de Teses em nenhuma medida transparece o que se espera dele; pelo contrário, não é visível em nenhum momento, sobretudo na questão do Movimento Negro, qual é a nossa leitura sobre ele enquanto marxista-leninistas, qual é a história do Movimento Negro e sua relação com o movimento comunista, e também como buscamos nos inserir nele enquanto um partido de vanguarda. Por fim, não há análise clara sobre o contexto em que se insere o movimento negro nos dias atuais, o que influi em um posicionamento nulo sobre quais são nossas táticas perante questões candentes da nossa conjuntura política.
É urgente, camaradas, que retomemos a análise da nossa realidade material a fim de trilhar de maneira precisa qual é a nossa estratégia e tática sobre o movimento negro. Em um contexto de ostensiva violência policial contra a juventude negra através das operações policiais comandadas pelo governador miliciano Tarcísio de Freitas no estado de São Paulo, assim como as políticas ultraliberais do governo Lula de privatização do sistema carcerário brasileiro, temos o dever de deixar às claras que a segurança pública brasileira historicamente é construída sobre o discurso estereotipado de que os negros periféricos são criminosos, e que o capitalismo se alimenta disso não só através do espraiamento de uma ideologia liberal sobre as identidades, mas também através da exploração de um mercado alimentado pelas desigualdade sociais e o encarceramento em massa da população negra.
Não só, a guerra às drogas, que encarcera a população negra massivamente, é um assunto a ser destrinchado em nossos debates, pois uma vez que este é tratado sob as garras da segurança pública burguesa caindo em um senso comum racista, é nosso dever enquanto comunistas reivindicarmos um debate sobre as drogas pautado como uma questão de saúde pública, contra qualquer tipo de discurso higienista e eugenista que tenta cooptar a discussão sob um viés moralista, como fazem outros partidos de esquerda como o PCR.
Por fim, avançar a estratégia e tática sobre o movimento de cultura é tarefa fundamental e intrínseca ao fortalecimento do movimento negro e comunista. Movimentos culturais locais como as batalhas de rima e os bailes funk formam um setor da cultura frequentado primordialmente pela juventude negra e trabalhadora. Pelo perfil que esses eventos atraem, não é por acaso que espaços culturais como esse sofram fortes represálias por parte da mídia burguesa e das forças policiais. Não só, entre os anos de 2022 e 2023, tivemos ataques coordenados no município de São Paulo pela secretária Aline Torres e vereadores da extrema-direita contra as casas de cultura, espaço também frequentado por essa mesma juventude. A privatização das casas de cultura, que busca não só a remoção desses espaços para lazer e formação cultural da população, mas também o sucateamento de trabalhadores da cultura, deve ser combatida a fim de garantirmos cada vez mais espaços populares culturais à população.
Se sobre todos os grupos não conseguimos trazer um resgate histórico da conjuntura que subsidie nossos debates e as nossas ações e ainda por cima mal compreendemos nossos reais objetivos nas lutas, das duas uma: ou não temos atuação suficiente para unir os acúmulos, ou ignoramos a base do nosso partido, sendo essas as duas hipóteses que nortearam a nossa reconstrução revolucionária para longe das mazelas do identitarismo e da inércia do movimento comunista frente a esses grupos.
Se há uma manifestação do liberalismo nos movimentos de grupos como o movimento negro, o que sabemos e o que faremos sobre isso? Da mesma maneira, o que estamos organizando em relação às nossas inserções nesses movimentos? Ainda que este caderno de teses seja somente uma base para subsidiar os nossos debates, reclamamos que esse caderno não só não traduziu os nossos acúmulos perante cada seção que apresenta, como também usa apontamentos históricos vagos de maneira moral, parecendo buscar apenas “não abandonar” o fato de que existem povos racializados a serem organizados, assim como os indígenas, as mulheres, as juventudes e os trabalhadores.